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Entrevista a Keso: “Não esperava que o Revólver fosse importante para tanta gente”

Uma semana depois de dar o concerto de apresentação da reedição do disco O Revólver…

Texto de Carolina Franco

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Uma semana depois de dar o concerto de apresentação da reedição do disco O Revólver entre as Flores em vinil, no Plano B, no Porto, Keso visitou a Central Gerador para conversar sobre o regresso a um disco que representa um ponto de viragem na sua vida e, consequentemente, na sua música.

Estreou-se com Raios Te Partam em 2003 e, já na altura, com a faixa “Bairrismundo”, sugeria que só fazia sentido tendo “todos unidos”. A vontade de unir pessoas, géneros musicais e “criar o insólito” é um reflexo do seu percurso singular no panorama do rap português. Se O Revólver entre as Flores despertou a atenção para o que estava a fazer, KSX, que lançou em 2016, trouxe a confirmação de que o seu nome certamente irá resistir ao tempo.

A cada faixa, Keso convida-nos a entrar num universo que pode ser tão seu como de qualquer um de nós – do Porto a Lisboa, de Londres a Jenin. Ouvir O Revólver entre as Flores é para quem já o segue, perceber uma passagem, e para quem o conhece pela primeira vez a melhor forma de perceber que é feito de muita coisa – e sempre com muita gente à volta.

Em conversa com o Gerador, revisita o período que viveu em Lisboa e que serviu de pano de fundo para o O Revólver entre as Flores, que apresenta na cidade que o fez nascer no dia 16 de novembro, no Musicbox.

Gerador (G.) – Porque é que decidiste editar agora O Revólver entre as Flores?
Keso (K.) – O Revólver entre as Flores em vinil acontece um bocado por acidente, foi juntar o útil ao agradável. O André Carvalho da Circus Network tem alguns projetos editoriais, entre os quais alguns que envolvem a edição em vinil do material da cidade do Porto e já era uma ideia dele fazer edições em vinil de discos que ele achava importantes na cena do rap do Porto. Um dia, ele propôs-me vir a fazer uma edição de um projeto futuro que eu pudesse vir a fazer – na altura eu até levantei logo a hipótese de fazer o projeto com o Luca Argel. Eu sempre tive aquela ideia de que queria fazer uma reedição do Revólver, mas em CD não fazia sentido porque já fizemos três edições em 10 anos e lembrei-me de que podia resultar fazer uma edição em vinil.

Eu não fazia a mínima ideia do mercado do vinil em Portugal; nós temos um feedback exterior de que o vinil está em crescimento, que matou o CD, mas cá nunca sabemos como funciona muito bem, muito menos com discos portugueses. Ele sugeriu fazermos 300 discos, e eu achei que iam ser demais — mas parece que não sobreviveram uma semana. Houve muitas encomendas para os quatro cantos do mundo, no Porto vendemos imensos no dia do concerto... já só me restam 10. Estou muito feliz, não esperava que o Revólver fosse importante para tanta gente.

G. – E para ti? Pegares num disco antigo também é revisitar outros tempos que viveste no rap?
K. – Sim, e tem piada, por exemplo, esta segunda entrevista que estou a fazer ser em Lisboa e estar esta semana cá a promover o Revólver em vinil. O Revólver foi feito durante a minha passagem de cinco anos por Lisboa e é um disco que me é muito especial nesse sentido, porque representa uma fase da minha vida que é a minha juventude. Eu vim para cá aos 18 anos e vivi aqui até aos 23, e este é um disco que para mim é Lisboa, embora tenha sido gravado no Porto porque eu ia para lá todos os fins de semana. Mas é um disco muito simbólico porque a minha casa era uma espécie de uma comuna porque parava lá muita gente, inclusive os músicos que entram no disco e que hoje são meus amigos para a vida. Também representa a parte em que eu não tinha medo de experimentar ao nível musical, é um disco de descoberta.

G. – Estavas a falar das colaborações e, de facto, o disco está cheio de encontros teus com outros músicos. Essa vontade de fazer coisas com outras pessoas, no fundo, também te é muito característica.
K. – Eu nasci no hip hop, não venho de outro movimento, não faço parte de outra cultura. E a minha cultura sempre passou pela rua, por partilhar projetos com outras pessoas. Embora o meu dia a dia seja um bocado mais pacato e não precise de estar sempre a comunicar, para mim, o rap e o hip hop não fazem sentido isoladamente, se estiveres fechado numa caixa. O input de todos os outros e o espírito de entreajuda são superimportantes. Isso não se vê só nos meus discos, mas em todos os projetos que desenvolvo em paralelo – seja em concertos ou na Paga-lhe o Quarto. Gosto sempre de envolver muita gente e de fazer o insólito, no sentido em que procuro muitas vezes fazer colaborações que as pessoas não imaginavam que poderiam acontecer.

E é normal verem-me em vários concertos simplesmente a assistir, porque não faz sentido para mim estabelecer qualquer tipo de distanciamento ou pedestal. Continuo sempre a fazer a minha cena, é o mais importante. Continuo a ir a concertos de rap e cresço muito com o que vou vendo e ouvindo.

G. – Há pouco referias da experimentação do Revólver e dessa fase que também foi uma aprendizagem para ti...
K. – Essa parte da experimentação dá-se muito à personalidade da tua juventude, à tua irreverência enquanto jovem. Essa também foi uma altura em que também me abri no cinema – havia uma série de realizadores e filmes que abriam portas na minha cabeça. Foi uma parte da minha vida que se acabou por refletir a nível musical em que o experimentalismo, o Freestyle, o não estar minimamente preocupado com a forma como estava a fazer as coisas resulta muito naturalmente. Cheguei ao fim e percebi que tinha um objeto sólido, mas durante o processo não pensava muito nisso. Por exemplo, a faixa com o Sir Scratch: ele ia a minha casa sempre à procura de beats, e eu nunca tinha beats para ele e liguei-lhe e disse: “Tens de entrar no meu disco a falar mal de mim.” E foi assim que aconteceu, tal como com o Nerve, a quem eu disse que podia escrever o que lhe viesse à cabeça, e também foi exatamente o que ele fez.

A parte musical, por exemplo, no “Oiçam”, em que as baterias são completamente fora da cena hip hop e que acabou com drum kits construídos por mim e pelo Miguel Morelli que é um baterista de math rock. E esse dia a dia que se foi desenvolvendo ao longo de um ano, que foi mais ou menos o tempo em que fiz o Revólver, vivia muito disso. Eu estava com toda a gente, falávamos do que nos apetecia – as temáticas do Revólver também representam isso porque vão para ali e para acolá.

Já no KSX eu não tinha essa liberdade, e, no meu dia a dia embora continue a trabalhar com outras pessoas, também já não tenho um olhar tão despreocupado para aquilo que estou a fazer. Agora sou mais cauteloso, interessa-me o know-how da produção... mas é normal, vamos crescendo e começando a desenvolver gostos e optar por certos caminhos.

G. – E também foi um disco que te abriu portas para outros caminhos, como no cinema?
K. – Completamente. Primeiro, no rap do Porto, eu fiquei completamente à parte; andava toda a gente a copiar o Mundo e o Fuse e, de repente, aparece alguém a fazer um rap-jazz-funk todo mixado e uma pessoa do Porto que toda a gente conhecia. Isso também foi bom porque me deu alguma identidade, e o KSX foi a continuidade.

G. – Sem querer até criaste algumas pontes entre o rap do Porto e o de Lisboa, não?
K. – Eu acho que isso foi sempre essencial para mim. Essa abertura muitas vezes não existe – existe mais por parte de Lisboa, eu acho. Mesmo entre as pessoas do Porto não existe abertura. E essa parte no Revólver é muito importante porque acho que é provavelmente o único disco de autor em que todos os músicos, faixa a faixa, são de diferentes cidades de Portugal, de norte a sul do país.

G. – Na faixa que tens com o Maze – “Canta filma realiza” –, ele refere-se a ti como membro de uma nova escola. Tu agora com a Paga-lhe o Quarto acabas por dar a mão a uma nova escola também, posterior àquela a que tu pertencias.
K. – O Maze sempre foi uma referência para mim, no grafíti e no rap; na maneira dele estar. Ele é uma pessoa muito positiva e dá-se bem com toda a gente e o pessoal desconfia sempre de pessoas que se dão bem com toda a gente, mas muitas vezes não há motivos para isso. O Maze é um desses casos. Eu sempre admirei muito por esse lado. E agora ele vive em Lisboa, mas continua a ser uma pessoa superimportante para mim. É muito interessado, está sempre aberto a novos projetos. Por isso, é uma pessoa que está muito perto de algo que eu tento ser.

a Paga-lhe o Quarto nasceu cá em Lisboa, também. O projeto surge quando eu percebo que esta geração já não é a Geração Rasca, é a geração que trabalha para pagar o quarto. O Revólver foi a primeira edição independente que saiu pela Paga-lhe o Quarto e entretanto estive parado para lançar o KSX e estar envolvido noutros projetos. Quando eu comecei a fazer as primeiras comunicações com outros artistas, a ideia era tão simples quanto eu ter uma espécie de fundo perdido, um montante em dinheiro que oferecia ao artista e fazia alguns aconselhamentos ao nível da distribuição do disco, e ele dava-me o dinheiro de volta no fim. Neste momento com a distribuição digital, com a realidade da Internet – embora também estejamos a fazer edições físicas –, a Paga-lhe funciona como uma plataforma de lançamento para os artistas. Não gosto de lhe chamar editora porque isso pressupõe que só determinados artistas, de determinado género é que entram. A Paga-lhe o Quarto assegura a produção, do design, da distribuição e comunicação ao mais alto nível, mas nunca funciona como imposição. O objetivo é criar uma plataforma forte, seja nas redes sociais ou no YouTube – que são muito importantes hoje para o universo musical – em que nenhum artista que tem 10 subscritores lance o que quer que seja e não tenha apoio. Queremos ajudar-nos uns aos outros.

"Canta filma realiza" leva para O Revólver entre as Flores o respeito mútuo entre Keso e Maze

G. – A Paga-lhe surge porque alguma vez sentiste que não tinhas essa ajuda?
K. – Sim, sem dúvida. Como eu dizia há pouco, o Porto não é uma casa de gente muito exploradora, que se abra muito ao exterior, e eu sou exatamente o oposto. E a Paga-lhe só tem a possibilidade de existir no pós-KSX, que foi quando comecei a ter mais visibilidade e a ter contacto com pessoas dos mais diversos âmbitos – sejam da publicidade, do jornalismo, da distribuição, do ramo mais industrial que está envolvido com a cultura. E isso durante estes três anos deu-me uma espécie de segurança e possibilitou uma aproximação que eu nunca teria se não tivesse feito o KSX.

G. – Recentemente lançaste um disco que parte de uma viagem tua à Palestina, também pela Paga-lhe o Quarto. Se não me engano, os três primeiros vinis que vendeste em leilão tiveram os fundos revertidos para um documentário em que estiveste a trabalhar, também lá. Que documentário é esse?
K. – O documentário, que está agora em fase de pós-produção, é realizado pela Diana Antunes e produzido pela Balolas Carvalho. Nós estivemos mais ou menos um mês e meio na Palestina, por duas vezes. É um documentário sobre Jenin, sobre formas de resistência dentro da vila de Jenin e fala de vários tipos de resistência – desde a cultural até à mais extremista. O meu papel lá foi garantir que o som estava a ser gravado da melhor forma; não tenho qualquer outro tipo de participação no argumento ou no que quer que seja. O filme vai-se chamar Bukra, que significa “amanhã” e deve sair no início do próximo ano.

G. – Conheceste rappers da Palestina?
K. – Eu fiz um concerto lá, com rappers de lá. Foram umas quatro ou cinco bandas, e eu fui abrir o espetáculo. Ali, a maior parte das pessoas não tem permissão para abandonar o território, e muita gente tem acesso a outras coisas apenas pela Internet.

Havia muitos estrangeiros porque aquilo foi feito no núcleo do Freedom Theatre, e o concerto foi feito na sala desse teatro. Eu produzi alguns singles, que entretanto também já saíram lá, de alguns moços de lá. Foi uma ligação imediata. Eles perguntaram se eu queria cantar, e eu disse: “Claro que sim!” Eles adoram rap e ter um estrangeiro lá a fazer uma abordagem completamente diferente foi incrível para eles. Ficámos todos muito felizes.

G. – Tens sentido que o teu futuro também passa um bocado por ir fazendo outras coisas noutros meios?
K. – Eu estudei cinema, mas, mesmo quando estava na escola de cinema, sempre defendi que só começaria a filmar depois dos 30 e se tivesse muitas histórias para contar. Não digo que no futuro não venha a assumir o argumento e realização de um filme, não digo que não venha a escrever – ou pelo menos a tentar. Há imensa coisa que eu quero fazer e isto é só uma passagem. A música provavelmente vai permanecer comigo até ao fim da minha vida, mas é só uma parte. Mesmo no meu dia a dia a fazer design ou a parte de produção de outros projetos, acabo por trabalhar noutras áreas criativas que vou explorando. Eu gosto muito de ser livre. Não sei se existe seguimento entre umas e outras coisas; o que eu sei é que quero fazer e que me levanto sempre com muita vontade de fazer muito. Eu preciso disso.

É para falar sobre Regressos que Keso se junta a Maze e José Mariño no Mouras Shopping Center, hoje às 21h00, numa parceria entre o Gerador e a Hip Hop Rádio. A conversa integra a programação do Trampolim e reúne o regresso de Keso ao Revólver entre as Flores, do duplo regresso de Maze – a solo e com os Dealema –, e do regresso de José Mariño à rádio com o programa A Teoria da Evolução, na Antena 1.

Texto de Carolina Franco
Fotografias de Andreia Mayer

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