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Entrevista a Luís Pedras: As mãos do homem que sonha a terra com as mãos

Em Elvas, o Natal vive-se cá fora, enganando o frio com um capote e um…

Texto de Andreia Monteiro

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Em Elvas, o Natal vive-se cá fora, enganando o frio com um capote e um copo de vinho. Os homens descem as ruas em debandada e anunciam Jesus entre os estranhíssimos sons das roncas – instrumentos tradicionais feitos de barro, pele de borrego e canas.

Entre eles, há um homem (louco, sonhador ou resistente?) que, entre tachos e panelas, escolheu fazer roncas, não para ganhar a vida aos trocos, mas para que a sua alma possa sobreviver. Não é artesão, nem artista, não é oleiro, nem ceramista. Alquimista, sim. Sabe, de saber de verdade, escrever poemas, misturar ervas de chá e moldar o barro. Como todos os homens mágicos, vive paredes-meias com o Castelo – de onde ele, em jeito de segredo, recolhe talvez o néctar com que nutre tudo o que faz.

O Luís Pedras descobriu a cerâmica como um tropeço na própria vida há mais de vinte anos. O poema e o desenho tinham chegado antes – mas a água ou o vento ou o fogo puseram-lhe o ponto final do esquecimento. A cerâmica é maior: a água convida o homem a moldar a terra, que o ar há-de deixar secar, para que o fogo eternize. O Gerador sentou-se para falar com o Luís.

Gerador - As tuas peças têm alma?

Luís Pedras -Eu só existo mesmo para conseguir produzir peças com alma. Sem terem essa essência, esse éter, esse néctar, é que aquilo faz parte da nossa procura. Obviamente que tem muita essência, tem muita alma. Eu já escrevo, faço pintura e escultura há muitos, muitos, muitos, anos. Aliás, eu tenho ali alguns apontamentos, algumas publicações de 1985. Coisas muitos antigas que publiquei no Linhas de Elvas e fiz exposições em conjunto com outros artistas. Pintura, escultura, mas nunca cerâmica. Então eu de facto encontrei essa grande alma, essa essência que procuro, na cerâmica. Porque é a comunhão desses quatro elementos que formam o universo, da formação disto tudo. Falta só o tal éter, não é? A energia... Mas é precisamente a terra, a água, o ar, o fogo, que são elementos que fazem uma comunhão primordial da matéria que é precisamente a cerâmica. Foi aí que eu me encontrei, através de formas através de linhas, através de sons, através de outras manifestações, mesmo até de sabores. É interessante nós concluirmos que a cerâmica serve-nos desde os tempos mais longínquos, temos peças deste o paleolítico. Eu costumo dizer que só se uma peça cai ao chão e se parte é que acabou. Porque se não, a cerâmica é eterna. Desde que ela seja cozida, transformada, ela é praticamente eterna. Resiste às intempéries, ao sol, à chuva, ao vento, às marés, às profundidades, a tudo. Temos ânforas dos romanos que aparecem no Mediterrâneo. Temos peças de cerâmica praticamente por todo o mundo. Eu vi umas peças interessantíssimas no museu nacional em Ayutthaya na Tailândia, Vi também as cerâmicas da China, lá em Xi’an, onde tem o tal exercito protetor do Qin Shi Huang, os guerreiros em terracota. E eles perduram. Estiveram enterrados séculos, séculos e séculos, e eles estão cá. Portanto a cerâmica é realmente uma manifestação do mais técnico que pode haver no Homem. É o domínio do fogo e da matéria na suas quatro vertentes. As pessoas pensam que nós os ceramistas, os oleiros são uns meros fazedores de tachos e panelas, e eu também os faço e faço-os com muito prazer, mas também faço outras peças que me dão imenso prazer independentemente de serem utilitárias, decorativas ou puramente artísticas.

É muito interessante porque a cerâmica faz parte deste mundo e vive para o mundo. Nós vemos que esse zoo humano, as cidades, são feitas de cerâmica. São os prédios, as casas de banho. Tudo. Seja em grés, em porcelana, em faiança, em terracota. As próprias mulheres querem ficar mais belas por causa da cerâmica, da argila, por causa do caulino que é utilizado desde os tempos mais remotos. As pinturas que faziam nas grutas de lascaux e de altamira eram também feitas com essa argila que além de ser usada para cuidarem da pele, era usada para essa ligação com aquilo que não conhecem. É muito interessante estabelecer esta analogia entre a terra, o ar, a água e o fogo. Através destas interpretações. São ciclos.

É interessante ver que a cerâmica só foi considerada uma arte maior no ocidente só depois de 1948 porque o Picasso apaixonou-se por uma filha de um oleiro e foi lá para a olaria do mestre, fez lá uns bonequinhos e depois o mestre meteu no forno e ele viu a metamorfose, viu a transformação da matéria. Aquilo apaixonou-o. Foi aí que a cerâmica teve um boom, com essa nova interpretação. Porque no oriente sempre foi considerada uma arte maior.

Infelizmente aqui o domínio técnico da cerâmica chegou muito tarde. Nós temos porcelanas das dinastias shing, tang,  zu, woo, ming, estamos a falar de mil, dois mil anos atrás onde os chineses ou os coreanos ou os japoneses já conseguiam cozer porcelana a 1300 graus, enquanto que os oleiros da europa, de Espanha, Itália, França ou Portugal atingiam apenas uns 800 graus. Dava só para cozer o barro. Isto só por uma mudança na construção do forno. Os fornos árabes e romanos têm a chaminé em cima e acabou, enquanto que os orientais a temperatura chega lá acima mas é fechado, a chaminé é de lado e obriga o calor a circular.

G. - Os teus tem a chaminé de lado?

L.P. - Estes aqui não, mas tenho um que tem, mas faz o calor circular, daí conseguirem atingir as tais temperaturas.

G.- Tu, aqui a falar acabaste por responder a uma coisa que te ia perguntar que é se o poema, a palavra, para ti, nascia da própria palavra ou da cerâmica? Para ti portanto a cerâmica veio depois de escreveres poesia, certo?

L.P. - Sim, eu já escrevo poesia há muitos anos. Eu só comecei a cerâmica aqui há 25 anos atrás, enquanto que escrevo há 35. E também desenho e pinto há muito tempo. É engraçado porque o meu primeiro prémio, foi em 76 ou 77, convidaram lá os miúdos lá do bairro, isto foi logo depois do 25 de Abril. Foi no 1º de Maio de 75 ou 76. É uma data que me diz muito porque é o meu dia de anos. [Risos] E antes do 25 de Abril nunca era feriado. Agora o meu dia de anos é sempre feriado. Então nessa altura pediram lá aos miúdos do bairro para fazerem uns desenhos, para retratarem o Guadiana ou outra coisa e eu fiz uma pintura muito interessante que era o Guadiana com as azenhas, os moinhos de rio. E ficou muito bonita, muito naïf também, mas muito bonita. E aí eu acabei por ganhar esse prémio que foi um livro do quebra nozes. Nunca mais me vou esquecer.
Mas o meu percurso sempre foi ligado ao traço, às cores e às palavras. A minha formação era de humanísticas. Acabei por nunca terminar mas gostava imenso de história e de antropologia. Sempre quis ser arqueólogo. Mas depois parei, Fiquei com o 11º e arranjei um trabalho. Deixei de estudar.

G. - Mas foste estudando de outras formas porque continuaste sempre a cultivar-te bastante.

L.P. - Procurei sempre a minha aprendizagem através da erudição da procura das pedras. Desde os meus 14 ou 15 anos andei com grupos de arqueólogos a apanhar pedras em sítios arqueológicos. Pedras do paleolítico, do neol terra, digamos assim. E depois houve neologia. E ela disse-me que o nome Pedras tante. a o Guadiana com as azenhas, os moinhos ítico. Eu gosto de fazer essa ligação que se calhar o meu próprio nome despertou. Pedras

G. - E de onde vem o teu nome, sabes?

L.P. - Eu estive com essa investigadora da genealogia. E ela disse-me que o nome Pedras é um nome muito antigo e que só há uma família, que vem de Espanha curiosamente. Piedras. Mas eu estive a fazer ligações com o nome e o próprio Petra, Petros. É um nome que está muito ligado à terra, digamos assim. E depois houve essa família Piedras que veio para Portugal e eu provavelmente sou um descendente dessas pedras, da calçada, ou lunares, quem sabe.

G. - O que é para ti Do arco da velha?

L.P. - Para mim é uma coisa ao mesmo tempo fantástica e uma quimera muito antiga. É uma fantasia muito antiga. Uma pessoa com saber, com experiencia do passado. É talvez aquela velha que deixou aquele arco por onde depois passam as pessoas. Em Elvas utiliza-se muito esse termo. É uma coisa antiga mas também com valor.

Esta entrevista surge na sequência da rubrica Autoridade Local da Revista Gerador, onde vamos à procura daquilo que de melhor se faz na cultura portuguesa. Mas quem somos nós para o dizer? Pedimos, por isso, ajuda àqueles que sabem mesmo da região onde vivem.

A rubrica da Autoridade Local  “As mãos do homem que sonha a terra com as mãos” está integrada na Revista Gerador de novembro. Pede a tua Revista Gerador de novembro aqui.

Entrevista por Cátia Terrinca, a nossa autoridade local no Alto Alentejo
Ilustração de Dedo Mau

Se queres ler mais entrevistas sobre a cultura em Portugal clica aqui.

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