O jornalismo, enquanto profissão que assenta num conjunto de regras globalmente aceites, é extraordinariamente jovem. O ensino do jornalismo só encontrou espaço estruturado nas universidades em 1912, no Estados Unidos, muito pelo impulso de um empresário que precisava de encontrar mais trabalhadores para os seus projetos: Joseph Pulitzer.
Universidades norte-americanas e, depois, europeias, começaram a integrar cursos de jornalismo nas suas ofertas, sendo razoável afirmar que, por volta dos anos 50, seria simples encontrar formação em jornalismo no ensino superior dos países ocidentais.
Naturalmente, devido à ditadura, Portugal não acompanhou esta velocidade e foi o último país na Europa a criar escolas de jornalismo, com a primeira a surgir em 1979, há apenas 42 anos.
Apesar de contagiado pelas idiossincrasias e culturas de cada nação, o ensino do jornalismo independente foi assumindo princípios semelhantes por todo o globo, nomeadamente, a afirmação da verdade, a objectividade, a imparcialidade, o equilíbrio justo, a responsabilidade pública, a fiscalização do estado, entre outros.
A verificação de factos, suportados em provas ou evidências, foi, e é, uma dessas convenções iniciais do ensino do jornalismo. Todas as notícias devem ser verificadas para garantir que apenas os factos são publicados.
A lógica de mercado, no entanto, veio abalar um pouco estas fundações que se julgavam inquestionáveis. A proliferação de órgãos de comunicação social, muitos deles comercialmente famintos, o surgimento de entidades que produzem conteúdo aparentemente noticioso, sem serem órgãos de comunicação, e a urgência das redes sociais, empurrou a verificação de factos para segundo plano.
É fácil perceber que, nos dias que correm, o tempo escasseia e torna-se inimigo do jornalismo completo. A ausência da verificação das fontes e factos começa, paulatinamente, a ser aceite por quem produz e quem consome informação, tais são as imposições dos prazos na nossa sociedade.
É exatamente pela existência de um vazio na verificação dos factos que surge o fact checking enquanto dimensão isolada. É curioso constatar que a quase anulação de uma das funções essenciais do jornalismo leva à criação de uma nova variante na especialização noticiosa. Talvez seja mais do que curioso.
Como já deu para suspeitar, não sou grande adepto desta corrente autónoma de jornalismo. Quando se anuncia que um determinado conjunto de temas são sujeitos ao processo de fact checking, parece que se isenta todos os outros dessa necessidade. E, de certa forma, cria-se esse caminho até no interior das redações.
Incomoda-me, também, a forma de seleção dos conteúdos verificáveis na técnica de fact checking. Como se decide o que deve, ou não, ser verificado? Como garantir uma avaliação equilibrada e objectiva do que se verifica?
Mas, a dimensão que mais me transtorna, é a aproximação do fact checking ao mundo do espectáculo. Boa parte dos programas de fact checking que conheço usam convenções de entretenimento, que provocam as audiências e estimulam visualizações adicionais. Têm uma imagem sofisticada, normalmente com o logótipo e marca própria, percorrem uma narrativa digna de um filme de suspense, alimentando a tensão da dúvida até à revelação final, e recorrem a gráficos, efeitos especiais ou técnicas de apresentação elaboradas.
Julgo que faríamos bem melhor em voltar a absorver o fact checking no percurso diário do trabalho das redações ou, não se surpreendam, podemos vir a assistir a outras autonomizações das funções do jornalismo num futuro breve.
*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico
-Sobre Tiago Sigorelho-
Tiago Sigorelho é um inventor de ideias. Formado em comunicação empresarial, esteve muito ligado à gestão de marcas, tanto na Vodafone, onde começou a trabalhar aos 22 anos, como na PT, onde chegou a Diretor de Estratégia de Marca, com responsabilidades nas marcas nacionais e internacionais e nos estudos de mercado do grupo. Despediu-se em 2013 para criar o Gerador.
É fundador do Gerador e presidente da direção desde a sua criação. Nos últimos anos tem dedicado uma parte importante do seu tempo ao estreitamento das ligações entre cultura e educação, bem como ao desenvolvimento de sistemas de recolha de informação sistemática sobre cultura que permitam apoiar os artistas, agentes culturais e decisores políticos e empresariais.