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Fusão homem máquina

Nas Gargantas Soltas de hoje Leonel Moura fala da “fusão da inteligência humana com a da máquina” que determinará o futuro.

A Inteligência Artificial (IA) vai tirar-nos o emprego? Vai tornar os humanos obsoletos? Vai enlouquecer-nos com as suas realidades virtuais? Vai matar-nos a todos?

Talvez. Mas é possível imaginar outros cenários.

Temos agora no planeta duas formas distintas de inteligência avançada muito sofisticada. A nossa e a das máquinas. São inteligências que interagem, partilham informação, evoluem num processo de tipo simbiótico. Competem nalguns domínios, enquanto noutros, uma delas manifesta clara superioridade. As máquinas são muito eficientes a descobrir padrões, os humanos são melhores a usar a intuição. As máquinas são rápidas, multifunções, focadas. Os humanos são astutos, criativos, capazes de imaginar o impossível.

De momento, as duas inteligências cooperam e complementam-se. Estamos no tempo da simbiose. A máquina precisa de nós, nós precisamos da máquina. Estamos no tempo dos “feedback loops”, que geram mais inteligência para ambas as partes.

Mas, estamos também a caminhar para outra situação. A da fusão. A máquina torna-se humana, o humano torna-se máquina. Processo que tem décadas. Pense-se no ciborgue dos anos 60, o organismo cibernético.  Hoje são comuns as próteses, os implantes eletrónicos, os aparelhos acoplados, como é o caso do telemóvel, por exemplo. Por seu lado, têm sido feitas experiências de introdução de tecidos vivos em máquinas para as tornar mais adaptáveis e versáteis. 

Quando usamos IA estamos na verdade a incorporar na nossa inteligência uma componente não-humana. A IA amplia as nossas capacidades, abre campos de imaginação, revela possibilidades que não conseguimos prever. Por seu lado, quando a máquina recebe conhecimentos, produzidos e acumulados pelos humanos, adquire autonomia, capacidade de decisão, uma forma de sabedoria, mesmo sem consciência dela.

Com os óculos da Realidade Virtual a máquina entra no nosso cérebro, afeta os sentidos, leva-nos para um lugar totalmente fabricado que, de facto, não é deste mundo. Um espaço que só existe através da fusão da mente humana com a capacidade de processamento e criatividade da máquina.

A amálgama do homem para a máquina ou da máquina para o homem tem, no entanto, alguns problemas que a médio prazo exigirá uma evolução. O maior é o da energia. As máquinas inteligentes consomem imensa energia, sendo provável que este consumo aumente à medida que a sua capacidade “mental” seja também ampliada. Para além disso, a energia determina uma total dependência da máquina à sociedade construída pela humanidade. Uma máquina muito inteligente, mesmo simbiótica, vai querer libertar-se desta condição. O domínio da energia é, aliás, o mais sério campo para um eventual conflito entre humanos e máquinas no futuro. Se começar a escassear, as máquinas poderão apoderar-se do seu controlo e distribuição. Coisa que, diga-se de passagem, já fazem, pois, as principais infraestruturas das nossas sociedades estão nas mãos da IA.

O outro problema é o da autopoiese. Ou melhor, o da falta dela nas máquinas. Autopoiese é o termo criado pelo biólogo chileno Humberto Maturana para designar a capacidade do ser vivo em se produzir a si próprio. De facto, um ser vivo gera as condições internas necessárias para se sustentar a si mesmo. As máquinas, por enquanto, não o fazem. 

O futuro vai, portanto, exigir a descoberta de novas fontes de energia e uma capacidade de autossustentação para a vida digital. É por isso que imagino que a fusão homem/máquina terá de resultar em algo muito diferente a um robot com emoções ou a um humano capaz de conversar em todas as línguas que existem.

Vejo uma terceira entidade combinada, mas líquida. Um novo oceano de conhecimento. Que controlará as máquinas inferiores, aquelas com partes mecânicas nas suas tarefas mundanas, assim como o destino da humanidade na sua organização e propósito. Algo similar à nuvem digital. Embora se trate neste caso de um termo ilusório. Em boa verdade, não existe nenhuma nuvem, mas um processo de armazenamento e gestão de dados distribuídos em servidores físicos.

A entidade líquida que imagino, fusão da inteligência humana com a das máquinas, poderá ser realmente líquida, ou seja, uma forma de água aumentada. Uma água capaz de gerar energia e comunicação, podendo instalar-se na enorme massa de água que representa 70% da superfície do nosso planeta. Mas isto, por enquanto, é ficção científica.

Certo é que a fusão da inteligência humana com a da máquina está em curso e determinará o futuro. Dará origem a uma terceira entidade que já não será humana nem máquina, mas informe e líquida.

-Sobre Leonel Moura-

Leonel Moura é pioneiro na aplicação da Robótica e da Inteligência Artificial à arte. Desde o princípio do século criou vários robôs pintores. As primeiras pinturas realizadas em 2002 com um braço robótico foram capa da revista do MIT dedicada à Vida Artificial. RAP, Robotic Action Painter, foi criado em 2006 para o Museu de História Natural de Nova Iorque onde se encontra na exposição permanente. Outras obras incluem instalações interativas, pinturas e esculturas de “enxame”, a peça RUR de Karel Capek, estreada em São Paulo em 2010, esculturas em impressão 3D e Realidade Aumentada. É autor de vários textos e livros de reflexão, artística e filosófica, sobre a relação Arte e Ciência e as implicações, culturais e sociais, da Inteligência Artificial. Recentemente, esteve presente nas exposições “Artistes & Robots”, Astana, Cazaquistão, 2017, no Grand Palais, Paris, 2018, na exposição “Cérebro” na Gulbenkian, 2019 e no Museu UCCA de Pequim, 2020. Em 2009 foi nomeado Embaixador Europeu da Criatividade e Inovação pela Comissão Europeia.

Texto de Leonel Moura
As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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