Parecendo que não, já estamos a dois meses das eleições europeias e, ainda que possa parecer cedo para prognósticos, a verdade é que os partidos já estão a começar a campanha.
Sabemos que a baixa abstenção que se verificou no dia 10 é algo inédito, mas é pouco improvável que se repita (pelo menos nos mesmos números) em junho. É com isto em mente que vos venho falar da abstenção dos enteados, bastardos e negligenciados da República – aqueles que residem em bairros sociais.
Durante as campanhas, é comum ver nos telejornais, quase diariamente, políticos rodeados dos seus apoiantes em bairros sociais, onde interagem com a população, tiram fotografias, respondem a algumas questões e, depois, seguem caminho. Não critico essas ações, antes pelo contrário. No entanto, causa-me algum desconforto o facto de ocorrerem, salvo raras exceções, apenas quando é conveniente aos partidos angariar votos.
Não é coerente lamentar a elevada taxa de abstenção quando, na realidade, muitos dos que nos representam não fazem o trabalho necessário de auscultar os eleitores com a periodicidade exigida. Não excluo a possibilidade de existirem bairros sociais onde os habitantes se sentem verdadeiramente ouvidos pela classe política. No entanto, como alguém nascido e criado num desses bairros, em Lisboa, nunca testemunhei uma campanha política sequer naquele local. Não posso acreditar que, neste momento, seja dada a devida atenção a esta camada da população. É triste que os que mais precisam de apoio se sintam menos ouvidos.
É crucial reconhecer que a participação política nas comunidades mais desfavorecidas não pode ser apenas uma tática esporádica de campanha, mas sim uma prática constante e autêntica. Frequentemente, estes bairros são negligenciados pelas autoridades e pela classe política, alimentando, dessa maneira, um ciclo incessante de marginalização e falta de representação. Para reverter esse cenário, seria imperativo implementar medidas concretas, como programas de educação cívica e envolvimento cívico desde tenra idade, projetos de revitalização urbana que promovam espaços de convívio e participação comunitária, bem como a criação de conselhos consultivos locais compostos por representantes da comunidade e políticos, com poderes efetivos na tomada de decisões relacionadas aos seus bairros.
É de suma importância que os políticos estabeleçam canais de comunicação contínuos e eficazes para compreender as necessidades e preocupações dos residentes dos bairros sociais. Isso requer, naturalmente, um compromisso genuíno com a inclusão e a justiça social, indo além das meras promessas de campanha.
Ao reconhecer e abordar as disparidades na participação política, podemos avançar na construção de uma sociedade mais equitativa e democrática, onde cada cidadão tem a oportunidade de contribuir para a tomada de decisões que afetam as suas vidas. As eleições europeias, nesse contexto, representam não apenas uma oportunidade de escolher quem nos vai representar em Bruxelas, mas também um momento de reforçar os princípios fundamentais da democracia e da igualdade de direitos para todos os cidadãos da União Europeia.
- Sobre o Rodrigo Cardoso -
Rodrigo Miguel Cardoso é estudante de Ciência Política e Relações Internacionais, bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e alumnus do Departamento de Estado Norte Americano. Em 2022, foi Deputado e Porta-voz pelo Distrito de Lisboa ao Parlamento dos Jovens. Defensor da justiça social e dos Direitos Humanos, tem vindo a representar Portugal em diversas iniciativas internacionais associadas a essas causas e faz atualmente parte da rede de jovens da Amnistia Internacional Portugal e da Children and Youth Constituency of the United Nations Framework Convention on Climate Change (YOUNGO).