Em 2012, a cidade de Braga via nascer uma nova one-man band pela mão de Tiago Sampaio. Mais tarde, Rita Sampaio junta-se ao irmão para assumir o microfone e, por fim, Nuno Gonçalves fecha o trio. Apesar das mutações ao longo do tempo, o grupo foi crescendo por “acréscimo” e por uma necessidade de “chegar a novas sonoridades”. Atualmente, os GrandFather’s House somam já vários concertos pelo país e pela Europa.
Com uma carreira de oito anos, GrandFather’s House vão apresentar, este sábado, dia 29 de fevereiro, um revisitar da discografia da banda. O trio vai subir ao palco do Theatro Circo, na sua cidade natal, na presença de vários convidados que têm acompanhado o trabalho do grupo: Catarina Miranda, Cláudia Guerreiro, Paulo Furtado, Pedro Oliveira e Selma Uamusse.
Gerador (G.) – A banda Grandfather’s House surgiu em 2012, em Braga. Na altura era uma one-man band, apenas com o Tiago Sampaio. Como é que o grupo foi crescendo?
Tiago Sampaio (T. S.) – Foi tudo um bocado por acréscimo e foi um bocado não premeditado. Acho que foi sempre uma necessidade, também para chegar a novas sonoridades. Eu lembro-me de que, quando iniciei o projeto, eu tinha falado com a Rita, de forma descomprometida, para ir à sala de ensaios gravar umas coisas e fazermos umas maquetes. Aquilo ficou tão bem, e ela cantava tão melhor do que eu, que a Rita ficou como voz principal porque já não fazia sentido ser eu. Depois, foi entrando e saindo gente da banda. Isto para dizer que o grupo foi crescendo e outros elementos foram entrando por necessidade da banda.
G. – Falando do número de elementos, há possibilidade de o grupo crescer ainda mais, ou três é a conta certa?
Rita Sampaio (R. S.) – Esta formação é recente. Como o Tiago estava a dizer, já passamos por algumas mutações a nível de formação e assumimo-nos os três há relativamente pouco tempo, apesar de nos fazermos acompanhar de bateria ao vivo, como será o caso do Theatro Circo. Mas eu acho que, com tantas mudanças e com tanta coisa a acontecer em oito anos de banda, acho que é ilegítimo excluir alguma dessas hipóteses. As coisas devem seguir naturalmente.
T. S. – Tivemos algumas mudanças e achamos que os três funcionamos muito bem e damo-nos muito bem. Antes de sermos uma banda, somos um grupo de amigos e uma família. Acho que quanto mais unida for esta família, melhor funciona. Queremos e vamos sempre continuar a trabalhar com pessoas externas. Ainda não sabemos como será o futuro disco, mas neste momento estamos nós os três assim.
G. – A Rita disse numa entrevista que “o que define a música é o que nós pensamos quando estamos a criar, a compor”. Como é que é o vosso processo criativo?
R. S. – Acho que é difícil de dizer, porque acho que foi sempre diferente em todos os processos de criação pelos quais passamos. No primeiro EP, foi a necessidade de marcar um início de banda. Lembro-me perfeitamente de pensarmos nisso e de pegarmos em alguns dos temas que faziam mais sentido na altura para registar exatamente aquela sonoridade muito marcada que a banda tinha no início e que, entretanto, evoluiu no segundo disco para algo mais synth-pop, rock... É muito difícil de definir, e eu não gosto de fazer isso. Depois, com a evolução, tivemos muitos processos de composição e criação que nos acompanharam. Por exemplo, no último disco, eramos quatro em sala de ensaios e fizemos questão de tentar explorar aquilo que cada um teria para oferecer a nível de sonoridade. Ou seja, juntar várias influências. Lembro-me de que levamos alguns discos e, em muitos ensaios, metade deles era a ouvir música, outras vezes era tentar levar ideias definidas de casa... Acho que não existe nenhum método de composição ou criação que nos defina.
G. – E sentem que o facto de não se prenderem a um só estilo musical é mais fácil para a conceção artística?
R. S. – Acho que não é uma facilidade, porque no momento de criação não estamos a pensar num estilo ou numa estética, propriamente. Isso depois desenvolve-se e ganha forma ao longo da criação de um disco ou de uma música. Acho que, acima de tudo, uma das coisas que tentamos fazer é desafiar-nos ao máximo e tentar sair um bocadinho da zona de conforto de um disco anterior. É exatamente isso que queremos fazer para um novo disco, ou seja, não temos qualquer perspetiva de sonoridade, mas sabemos bem o que não queremos saber.
T. S. – É um bocado como a Rita diz. Nós juntamo-nos sempre e tentamos discutir quais é que poderiam ser as alternativas ou o que poderíamos abordar que ainda não abordamos. É sempre uma tentativa de juntar influências pessoais, daquilo que estamos a ouvir naquele momento.
G. – A banda atua este sábado e estarão em palco vários convidados: Catarina Miranda, Cláudia Guerreiro, Paulo Furtado, Pedro Oliveira e Selma Uamusse. O que podemos esperar deste concerto?
T. S. – Neste espetáculo de sábado, vamos revisitar a discografia toda, os três discos, e vamos dar uma roupagem nova daquilo que estamos a sentir neste momento. Ou seja, as músicas partiram todas de piano e voz e juntamos a isso o facto de estarmos a passar uma fase completamente diferente daquela que estávamos a passar nos outros discos. Agora olhamos para os discos com mais maturidade e tentamos transcrever isso para as músicas. Acho que, basicamente, os convidados que vão subir a palco são aqueles que temos encontrado na estrada durante estes anos todos. Ou seja, é um acumular de oito anos com pessoas que estiveram connosco, com quem convivemos.
G. – Sobre essas relações, é fácil de criar amizade com outros músicos ou existe muita competitividade?
R. S. – Acho que sim, a competitividade fica um bocadinho pelo caminho. Hoje em dia, há tanto espaço para toda a gente e há tanta liberdade para fazer aquilo que queremos que não faz sentido nenhum envergarmos por esse caminho da competitividade. Temos muito mais a aprender com as pessoas que vamos conhecendo que não devemos entrar nesse campo com uma atitude competitiva. E sim, todos estes músicos e a nossa relação com eles são a prova disso. Além de serem músicos que admiramos imenso, são pessoas normais que estão por detrás dos projetos e músicas. É muito bom ter essa oportunidade, a de conhecer a pessoa que está por detrás dessa imagem.
T. S. – Em relação a isso, tens duas caixas onde podes colocar as novas amizades, que é o que acontece na nossa vida: tens as pessoas que conheces e crias uma empatia enorme e, por isso, estão na primeira caixa; depois tens a segunda caixa, onde estão as pessoas que vais conhecendo e ficam só como conhecidas. Se calhar até são boas pessoas, mas não há muita conexão física ou psicológica para continuares a querer ver a pessoa.
G. – Portugal tem assistido a um aumento do número de bandas em Portugal nos últimos anos. Como é que olham para esse crescimento?
R. S. – Eu acho que é muito bom. Nós, que somos da mesma geração, não temos tanto a noção de como era gravar um disco e promover um disco há vinte ou dez anos, quando já se começava a abrir o caminho para aquilo que é o panorama atual.
T. S. – Mesmo assim, lembro-me, por exemplo, de que o nosso primeiro disco também foi difícil. Também foi o primeiro da banda...
R. S. – Sim, mas aquilo que dizes ser complicado no primeiro disco, acho que há vinte anos era muito mais complicado. Isto para dizer que acho que é supor bom este surgimento de muitas bandas e muitos projetos. As pessoas finalmente têm acessibilidade para construir e criar, mas acho que todo este boom está também a fazer com que haja projetos com uma esperança média de vida reduzida em relação a outras coisas...
G. – Mas então existe ou não espaço no mercado para todas as bandas recém-formadas?
R. S. – Era isso que queria dizer. Eu acho que aqueles projetos que realmente têm pernas para andar e que têm margem de progressão vão distinguir-se deste barulho todo e deste boom. Provavelmente, daqui a uns anos, só vamos ouvir falar de metade dos projetos. Digo isto sem querer soar pretensiosa nem estou a dizer que é o nosso caso. É só que, no meio de tanta informação, é complicado rasgar...
T. S. – Eu acho que há um fator superimportante, que é o fator da persistência. Isto é um meio supercomplicado em que tu facilmente te vais abaixo. Se queres fazer uma coisa, queres continuar e queres fazer ainda melhor, isso vai-te esgotar completamente. Ou aguentas ou vais abaixo. Temos um exemplo incrível que é o do The Legendary Tigerman. Ele está a fazer agora uma tour por espaços mais pequenos, em formato one-man band e está a esgotar tudo. Não deixa de ser uma banda rock. Eu acho que ele é um bom exemplo de persistência, porque ainda há pouco tempo lembro-me de falar com alguém que dizia que o The Legendary Tigerman, quando começou, ia tocar a casas onde tinham seis/sete pessoas... Todos nós já passamos por isso. Além da música ser boa, existe um conjunto de fatores que precisam de ser alinhados.
G. – A banda nasceu em Braga. Quais foram, ou quais são, as maiores dificuldades de se ser uma banda descentralizada? Notaram isso?
T. S. – Se nós notamos? Notamos bastante. Eu acho que já no Porto se nota muita diferença em relação a Lisboa. Sinto que o Porto já é um bocado descentralizado. Nos 80 e 90, ainda tínhamos muita música a ser feita e a coisa ainda se dividia entre Lisboa e Porto, pelo menos é a perceção que tenho. Neste momento, está muito centralizado em Lisboa. Ou seja, eu não vejo muita coisa a acontecer no Porto, ao contrário de Lisboa, que tem muita coisa a acontecer. Existem bons músicos a nascer na periferia e noutras cidades e regiões de Portugal que, neste momento, se estão a mover para Lisboa. Há pontos negativos e pontos positivos...
R. S. – Só acho que é complicado furar para um mercado lisboeta, sendo ele o que tem mais destaque a nível mediático e de imprensa. Isso foi uma reação à centralização. Se realmente alguma coisa vai mudar nesse sentido? Não faço ideia. Mas da mesma forma que acho que é difícil para as bandas do Norte furar para Lisboa, também é difícil para as bandas de Lisboa furarem para o Norte. Comecei a perceber essa realidade até há bem pouco tempo e são estes dois polos que não fazem sentido nenhum.
Videoclipe de Let It Flow
G. – Já andaram com a vossa música pela Europa. Acham que os portugueses têm de aprender alguma coisa com os outros países em relação à música e vice-versa?
T. S. – Muita coisa. Os concertos lá fora começam muito cedo, o que é incrível. Às 20h/20h30 está a começar o concerto. Aqui, às vezes 22h30/23h...
R. S. – Aqui tens de esperar pelo público.
T. S. – Exato. Lá fora, o público chega todo a horas, mas aqui o pessoal é muito mais efusivo. Outra coisa é que, nos outros países, as pessoas respeitam-te muito mais do que aqui. Respeitam bastante o facto de estares a tocar e, então, estão a ver alguém a apresentar uma obra artística. Aqui, muitas vezes estás num Maus Hábitos ou Musicbox e as pessoas estão-se a marimbar para os concertos e estão a falar porque provavelmente foi a única noite que tinham livre para ir beber copos com os amigos... É um bocado complicado nesse aspeto. Outra coisa é que as pessoas compram muitos discos lá fora, muitos mais. E, no geral, lá fora têm um respeito maior, tendo em conta que tu és um artista que estás a apresentar algo em que trabalhaste e suaste muito para apresentar.
G. – Consideram que estamos no melhor momento da música portuguesa?
R. S. – Sinceramente, eu acho que sim. Como não vivi outro período sem ser este, é difícil avaliar as coisas dessa forma, mas reconheço muito valor em muita coisa que se faz hoje em dia. Acho que há muita coisa boa a acontecer.
T. S. – Eu acho que estamos no momento em que há muita oferta de muita coisa. Ou seja, antigamente havia dez bandas e cada uma tinha um estilo e, por isso, havia um nicho à volta daquela banda que movia as pessoas. Neste momento, existem dez bandas por nicho... O mercado esgota-se mais facilmente.
Nuno Gonçalves (N. G.) – A questão também é que atualmente é muito fácil de aceder àquilo que está a ser feito neste momento. Há uns anos, não havia essa facilidade. Como a Rita disse, estamos neste período em concreto, não sei o que se fez noutros anos atrás, mas está-se a fazer muita coisa de boa qualidade atualmente.
G. – Agora também existe um maior acesso às músicas e, com as redes sociais, existe uma maior proximidade dos públicos aos artistas...
T. S. – Exato. Mesmo os instrumentos são mais baratos do que eram antigamente e agora também existem mais festivais... Além disso, os músicos também acabam por mover muita gente, o que pode fomentar as pessoas em casa a formar uma banda e a criar música.
R. S. – É engraçado porque eu acho que as redes sociais apareceram e tornaram-se um instrumento de trabalho incrível para os músicos e artistas. Mas não sei se agora estamos a chegar a uma altura em que está a acontecer o fenómeno inverso. Com o excesso de informação e tanta coisa que aparece todos os dias, se calhar a atenção que prestas é muito menor do que há alguns anos. Em vez de se ver determinada coisa como devíamos, ignoramos um bocado.
T. S. – Sem dúvida, mas acho que ainda não chegamos ao período do crash. Ainda vai acontecer.
G. – Para terminar, esta é a segunda vez que atuam no Theatro Circo, a mais emblemática sala de espetáculos de Braga. Como é que é passar do pequeno auditório, onde ocorreu o vosso concerto em 2018, para a imponente sala principal?
R. S. – Acho que é uma responsabilidade muito grande, até porque também somos de Braga e já vimos muitos concertos de grandes artistas no Theatro Circo. É a mesma coisa de quando fomos ao Festival Paredes de Coura, por exemplo, em que tínhamos de pisar aquele grande palco. Acho que está a ser um desafio para nós. As preparações estão a correr bem. Além da responsabilidade em pisar o palco, este é um concerto que é muito mais exigente do que o normal. Temos uma logística que nunca tivemos antes. Aproveito para agradecer ao Theatro Circo, que nos acolheu e que adorou a ideia, e agradecemos também ao Paulo Brandão, Bazuuca, João Pereira, Cosmic Burger e ao Francisco Quintas. É aquela parte da equipa que ninguém vê, mas que sem eles... Se calhar acontecia, mas não tão bem organizado.