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Há dois anos que eu não como pargo: o rap, o teatro e o pessimismo face ao futuro

Escravos das expectativas criadas em torno de uma realidade quotidiana, sedentos de poder criar algo…

Texto de Ricardo Gonçalves

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Escravos das expectativas criadas em torno de uma realidade quotidiana, sedentos de poder criar algo que deixe uma marca pessoal nos lugares que habitamos: são muitas as lógicas que dominam a forma como grande parte das novas gerações vivem o seu dia a dia, debaixo da imensa pressão de ter algo verdadeiramente útil para dizer ou criar. Tendo em conta as suas vivências, que se aproximam destas lógicas dominantes, Miguel Branco, jornalista, encontrou no teatro a possibilidade de reflectir sobre estas e outras temáticas.

Há dois anos que eu não como pargo é o produto final desse momento introspectivo que passou a texto e que vai a palco a partir desta sexta-feira, dia 12 de março, no Cineteatro Joaquim de Almeida, no Montijo, pela mão da Companhia Mascarenhas-Martins, numa peça com encenação de Levi Martins. A nova produção marca a segunda colaboração do autor com a companhia do Montijo, criada em 2015.

Embora este seja o primeiro texto que começou a escrever com o objetivo de ser encenado, foi com Até parece que o jornalista iniciou a sua incursão no universo cénico. Em entrevista ao Gerador, Miguel conta que a inspiração para este novo espetáculo surgiu de uma necessidade, como espectador, de ver um objecto artístico que misturasse rap e teatro. “Tal como o teatro, o rap tem hoje lugar num palco e efectivamente imaginei este tempo em que vivi com alguns amigos numa casa mais ou menos como esta, talvez mais chunga e mais precária”, conta.

Partindo desta premissa, a nova produção da companhia dá vida a André, um condutor de tuk-tuk , Diogo, trabalhador de uma hamburgueria gourmet e Raul, que está desempregado e vai fazendo uns biscates, como limpar aquários no Oceanário. No palco, as personagens habitam uma casa da periferia, mostrando de forma contínua e diária como as mesmas vão trabalhar ao centro, regressando ao fim de mais uma jornada de trabalho com as frustrações próprias de um jovem no início da sua vida profissional.

Um destes personagens, André, escreve rimas para criar temas originais – um dos quais a que chama Há dois anos que eu não como pargo – que vai mostrando aos seus amigos sem, contudo, levar este passatempo a sério. Em sentido oposto, mas marcado por uma grande fraternidade, os amigos vão-no incentivando a continuar a escrever e a tornar aquele passatempo numa "coisa mais séria". O texto, cheio de referências a uma certa vivência precária, onde ecoa, por exemplo, o ambiente da margem sul – que aqui pode ilustrar qualquer lugar à “margem do centro” – evidência de que forma é que a sociedade atual é marcada pela pressão entre pares, por vezes numa lógica de competição, de se ser inovador e bem sucedido.

Num sentido mais amplo, permanece uma ideia de emancipação necessária à criação de um futuro mais risonho. O rap, pelo seu historial, acaba por funcionar como analogia à tomada de decisões, falsamente moralista, e que se materializa a partir do pessimismo presente ao longo da peça. “Há muitos elementos que transmitem preocupações que eu tenho, sobretudo nesta idade, porque as pessoas estão insatisfeitas com a sua condição de vida e querem seguir exemplos de sucesso. O título provisório era ‘Três péssimos pessimistas’. Existe essa ideia de que o pessimismo não é pessimismo, é lucidez. Já a expectativa é o pior mal da humanidade. É algo que não controlamos e de que não nos conseguimos livrar”, acrescenta Miguel.

Outro dos aspectos que marca esta nova produção é o facto de Miguel Branco e de Levi Martins estarem presentes durante a peça, sentados numa mesa em frente ao palco. Através deste dispositivo, ambos os criadores podem de alguma forma colocar-se em confronto com as palavras escritas por Miguel, numa lógica intertextual. “Funciona como um castigo e um confronto com o que escrevi e com a minha falta de capacidade e pânico de fazer uma comunicação pública”, sublinha o autor.

Por seu lado, Levi Martins refere que através deste dispositivo reside a tentativa de diminuir a separação entre o público e o espetáculo. “Acho que é importante este expor do dispositivo. Não vamos limpar as transições e a ideia de que é artificial, como por exemplo os momentos em que alguém vai apagar ou ligar a luz da casa. Gostamos desta exposição porque achamos que faz parte da cumplicidade possível com o espectador. Estar lá o autor e o encenador ajuda a criar essa ligação”, sustenta.

Há dois anos que eu não como pargo, conta com interpretação de André Alves, João Jacinto, Inês Dias e Pedro Nunes e Miguel Branco. O espaço cénico, a luz e os figurinos são de Levi Martins e de Miguel Branco com Adelino Lourenço, e a música de André Reis e Levi Martins, com assistência de produção de João Jacinto e Maria Mascarenhas.

A peça, que conta com o apoio das câmaras municipais do Montijo e de Setúbal e da União de Freguesias do Montijo e Afonsoeiro, permanece em cena até 15 de março no Cineteatro Joaquim de Almeida e pode ser vista de quinta-feira a sábado, às 21h00, e, aos domingos, às 16h00. Será depois representada a 17 de abril, no Fórum Municipal Luísa Todi, em Setúbal; de 7 a 9 de maio estará no Teatro Municipal Amélia Rey Colaço, em Algés; e, de 11 a 13 de junho, no Teatro da Politécnica, em Lisboa.

Texto de Ricardo Ramos Gonçalves
Fotografias de Levi Martins

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