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Gabi Abreu: “Nós, mulheres, não estamos nos lugares”

como é ser a única mulherno meio do covil? eu sei como ée quando griteininguém…

Texto de Patrícia Nogueira

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como é ser
a única mulher
no meio do covil?

eu sei como é
e quando gritei
ninguém me ouviu.

eles te olham
te julgam
te limitam
a isso ou aquilo
te ironizam
te ignoram.

belos lobos
que uivam
sem saber
sua história.

eu me firmo
me afirmo
me projeto
nisso e naquilo
me empodero
me liberto.

bela mulher
fruto do sagrado
vive porque sabe
sua história.

eu questiono
eu incomodo
não arredo o pé
eles não entendem
como tanta força
cabe numa só mulher.

A única no meio do covilGabi Abreu

Ser poeta ou ser poetisa? Gabriela Abreu, conhecida por Gabi, é poeta e a criadora do Sarau Delas, um sarau no feminino, em que as mulheres são o centro, mas os homens também podem assistir e participar. Afinal, a poesia é para todos.

Gabi Abreu, em entrevista ao Gerador, descreve-se, como uma “mulher brasileira emigrante”. As palavras escolhidas são espelho da mulher-poeta que tem enaltecido o papel do feminino na arte da poesia. Nascida em Jacareí, no interior de São Paulo, Brasil, Gabi faz ainda questão de se definir como filha e irmã, não fosse a sua família a sua ‘fortaleza’ e fonte de inspiração para a sua poesia. É formada em Jornalismo e, em 2019, decidiu mudar-se para Lisboa para estudar, não imaginando que a cidade a ia abraçar de tal forma que a iria levar a um mestrado em Cultura e Comunicação, e a fazer de Lisboa a sua segunda casa. O seu percurso vai do jornalismo, copywriting, guionismo, produção de projetos e curadoria a tudo aquilo onde possa colocar a sua criatividade. Após se ter apercebido, várias vezes, do papel da mulher artista na sociedade, transformou a sua raiva em mudança e criou o Sarau Delas um evento com o objetivo de “colocar a mulher como protagonista e ocupar um lugar que sempre nos foi negado: o palco!”, uma noite dedicada a ouvir mulheres, sejam poetas, músicas, artistas. O Sarau Delas tem palco habitual no espaço Tropismo, em Lisboa, e é um espaço para “todas, todos, todes”, aqueles que gostem de poesia e de música, num ambiente de “amor, arte e partilha”.

De voz doce e alma nas palavras, Gabi Abreu costuma participar em vários eventos, tem um poema seu numa músicas das artistas ANAVITÓRIA e lançou dois livros, o Meu caderno azul, em formato e-book, e o seu mais recente livro em formato físico, Uma Noite no Meio – Poemas que fiz de ontem para hoje.  Ao Gerador contou como começou o seu percurso na poesia e o que podemos esperar do livro Uma Noite no Meio. Gabi explicou ainda o porquê de ter começado o Sarau, falou do papel da mulher na poesia, e na sociedade e relembrou as mulheres que tiveram de utilizar um nome masculino para poderem ser poetas.

Gerador (G.) – Lembras-te do primeiro poema que escreveste?

Gabi Abreu (G.A.) –  Não me lembro do primeiro, mas a minha mãe conta-me que quando eu aprendi a ler e consegui juntar uma palavra, coloquei a mão no peito e disse “nossa, que emoção!”, tinha seis anos. Sempre tive uma relação com as palavras muito próxima, a minha mãe é professora e o meu pai sempre teve muitos livros. Começar a escrever e a partilhar, foi com catorze anos. Criei um blog, mas tudo muito amador, sem preocupação. Mas lembro-me de que a coisa se estreitou com a poesia quando acabei o ensino médio no Brasil e fui três meses para a Nova Zelândia. Eu não falava inglês e passei por alguns imprevistos, então lembro-me de que todos os dias escrevia muito, era a minha companhia. Comecei a perceber que a maioria dos textos saía como poesia.

(G.) – És Poeta ou Poetisa?

(G.A.) – Eu gosto de poeta. Há um texto da Cecília Meireles, que ela publicou há muito tempo, em que ela fala sobre isso e eu concordo. Acho que poetisa é um símbolo de inferioridade. Outra poeta dizia também – “Se eles querem tanto essa distinção, eles que virem poetos”.

(G.) – Alguma vez sentiste uma responsabilidade, ou peso, em chamarem-te poeta?

(G.A.) – Eu demorei para me coroar de poeta. Antes apresentava-me com tudo, era a irmã, filha, jornalista, estagiária, repórter, tudo antes de poeta. Eu sentia a responsabilidade, mas não como um fardo. Mas, hoje em dia, já não é assim. Mudar para Lisboa foi um marco na minha vida, porque no Brasil eu não fazia estes movimentos poéticos.

(G.) – Tens um poema que diz “saudade é bomba atirada de baixo para cima da linha do equador”, calculo que fales do teu país natal. A poesia é uma forma de apaziguar a saudade?

(G.A.) – Muito! A poesia aproxima-me, eu consigo colocar a minha música aqui, e a minha mãe e irmã no outro lado do mundo e sentimos a mesma coisa, no mesmo tempo, só não no mesmo espaço. Alimento-me muito da poesia e da música, que também está muito presente na minha formação. Faço tudo a ouvir música, tanto que a minha poesia é mais para ser dita, é melódica. Mas sobre o poema, a bomba eles ‘jogam’ lá e ela explode direta no meu colo.

(G.) – Encontras alguma diferença entre a poesia brasileira e a poesia portuguesa?

(G.A.) – Existe diferença, principalmente no processo criativo. Não consigo identificar um padrão, mas acho que no Brasil a poesia é mais de resistência, como a da Natacha Feliz, por exemplo, porque estamos mal há muito tempo. No Brasil trabalhamos com algo mais aguerrido e aqui a melancolia está mais presente, a saudade, porque daqui partiram muitos também.

(G.) – Tens algum poeta português como referência?

(G.A.) – Gosto muito de Fernando Pessoa. Camões, li na escola, porque o Renato Russo musicou um poema dele e, como gosto de música, senti-me mais próxima. Gosto de Florbela, Adília Lopes, Matilde Campilho. Tenho uma história engraçada de quando cheguei a Lisboa. Fui a uma festa no Cais do Sodré, um samba a céu aberto, e quando estava perto do palco comecei a sentir o cabelo todo molhado, virei-me logo muito brava, quando a Matilde Campilho me pede desculpa. Mudei logo o meu humor e disse-lhe disse-lhe — “Está tudo bem, estou abençoada!”

(G.) – Lisboa é uma das tuas casas e falas dela no poema que entrou na música com ANAVITÓRIA. O que te inspira em Lisboa?

(G.A.) – Gosto de tudo! Do céu que parece perto, então sinto que o posso agarrar. As cores, o ritmo de vida, a comida, de beber vinho bom e barato, de andar e ouvir as músicas a tocar nas casas, gosto de ouvir os vizinhos a conversar e de estar na praia rápido.

(G.) – Estudaste Cultura e Comunicação, em Lisboa, e trabalhas como curadora, o que achas que ainda falta fazer em Portugal sobre eventos literários?

(G.A.) – Se eu tivesse essa resposta, fazia e ficava rica! Acho que em Portugal existem eventos bons, vejo diversidade, mas não consigo ver o que falta. Aliás, eu sentia falta de um evento literário mais parecido com um rolê, porque não me considero uma artista erudita, sou mais da rua, de estar com os meus amigos a beber uma cerveja e a conversar, então criei o Sarau Delas. O primeiro momento no Sarau é uma contemplação de palavras e depois tem música, para nos libertarmos. Achava que isso faltava, então criei. De resto, temos bons eventos, bons poetas e boas iniciativas.

(G.) – Porque decidiste criar um Sarau no feminino?

(G.A.) – Porque me irrita muito. Nós, mulheres, não estamos nos lugares. A primeira vez que falei poesia, tinha 24 anos e foi em São Paulo, no Sarau das Mina Tudo. Eram cem mulheres numa casinha, não dava para andar, tudo sentado no chão, estava tão nervosa. Mas esse Sarau despertou em mim a vontade de reunir mulheres pela palavra. Em Portugal, vi um festival online de uma produtora portuguesa, uma coisa em grande, com artistas portugueses e brasileiros, vinha Gilberto Gil, por exemplo, e reparei que só tinha duas mulheres, uma delas era moderadora e a outra tinha sido convidada para falar. Fiquei com tanta raiva que pensei que tinha duas opções, ou continuar a ser consumida pela raiva, ou fazer algo com ela. Foi aí que encontrei a dona do Tropismo, onde faço o Sarau e o primeiro evento esgotou logo, aliás, tem estado lotado em quase todas as sessões. Inicialmente era só para mulheres e os homens podiam assistir, porque é fundamental eles assistirem, mas o Sarau, foi feito para mulheres participarem essencialmente, para lhes dar visibilidade. Entretanto os homens também já podem participar.

(G.) – Achas que ao longo da história a mulher, enquanto poeta, foi vista de forma diferente do homem?

(G.A.) – Aos olhos da sociedade tivemos um papel completamente distorcido, fomos sempre muito invisíveis. Muitas autoras tiveram de usar nomes masculinos para conseguirem publicar as suas coisas. Acho que existe um olhar diferente para a mulher que se diz artista e poeta, mas é um estigma que estamos a quebrar. Costumo dizer que, quando for velhinha, quero contar aos meus netos que fazia um sarau de mulheres, e que eles tenham dificuldade em entender o porquê de fazer isso. É utópico, mas é a utopia que me movimenta. Sempre nos quiseram colocar numa função, de lida da casa e de mãe apenas, mas muitas mulheres romperam e pagaram preços altos por isso. Mas acredito que estamos com uma voz ativa cada vez mais forte.

Fotografia de Pedro Girão

(G.) – Que viagem nos espera quando abrirmos o teu livro Uma noite no meio?

(G.A.) – Espera-vos uma viagem para dentro da minha cabeça que é caótica, mas também bonita.

(G.) – Quem são as figuras que te inspiram?

(G.A.) – A minha mãe, o meu pai e as minhas três irmãs são a minha inspiração diária. No lado artístico, a minha grande deusa é a Maria Bethânia, também a Clarice Lispector. Dentro da música é o Chico Buarque. A primeira vez que chorei a ouvir uma música, tinha oito anos, e foi com uma música dele.

(G.) – O que podemos esperar nos próximos tempos?

(G.A.) – Estou focada no Sarau Delas. Quero fazê-lo em todo os lugares, conhecer as poetas regionais e levá-lo a todos os países de língua portuguesa. Quando o Brasil se livrar do Bolsonaro, quero levar o Sarau Delas para lá também e colocar as mulheres em cima do palco. A pandemia não foi amiga da minha criatividade, por isso não escrevi tanto, mas acho que agora o que podem esperar é esse caminhar com as palavras.

Texto de Patrícia Nogueira
Fotografia de Rita Paiva

Se queres ler mais entrevistas sobre a cultura em Portugal clica aqui.

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