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Festival da Montanha: um convite a conhecer, celebrar e proteger as montanhas e águas de Portugal

Este fim de semana, 10 e 11 de dezembro, a Serra da Argemela e as aldeias de Barco e Silvares, junto ao Rio Zêzere, acolhem a primeira edição do Festival da Montanha. Perante a ameaça de uma mina de lítio a céu aberto, habitantes e visitantes juntam-se no Dia Internacional da Montanha, para celebrar a natureza e proteger o equilíbrio que aqui mora.

Texto de Redação

Fotografia da cortesia do Festival da Montanha

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A aldeia de Barco fica a quinze quilómetros do Fundão. O nome, deve-o à antiga barca em madeira que aqui, desde tempos imemoriais, fazia a travessia do Rio Zêzere. Com o costado a ameaçar desaparecer no espelho das águas, permitia a ida da população cultivar os terrenos férteis para lá do rio, e o encontro entre vizinhos das duas margens.

Este fim de semana, a aldeia volta a ser local de encontro, entre pessoas da cidade e do campo, entre músicos e agricultores, crianças e idosos. “O dia Internacional da Montanha, 11 de dezembro, vem reconhecer a importância das montanhas e da sua proteção para a vida na Terra. Este ano, celebramo-lo com a primeira edição do Festival da Montanha, honrando e valorizando as montanhas de Portugal”. O convite parte de Patrícia Herdeiro, a mais recente habitante da freguesia. “O festival vem como um chamado para nos unirmos pela proteção da água, para nos ligarmos à Serra da Argemela e ao Rio Zêzere e sermos a sua voz. Conhecer esta zona de tamanha beleza, as gentes e a cultura que é tão rica”. 

Como o Rio Zêzere brota do Cântaro Magro na Serra da Estrela, o novo festival brotou de uma conversa entre Patrícia e os membros do Grupo pela Preservação da Serra da Argemela (GPSA). “Neste momento a Argemela está em perigo”, conta Alfredo Mendes, natural do Barco e vice-presidente do GPSA. “Com este evento pretendemos celebrar a montanha e preservar o seu estado de equilíbrio, convidar as pessoas a juntar-se ao debate, a ter uma noção daquilo que existe e que poderá deixar de existir."

Mais de trezentas pessoas juntaram-se para caminhar 10 km entre Barco e o Castro da Argemela, em março de 2017, após o anúncio do projeto para a mina de lítio. ©Nádia Brito, Movimento Serra da Argemela é Nossa

“Se o projeto de mineração avançar, o rio, o ar e os cultivos serão contaminados. A ameaça à saúde e à qualidade de vida é iminente. Queremos permitir às pessoas conectar-se com a serra - trazer uma maior consciência do impacto que a exploração pode trazer.” É o Zêzere que contorna a Argemela e nutre os seus cultivos, e é ele que alimenta a barragem de Castelo de Bode e sacia a sede da cidade de Lisboa.

Patrícia revela o entusiasmo pelas atividades programadas. “Vai haver caminhadas, mercado de produtos regionais e em segunda mão, palestras e rodas de conversas, atividades para crianças, danças em roda, espaços de cocriação musical, com jam sessions e microfone aberto.”

O evento tem o apoio da Junta de Freguesia de Silvares e da União de Freguesias de Barco e Coutada, a entrada segue o príncipio da contribuição consciente (“cada um paga aquilo que pode e sente”) e a inscrição para as atividades pode ser feita online.

A peça de teatro “A Guardiã de Sementes” convidará adultos e crianças a colocar sementes na terra. As conversas dinamizadas pelo GPSA abordarão a exploração mineira e os seus impactos no ecossistema e na saúde das pessoas. 

No sábado, dia 10, o passeio “A água que nos une” levará as participantes pela Ribeira da Caia, recolhendo lixo e identificando plantas medicinais. No lugar onde esta encontra o Rio Zêzere, acontecerá uma partilha de histórias e memórias ligadas à água. O passeio de domingo, dia 11, levará as pessoas desde o rio até ao topo da Serra da Argemela, onde “teremos um momento coletivo de canto e oração pela proteção da serra.”

@Joaquim Antunes, Movimento Serra da Argemela é Nossa

Conhecida por monte branco, por causa dos seus minerais, com vestígios dum castro da Idade do Bronze, esta serra foi outrora palco da resistência das tribos celtiberas aos invasores romanos e lugar de rituais sagrados. No extremo poente da Cordilheira Central, que separa as imensas bacias do Douro e do Tejo ao longo da Peninsula Ibérica, a Argemela é um promontório sobre o vasto e fértil planalto da Cova da Beira, rodeada das Serras da Gardunha, da Estrela e do Açor. “Um equilíbrio paradisíaco entre o rio e a montanha”, descreve Alfredo. 

“A Argemela é nossa. Poder ao povo”, lê-se numa faixa negra à entrada de Barco. 

Perante a ameaça para o ecossistema local, os últimos cinco anos foram repletos de vida e movimento. Desde 2017, o GPSA promove protestos, vigílias, caminhadas, bailes e petições.

Ainda assim, o governo avançou para um contrato com a empresa PANNN, do grupo Almina, proprietário das Minas de Aljustrel. Um dos 14 contratos de projetos de mineração bizarramente assinados a 28 de outubro de 2021, um dia após o chumbo do orçamento de estado.

“A Guerra do Lítio”, Cortesia de Centro de Interpretação da Argemela

O objetivo é fornecer o lítio necessário às baterias elétricas que permitam salvar a indústria automóvel e perseguir um crescimento económico infinito num planeta finito, no âmbito do Green New Deal da União Europeia. “1/4 do território português está sob risco de prospeção e exploração mineira, colocando em risco as nossas florestas, águas e a saúde da população”, lembra Patrícia.

“Fomos habituados a aceitar o que nos impõem, sem discutir os prós e contras. Nunca as pessoas foram envolvidas num debate sério e profundo sobre as causas e consequências desta decisão, o que é péssimo para a comunidade”, denuncia Alfredo Mendes. Quando se fala de minas, a população da Argemela sabe do que se fala. Os pais e avós das atuais habitantes passaram as décadas de 40 e 50 a extrair volfrâmio e estanho para saciar a indústria bélica dos dois lados da Segunda Guerra Mundial. “Morreu muita gente, com aquilo que aqui popularmente se chamava ‘mal da mina’”, conta Alfredo. 

O projeto atual prevê nos próximos vinte anos desfazer minuciosamente o mistério mineral que as forças geológicas moldaram durante milhões de anos. Numa exploração com mais de 400 hectares, extrair com recurso a explosivos até 15 milhões de toneladas de lítio, gerando 20 milhões de metros cúbicos de resíduos, a menos de um quilómetro da aldeia de Barco. 

“Quanto vale a vida de uma pessoa? Estes projetos têm valor económico suficiente para sacrificar a vida das pessoas? Basta bom senso. Uma vida não é vendável. O grande drama dos decisores é que estão longe. Dizer que “não faz mal" não é sentido, porque se está longe dos problemas. Era importante que se aproximassem. Quando se está dentro dos problemas pensa-se muito melhor, com mais consciência”, afirma Alfredo. “Este festival vai servir para isso”.

©Movimento Serra da Argemela é Nossa

“Muitas vezes compramos coisas sem pensar de onde vêm, como são produzidas. Não estimamos, deitamos fora facilmente. É importante como sociedade pensarmos mais sobre o impacto que têm e como podemos viver de forma mais simples. Sobre quais são as nossas necessidades. Sobre se podemos trocar e comprar mais em segunda mão, e partilhar mais aquilo que temos”, observa Patrícia. “E refletir sobre o que podemos fazer individual e coletivamente: tanto para mudar os nossos hábitos como para criar ações que possam parar estes projetos mineiros. Se queremos uma sociedade diferente, como podemos trabalhar em conjunto para isso?”

“Mulher de sete saias” como se descreve, Patrícia Herdeiro tem-se dedicado às artes, à educação e ao desenvolvimento pessoal. Este verão, ao saber dos projetos de exploração de lítio por todo o país, surgiu a vontade de viver perto dum deles. 

“Queria viver num lugar junto de água, onde pudesse nadar e beber água pura. E onde sentisse a cultura portuguesa mais viva. Fico muito feliz porque é uma zona que tem uma tradição muito viva, de adufeiras, de bombos, de música tradicional portuguesa. Motiva-me a ficar e a aprender”, diz a jovem guardiã das águas.

“Sair a caminhar e ver corços, lontras, raposas, javalis, ter libelinhas a voar e peixinhos que me comem a pele quando vou à ribeira… Estou apaixonada pela natureza aqui. Faz-me querer estar aqui e proteger este lugar.”  

A Cova da Beira é historicamente conhecida pela sua fertilidade, a riqueza de solos e a abundância de água - que nutre a abundância de milho, feijão, centeio, azeite, cereja, vinho, mel, pêssego.

“Um amigo disse-me que o Vale do Zêzere é talvez o último paraíso da Europa…”, conta Alfredo. E deixa o convite: “Venham visitar um dos lugares mais bonitos que pode haver.”

Texto de Francisco Colaço Pedro

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