Filipe Miguel das Dores nasceu em 1989, em Macau. É um artista plástico que muitas vezes pinta a cidade que a lente da sua máquina fotográfica imortaliza. É uma forma de recordar a cidade em que nasceu e que parece mudar a cada dia. Mas isso não chega. É preciso que os sítios onde aprendeu a decorar as fachadas com a memória contem uma pequena história. Que falem. Em conversa com o Gerador, Filipe recorda até memórias algo pesadas que levaram a parte da sua obra. É um artista de um pequeno canto, mas com dimensão internacional. Foi três vezes nomeado para a importante exposição da Royal Institute of Painters in Water Colours, em Londres. Em 2015, a obra Noite de Mário foi premiada com o John Purcell Paper Prize e exibida na Galleria Mall, também em Londres.
Gerador - No que é que a tua arte é influenciada pela tua origem?
Resposta - Nas minhas pinturas, principalmente sobre os edifícios de Macau, há muita influência do meu avô. Ele construía maquetas dos edifícios. Era o trabalho dele, fez de alguns edifícios muito importantes. Por exemplo, o meu avô fazia maquetas para os Correios ou o Clube Militar, que são edifícios antigos, emblemáticos e que fazem parte da História da cidade. E eu, em pequeno andava atrás do meu avô. Tinha quatro, cinco... nem sei, seis, talvez... Eu já gostava muito das maquetas dele. Os desenhos dos monumentos, a arquitectura. Eu já não me lembro de não gostar deste tipo de coisas. Para mim, é estranho. Os meus colegas, nessa altura, brincavam com Legos. Já eu, ia fazer maquetas e pintá-las. É a minha raiz: gostar de pintar edifícios e ruas aqui em Macau. O meu avô é claramente a minha primeira influência.
G. - Também és uma pessoa conhecida em Macau e tens reconhecimento internacional. Pergunto se te sentes deslocado numa terra tão pequena (é mesmo pequena) e com nome além-fronteiras já não sentes que és daqui...
R. - Bem... para mim, Macau é um sítio muito especial. Eu nasci aqui, eu aprendi a falar português aqui. E aprendi também a cultura chinesa. Eu vivo com duas culturas, como todos os macaenses. Para mim, não há sítio que se compare com Macau, sinceramente. Tem uma cultura tão especial... Os artistas têm diferentes estilos e formas de ver a mesma linha. Para mim, Macau tem muita coisa fascinante, mas também é pequeno, é verdade. Ainda tem de desenvolver muito na parte da arte e da cultura. Especialmente agora, que as questões políticas da China estão a influenciar muito Macau e, por isso, é melhor os artistas pensarem em algo fora daqui.
G. - Quando estás a pintar, há coisas que fazes sempre? Ou é conforme acontece?
R. - Na verdade, eu tenho um conceito e, quando pego em algo, aquilo tem de me dizer alguma coisa. Eu não faço uma pintura sobre Macau, por exemplo, só porque acho bonito o sítio que retrato. Vou dar um exemplo: um grande amigo que faleceu há alguns anos, na Ponte Nobre de Carvalho (uma das três pontes que ligam a península de Macau às ilhas da Taipa e Coloane, também parte do território), fez-me sentir algo por aquele sítio e tive vontade de pintá-la. Não escolhi a ponte porque era bonita. Foi porque havia um conceito forte. O mais importante é que o sítio tenha a sua língua, a sua própria língua. A sua história. O mais importante não é as pessoas verem, mas sim eu ter uma sensação forte com o sítio e sentir-me realizado a criar. É por isso que eu acho que a minha pintura tem uma força para falar e comunicar com as pessoas.
G. - Achas que uma pessoa que tem influência de cultura chinesa e portuguesa, neste caso, pode ser mais feliz e encontrar-se a fazer aquilo de que mais gosta?
R. - Sim, eu acredito que sim. Facilita. Eu consigo perceber chineses e ocidentais. Eu posso misturar duas coisas muito diferentes. Mas para ser honesto, eu sou mais influenciado pela parte chinesa da minha família e pela própria sociedade. O que eu espero é, numa oportunidade como a que tive de ir à Europa, por exemplo, aprender não só a língua. Gosto de aprender a lógica. Como pensam as pessoas. Eles lá têm uma influência filosófica interessantíssima. Eu gostei muito dessa parte.
G. - O que te faz feliz?
R. - A arte, na parte de pensar. O que me faz mais feliz é ter um conceito que me guia na pintura. Para ser sincero, eu nem gosto de dizer que sou um “pintor, pintor”. Não gosto de estar 24 horas sempre a pensar naquilo. Gosto muito de pensar o conceito da pintura.
Esta entrevista surge na sequência da rubrica Autoridade Local da Revista Gerador, onde vamos à procura daquilo que de melhor se faz na cultura portuguesa. Mas quem somos nós para o dizer? Pedimos, por isso, ajuda àqueles que sabem mesmo da região onde vivem.
A rubrica da Autoridade Local "Filipe Dores, O privilégio de ser macaense" está integrada na Revista Gerador de maio. Pede a tua Revista Gerador de maio aqui.