Desde 2006 que os edifícios que recebem público têm necessariamente de ter acessos para pessoas com mobilidade reduzida. Esta exigência está expressa na lei, mas ainda existem situações de incumprimento, nomeadamente em espaços culturais.
A Acesso Cultura, a Associação Salvador e o Centro de Vida Independente manifestaram, através de um comunicado conjunto, o seu descontentamento face a esta situação e afirmam que há espaços culturais que estão a ser integrados na recém-criada Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses (RTCP) sem que este fator seja tido em conta. Estas entidades afirmam que, numa amostra de dez espaços culturais já integrados na RTCP, há “pelo menos sete” que não cumprem as condições de acessibilidade definidas na lei. “O requisito da acessibilidade torna-se rapidamente numa mera “recomendação” e a obrigação de cumprir a lei numa “opção””, criticam as associações.
De facto, o Decreto-Lei n.º 163/2006, relativo ao regime da acessibilidade aos edifícios e estabelecimentos que recebem público, via pública e edifícios habitacionais, define que “os edifícios e estabelecimentos devem ser dotados de pelo menos um percurso, designado de acessível, que proporcione o acesso seguro e confortável das pessoas com mobilidade condicionada entre a via pública, o local de entrada/saída principal e todos os espaços interiores e exteriores que os constituem”. Esta lei aplica-se, entre outros espaços, a “museus, teatros, cinemas, salas de congressos e conferências e bibliotecas públicas, bem como outros edifícios ou instalações destinados a actividades recreativas e sócio-culturais”.
Apesar disso, as três associações dizem que continuam a existir espaços culturais que não cumprem esta regra e que, por isso, não deviam integrar a RTCP, já que apresentam falhas no que são os requisitos definidos para todos.
Rita Pires dos Santos, vice-presidente da Acesso Cultura, explica que se por um lado, “a criação desta rede de teatros é uma iniciativa muitíssimo louvável”, por outro “o que nós entendemos é que, para os teatros integrarem esta rede, terão de cumprir as questões de acessibilidade”. “O que temos verificado é que, infelizmente, a rede é criada, os teatros aderem, mas fazem-no sem cumprir as normas que a lei da acessibilidade define”, acusa a responsável. Neste sentido, a Acesso Cultura endereçou um e-mail ao Ministério da Cultura e Direção-Geral das Artes onde questionou todos estes factos.
Também Jorge Falcato, presidente do Centro de Vida Independente, diz que há espaços que afirmam reunir todas as condições de acessibilidade exigidas pela lei, mas que isso não corresponde, muitas vezes, à verdade. “O que nós constatámos é que há espaços que aderiram à rede e que se mantêm inacessíveis”, afirma.
Os representantes das associações apontam o dedo à Direção-Geral das Artes, responsável pela admissão dos espaços na rede, e sublinham que a falta de acessibilidades afeta, não apenas o público que assiste aos espetáculos, como os próprios artistas e profissionais envolvidos na produção dos mesmos. “Ainda sentimos que existe muito esta discriminação e esta não igualdade de oportunidades para todos ao nível da cultura”, lamenta Joana Gorgueira, da Associação Salvador.
A RTCP é um “programa de apoio à programação dos teatros, cineteatros e outros equipamentos culturais”, conforme descrito no Decreto-Lei n.º 45/2021. A candidatura a este programa depende de um parecer prévio favorável emitido pela Direção-Geral das Artes, com base no cumprimento das referidas medidas.
Entre os requisitos descritos na página da DGArtes, é referido que os equipamentos a concurso têm de possuir “um conjunto de condições basilares que permitam garantir o acesso público”. Além disso, é mencionado que, aquando do processo de credenciação, é valorizada “a existência de condições que promovam a inclusão e a acessibilidade física, social e intelectual”.
É, porém, referido que “no caso de o requerente não preencher ainda os vários requisitos fixados para credenciação, a DGArtes propõe à entidade proprietária do equipamento medidas corretivas e assinala o prazo razoável para o seu cumprimento, até ao limite máximo de dois anos”.
Questionada pelo Gerador sobre a falta de acessibilidades em diversos espaços culturais que já integram a Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses, a DGArtes disse que está “a diligenciar junto das entidades referenciadas pela Acesso Cultura a obtenção dos devidos esclarecimentos”.
“As desconformidades apontadas estão a ser devidamente verificadas pelas entidades proprietárias, e as medidas corretivas estão já em fase de planeamento ou mesmo em curso. Perante as respostas das entidades, a DGArtes agirá sempre no sentido de ser respeitada a legislação aplicável e o compromisso assumido pelos proprietários das salas no âmbito do processo de credenciação”, lê-se nas respostas enviadas por escrito ao Gerador.
A DGArtes diz ainda que “as condições de acessibilidade física, social e intelectual ao público, aos artistas e aos técnicos, enquanto garantia dos princípios da igualdade em todas as suas dimensões, da diversidade e da inclusão na fruição e participação culturais, é uma preocupação e prioridade” contudo, sublinha que “o processo será sempre conduzido no sentido de encontrar soluções que resultem da necessária concertação entre todos os envolvidos”.
“A propósito refira-se que a RTCP prevê a criação de uma comissão de acompanhamento no terreno que verificará o cumprimento de todos os requisitos que estiveram na base da credenciação e/ou apoio financeiro para a programação”, diz ainda a entidade que afirma estar a fazer “os melhores esforços para que todas as pessoas, independentemente da sua condição física, social e intelectual, sejam sempre bem-vindas na Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses”.