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Estagiar não deveria ser um privilégio 

Nas Gargantas Soltas de hoje, Mariana Souza traz-nos uma reflexão sobre o sentido do Natal.

Cada geração que tenta entrar no mercado de trabalho tem-se deparado com um mercado cada vez mais exigente. Apresentar um diploma universitário, cursos e certificados já não é suficiente. Atualmente, é necessário começar a pensar em construir um currículo impressionante antes de largar as fraldas. Temos de fazer voluntariado, participar na organização de eventos, em associações e, falar fluentemente o máximo de idiomas possíveis. Isto tudo para claro, conseguir um bom estágio porque sem experiência profissional no currículo não se vai muito longe. Não há nenhuma dúvida de que, em conjunto com a formação académica, a experiência profissional é o aspeto mais valorizado pelos recursos humanos.

Recentemente, tive o privilégio de visitar uma escola secundária para discutir as opções de carreira profissional com os alunos. Durante uma das sessões, os estudantes escolheram debater a empregabilidade. Fiquei surpreendida ao perceber que muitos deles já se sentiam ansiosos em relação à entrada no mercado de trabalho. A questão que gerou mais interesse foi a exigência de experiência profissional em quase todas as ofertas de emprego, incluindo para trabalhos de verão e part-time. A verdade é que, assim que os jovens demonstram interesse em ingressar no mercado de trabalho, deparam-se com um círculo vicioso: não conseguem emprego porque não possuem experiência, e não podem adquirir experiência porque não lhes é dada a oportunidade de conseguir seu primeiro emprego. A grande pergunta que foi colocada foi então: "Como podemos romper esse ciclo?". A resposta mais direta é através de estágios curriculares e profissionais. Contudo, é impossível não pensar no facto de que, em Portugal, a maioria das ofertas de estágios curriculares continuarem a ser não remuneradas. Isto acaba por tornar o acesso ao mercado de trabalho uma questão de privilégio económico e não de meritocracia.

Um estágio, sem dúvida, além de enriquecer consideravelmente um currículo, é uma experiência transformadora para os jovens, principalmente quando estão recém-saídos do ensino superior. Permite uma transição mais fluida entre a escola ou universidade e o mercado de trabalho. Recentemente terminei o meu estágio não remunerado onde pude pôr em prática conhecimentos adquiridos na universidade, assim como ganhar habilidades interpessoais e conhecimentos que jamais poderia adquirir através de livros ou na faculdade. A importância do estágio para o meu crescimento pessoal e profissional é indiscutível. Contudo, a falta de remuneração acabou por acrescentar um peso ao estágio. Acabei por além de ter de conciliar o estágio com a universidade, ter de acrescentar à lista de tarefas um part-time ao fim de semana. Não sendo este, de forma alguma, suficiente para ser financeiramente independente. Fazendo isto com que continuasse dependente do suporte financeiro dos meus pais, privilégio de que tenho conhecimento. Esta sobrecarga acabou não só por afetar o meu rendimento académico, mas também a minha saúde mental. Trabalhar sem remuneração requer apoio financeiro externo, e nem todos os jovens têm a sorte de contar com esse tipo de financiamento, especialmente nas grandes cidades, onde essas oportunidades estão mais concentradas, mas o custo de vida é também mais alto. Além disso, a maioria das instituições deixa claro que não têm a intenção de contratar o estagiário após o término do estágio. Ou seja, acabamos por colocar os jovens numa situação na qual estão obrigados a pagar para trabalhar, sem garantias de conseguir um emprego após o estágio. Esse sistema potencializa as desigualdades de oportunidades, tendo como base motivos socioeconómicos. É impossível falar em meritocracia quando a tentativa de acesso ao mercado de trabalho, ainda é, na maioria das vezes, influenciada pelo privilégio económico. O European Youth Forum realizou um estudo em que avaliou o custo real de fazer um estágio não remunerado. Foi concluído que o custo vai além do “trabalho gratuito” e pode ultrapassar 1000 euros por mês. Se não pagamos aos jovens para trabalhar, alguém precisa arcar com suas despesas, incluindo transporte, alimentação e, em muitos casos, casa.

Não é viável continuar à espera que os jovens tenham a capacidade de pagar para trabalhar enquanto esperamos que se tornem independentes e saiam de casa dos pais antes dos 30. Precisamos interromper essa forma de exploração, proteger os jovens e fornecer-lhes uma visão de futuro digna. Todos devíamos ter o direito de poder realizar um estágio e mesmo assim não pode ser visto como privilégio. É crucial que as políticas de estágios sejam revistas, tornando-os mais acessíveis e inclusivos. Devemos priorizar a remuneração dos estagiários e criar oportunidades de desenvolvimento profissional para todos, independentemente de sua situação financeira. Esta é a única forma de construir um mercado de trabalho mais justo e igualitário, onde o mérito prevaleça sobre o privilégio económico. Nunca é tarde demais para romper com um círculo vicioso e garantir que todos os jovens tenham as suas oportunidades potencializadas.

-Sobre a Mariana Souza-

Apesar da sua localização nunca ser exata, cresceu em Constância, uma vila pequena, mas encantadora no Ribatejo. Sempre foi “uma rapariga das causas” o que fez com que o voluntariado e as causas humanitárias fizessem parte da sua personalidade desde a adolescência. 
Licenciou-se em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa e, durante toda a licenciatura e mesmo agora, no ano seguinte à mesma, esteve sempre envolvida em projetos de voluntariado internacional e nacional. 
É uma das co-fundadoras da Youth Cluster e tem como objetivo tornar não só o voluntariado internacional como diversas oportunidades como estágios remunerados e formações acessíveis a todas as pessoas.

Texto de Mariana Souza
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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