Desde 2014 que a Federação Mundial de Neurologia escolheu o dia 22 de julho para assinalar o Dia Mundial do Cérebro com o objetivo de despertar a atenção para as grandes questões do cérebro e para a importância da sua discussão na qualidade da vida humana.
O cérebro dos animais entra na dieta gastronómica de alguns povos, entre os quais os portugueses que confecionam “mioleira” de carneiro, borrego, porco e até de vitela, juntando-a simplesmente aos ovos mexidos, ou ligando-a à carne de porco frita em banha no Alentejo, ou aos rins do mesmo porquinho, desta vez na Beira Baixa.
Nesta preparação de Idanha-a-Nova os rins – depois de muito bem lavados com sumo de limão - são temperados de véspera como se tempera a carne de porco, com colorau, alho e louro. No dia do almoço são cortados aos pedaços, salgados e fritos, enquanto a mioleira (depois de bem limpa de todas as peles e esmagada com colher de pau) se junta a eles na frigideira. Após estarem fritos são envolvidos em ovos caseiros previamente batidos à mão, mexendo-se tudo muito bem e compondo-se no final com salsa picada e pimenta preta.
A ideia das mães e avós do século passado era que se devia incluir a “mioleira” na alimentação das criancinhas porque estimularia a função cerebral, um pouco na linha do processo primitivo de magia com que os nossos antepassados tentavam influenciar resultados pela técnica da afinidade.
Infelizmente a “mioleira” estimula tanto a função cerebral como um gaspacho com petingas fritas…
Se fosse verdade esta coisa da magia pela afinidade teríamos ideias gastronómicas interessantes:
- Comer pescada para aprender a nadar
- Petiscar cabrito para desenvolver a agilidade
- Saborear túbaros de carneiro para aumentar o “desempenho”
Coma “mioleira” quem aprecia (mas cuidado com as “vacas loucas”) na certeza, porém, que está apenas a estimular o paladar.
Para mim, a melhor “mioleira” que já comi – ou devo dizer, sorvi – foi a que se encontra na cabeça da galinhola, separada do corpo já na mesa, depois de estufada. Um petisco do paraíso que mesmo que não aumente a capacidade cognitiva do “chupante” sem dúvida que alarga os horizontes da “fisiologia do gosto”.
Como escreveu Brillat-Savarin:
“Os animais pastam; o homem come; somente o homem que é inteligente sabe comer bem.”
Dito isto - e para desgosto de algumas teorias de alimentação mais “vegans” - parece existir prova científica de que foi a dieta pré-histórica baseada na carne transformada (grelhada, cozida, o que permite quebrar as proteínas e melhorar a respetiva assimilação) que levou ao desenvolvimento do cérebro dos proto-humanos dessa altura, assumindo desta forma um papel preponderante na evolução da raça.
Ou seja, comer carne aumentaria a capacidade do cérebro, mas houve que esperar uns milhões de anos para sentir os efeitos.
É melhor esperarmos sentados…
-Sobre Manuel Luar-
Manuel Luar é o pseudónimo de alguém que nasceu em Lisboa, a 31 de agosto de 1955, tendo concluído a Licenciatura em Organização e Gestão de Empresas, no ISCTE, em 1976. Foi Professor Auxiliar Convidado do ISCTE em Métodos Quantitativos de Gestão, entre 1977 e 2006. Colaborou em Mestrados, Pós-Graduações e Programas de Doutoramento no ISCTE e no IST. É diretor de Edições (livros) e de Emissões (selos) dos CTT, desde 1991, administrador executivo da Fundação Portuguesa das Comunicações em representação do Instituidor CTT e foi Chairman da Associação Mundial para o Desenvolvimento da Filatelia (ONU) desde 2006 e até 2012. A gastronomia e cozinha tradicional portuguesa são um dos seus interesses. Editou centenas de selos postais sobre a Gastronomia de Portugal e ainda 11 livros bilingues escritos pelos maiores especialistas nesses assuntos. São mais de 2000 páginas e de 57 000 volumes vendidos, onde se divulgou por todo o mundo a arte da Gastronomia Portuguesa. Publica crónicas de crítica gastronómica e comentários relativos a estes temas no Gerador. Fez parte do corpo de júri da AHRESP – Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal – para selecionar os Prémios do Ano e colabora ativamente com a Federação das Confrarias Gastronómicas de Portugal para a organização do Dia Nacional da Gastronomia Portuguesa, desde a sua criação. É Comendador da Ordem de Mérito da República Italiana.