Bernardo Alves e Marta Sousa são dois dos elementos que compõem o coletivo Habitação Hoje!, um movimento nascido no Porto há cerca de um ano que assume uma dupla vertente: a reivindicação do direito à habitação, hoje (!), e a análise do contexto histórico que enforma a habitação hoje.
A partir de 2018, esse contexto entraria numa nova fase: a Nova Geração de Políticas de Habitação (NGPH) seria o chapéu que passaria a abrigar um extenso pacote legislativo desenhado para melhorar o acesso e a qualidade da habitação. Desta estratégia fazem parte o 1.º Direito ou o Programa de Arrendamento Acessível, por exemplo. Em 2019, a Lei de Bases da Habitação reforçaria este direito constitucional. Mas que resultados estas políticas têm obtido?
Em entrevista ao Gerador, os dois arquitetos analisam a implementação destes programas e a contradição aparentemente insanável de um bem essencial que é simultaneamente um ativo financeiro criador de tão avultados rendimentos. Falam das primeiras lutas do movimento e do levantamento do edificado devoluto do Porto que têm em prática. Apesar de iniciado há pouco, este trabalho já permitiu concluir que a Rua de Santa Catarina e a Rua da Alegria têm devolutos suficientes para albergar toda a lista de espera por habitação social do município – duas vezes.
Gerador (G.) – No vosso site, há um Manual de Resistência Contra os Despejos, e a própria lei prevê mecanismos de proteção em determinados casos, mas o bullying imobiliário existe. O que se pode dizer a alguém que possa estar protegido, por exemplo, por um contrato antigo, mas esteja numa posição de vulnerabilidade e sujeito a práticas de intimidação?
Marta Sousa (M. S.) – Desde 2019 que o bullying é crime. Um inquilino, estando em situação de despejo ou não, pode fazer queixa dessas situações, e já vimos casos que levaram mesmo a mortes, incêndios e todas essas coações para que as pessoas abandonem as suas casas. É sempre uma questão delicada e os inquilinos acabam por ter medo de fazer essas queixas, e também é pouco sabido que é crime.
Bernardo Alves (B. A.) – A violência doméstica também é crime e vemos o espetáculo que é, portanto o bullying imobiliário entra na mesma categoria só que ainda com mais desconhecimento. Já para não dizer que para sofrer bullying imobiliário é preciso ter um contrato, e muita gente não tem. Primeiro, há todo um mercado de arrendamento ilegal, sem recibos, sem estar nas finanças, que invalida todas essas queixas. Aliás, invalida toda a lógica do despejo tradicional, de ir a tribunal. Os processos tendem a ser muito mais violentos – vão lá, tiram as pessoas à força e pronto.
O que se pretende, de alguma forma, com o manual, também é dizer às pessoas que [o despejo] provavelmente vai acontecer, mas não é preciso sair no dia em que se recebe a carta. Há um processo.
M. S. – Tem de ser o tribunal a efetivar o despejo e não pode ser através de ameaças e coação.
B. A. – Houve um caso com que lidámos e estamos a lidar, que é o caso [do bairro] do Cabo-Mor, em Vila Nova de Gaia, um despejo de propriedade do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), que tem regras diferentes, ou seja, nesses casos o Estado tem o dever de garantir uma solução habitacional digna da família que está a despejar. Mas o Estado é o primeiro a fazer bullying imobiliário ou bullying no arrendamento porque as 11 famílias que estavam a ocupar, no início, foram saindo gradualmente porque o tribunal ia lá, a polícia ia lá, e recebiam chamadas a ameaçar com a retirada dos filhos e do RSI e com o pagamento de uma multa pelos meses que estiveram a ocupar, que, em muitos casos, eram anos e por isso eram multas de valores absurdos. Era tudo falado, sem entregar papéis, ou por telefone, com a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) a dizer “Já resolveu o problema da sua casa? Não se esqueça dos seus filhos…”
M. S. – Tudo nessa base das intimidações. Houve muitas famílias que saíram sem acesso ao que podem fazer para se defender e quais são os direitos, mínimos, que mesmo nestes casos têm.
B. A. – Uma das famílias saiu e foi aconselhada a ir ao tribunal para arranjar solução. Nunca lhes deram papéis nenhuns enquanto iam lá fazer ameaças e despejos. Chegaram ao tribunal, foi-lhes entregue um maço de papéis, que era todo o processo acumulado, e foram mandados embora. Depois ficaram numa casa-abrigo da Segurança Social durante três ou quatro dias.
M. S. – Uma pensão, e ainda tiveram de pagar os dias em que estiveram lá.
B. A. – Tiveram de pagar uma parte, porque a Segurança Social só pagava outra parte. Depois a Segurança Social disse que tinham de arrendar uma casa…
M. S. – Que lhes pagava a primeira renda.
B. A. – Obviamente, a Segurança Social paga a primeira renda e eles não conseguem pagar a segunda, porque são famílias que recebem o Rendimento Social de Inserção (RSI). Voltaram a ocupar a casa em que estavam, voltaram a deitar os tijolos abaixo, e agora vai correr o processo outra vez. Esta situação chegou a ser levantada pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP no Parlamento, que interpelaram o [ministro das Infraestruturas e da Habitação] Pedro Nuno Santos numa das audições, e ele disse que não se podia promover aproveitamentos, que há uma lista de espera e tem de se cumprir os regulamentos para atribuir as casas. Eu concordaria a 100 por cento, mas não podemos dizer isto e ter sete mil casas públicas vazias.
M. S. – Das 120 mil casas públicas que havia, 6729 estavam vagas e só 774 é que eram ocupações, portanto essa retórica de dizerem que esta família está a roubar a casa que no dia seguinte ia para outra família é totalmente mentira, porque nem aumentam o parque público, nem reabilitam o que está devoluto, nem entregam as casas que têm em bom estado.
G. – O próprio IHRU reconhece, no Levantamento de 2018, esse desencontro entre o número de casas vazias e as famílias.
B. A. – Essa contradição é chocante. Se o Estado faz isso, por que é que eu na minha casa privada vou ter cuidado? Aliás, saiu agora a primeira regulamentação da Lei de Bases da Habitação, e a alteração que vem fazer a isto dos despejos é que antes as instituições tinham de procurar soluções para os agregados, e agora têm de procurar ativamente.
M. S. – O que estas famílias do Cabo-Mor e outras, que têm uma assistente da Segurança Social atribuída e até técnicos de RSI, ouvem é “Eu arranjei a minha casa e estou a alugá-la, por isso o senhor tem de fazer igual”.
B. A. – Uma grande parte das 11 famílias são de etnia cigana e a técnica diz ao telefone: “As pessoas não vos querem alugar a casa porque vocês são ciganos.” E eles perguntam por que razão essa informação é dada. “Tenho de dizer.”
G. – Em 2021, a Domus Social [empresa municipal que gere o parque habitacional público do Porto] tinha 1050 pedidos de habitação e foram atribuídas 271 casas. A construção de habitação pública deve ser uma prioridade ou é preferível priorizar soluções mais rápidas? Por exemplo, o que se tentou fazer em Berlim, com o referendo para a expropriação de fundos imobiliários.
M. S. – Não sei se o caso de Berlim conta como rápido, porque eles ganharam o referendo mas não sei se a implementação vai ser assim tão rápida, ou sequer se vai acontecer, porque não é vinculativo.
B. A. – Aliás, no referendo em Berlim houve uma mobilização massiva de pessoas para votar, e ao mesmo tempo que o SIM ganhou, ganhou também o partido que não queria o referendo.
Com a Domus Social, a lista que interessava saber é a das pessoas que não são aceites. Existe a matriz de pontuação, mas para aceder à matriz e à lista é preciso viver no Porto há quatro anos. Nós costumamos dizer que isto é uma pescadinha de rabo na boca porque eles [município] fomentam o processo de gentrificação, as pessoas são obrigadas a sair do Porto e deixam de se poder candidatar [à habitação social]. Mesmo que voltem, têm de viver aqui quatro anos. Como não conseguem viver aqui com as rendas atuais deixam de poder aceder à habitação social. Obviamente que se nós conseguimos fazer este raciocínio e só conseguimos ler notícias, eles fazem estas coisas de propósito, é o plano de renovação da cidade.
M. S. – A habitação pública não precisa de passar por construir de raiz. Podem ser adquiridos edifícios devolutos, e as heranças indivisas que já estão assim há imenso tempo podem ser tratadas de maneira diferente. Há muitas maneiras, e do que nós temos descoberto, a maioria dos edifícios devolutos está em bom estado de conservação, ou seja, se houvesse tomada de posse por parte do Estado de alguns desses edifícios onde a necessidade é maior, o problema poderia ser resolvido de forma mais rápida.
B. A. – As soluções que vemos no mercado, por exemplo o Porto Com Sentido [programa municipal para dinamizar o arrendamento em Regime de Renda Acessível], tentam ser rápidas e englobar o mercado na resolução do problema. Primeiro, [o programa] afeta uma classe que estava muito perto de não ter dificuldades no acesso à habitação, e uma pessoa que tenha rendimentos de elegibilidade para habitação social nunca na vida vai conseguir aceder ao Porto Com Sentido. E mesmo quando se fala em classe média, e apesar de nós, enquanto movimento, acharmos que essa expressão é um engodo, do ponto de vista técnico também não é para as pessoas do percentil 50 – é para as pessoas do percentil 65 para cima, às vezes até do percentil 90. Essas soluções têm-se mostrado manifestamente insuficientes, e isto tem permitido à câmara fazer uma jigajoga com o património público. Por exemplo, na Ribeira, esse património foi passado para a Porto Vivo, SRU, que é uma empresa municipal. Eles reabilitam, inserem as casas nesse programa, e o património público não está a servir o bem público porque não está a resolver os problemas de baixo para cima, como é uma reivindicação nossa. Outra solução que também está no mercado, e é rápida, é o apoio à renda, que não é mais do que financiar uma renda alta a um senhorio privado, a uma pessoa que não a consegue pagar. O senhorio continua a receber o rendimento que tem a receber.
M. S. – O mercado continua com rendas altas…
B. A. – Isso até estimula que as rendas continuem a aumentar. Se eu visse um plano de construção de 300 mil casas e a atribuição de apoio à renda enquanto estão a ser construídas, [não me opunha]. Mas não há plano nenhum. Há um plano de financiar os privados. Aliás, o Porto tem vindo a aumentar gradualmente o orçamento do Porto Solidário (este ano já são três milhões) e continua a não fabricar nenhuma habitação social. Por exemplo, existe um projeto na Pasteleira de habitação para a classe média, e há também o Monte da Bela [terreno público em Campanhã onde esteve previsto um projeto de habitação com renda acessível e renda livre, mas que se encontra suspenso porque a única proposta apresentada foi excluída pelo júri do concurso] e o Monte Pedral, onde a câmara podia aproveitar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), porque é dinheiro 100 por cento a fundo perdido.
M. S. – Se for para habitação pública.
B. A. – Os requisitos são ter um projeto, ter um arquiteto e ter um orçamento que esteja dentro dos valores de referência do 1.º Direito [programa de apoio habitacional para responder a situações indignas]. Eles têm isso tudo só que não querem aceder a esse financiamento porque o Rui Moreira diz que o público-alvo do 1.º Direito não é o público-alvo que ele quer para aqueles projetos. E até é, porque o 1.º Direito tem um público-alvo que vai de 0 até 4 IAS, que são 1773 euros de rendimento por pessoa. Eu acho que se se candidatassem, havia de se arranjar qualquer impedimento para construir três empreendimentos gigantes de habitação social no Porto, mas nem tentam, não é? Depois, existe o argumento de que o Porto já tem 12 por cento de habitação social, como a Finlândia, só que estão a comparar um país com uma cidade.
G. – O 1.º Direito, em teoria, é um bom instrumento para resolver carências habitacionais? Está bem desenhado ou o facto de depender da elaboração das Estratégias Locais de Habitação (ELH) por parte dos municípios é limitador?
B. A. – O 1.º Direito, em termos teóricos, é um programa que permite aos municípios executar financiamento, mas o Estado é muito fraquinho na capacidade de resposta, de produção e de recursos humanos.
M. S. – Passa-se décadas a subfinanciar o Estado, a enfraquecer-lhe as estruturas, a transferir tudo para o mercado, e depois aparecem estes programas, que mesmo que tivessem todas as boas intenções (e se fossem aplicados a 100 por cento poderiam ajudar nalguma coisa), é quase impossível aplicá-los porque não há estrutura.
B. A. – Uma coisa que o 1.º Direito teoricamente faz bem, mas na prática não funciona, são as cooperativas. As cooperativas são financiadas até 90 por cento – uma parte a fundo perdido e outra parte a empréstimo bonificado –, mas estamos a destruir as cooperativas há 20 anos. A maior parte das ELH identifica a câmara, os beneficiários diretos, que são os proprietários pobres que podem reabilitar a sua própria casa, e identifica as misericórdias quando têm alguma força, como aqui no Porto. Aqui, a Misericórdia vai reabilitar 40 fogos próprios, ou seja, é uma obra pequeníssima. E depois, é para que rendas? Com este programa vão poder cobrar, por exemplo, a renda acessível, que de acessível só tem a palavra. No campo da habitação, a renda acessível foi provavelmente o maior golpe ideológico dos últimos cinco anos. O 1.º Direito permitia à câmara construir, especialmente agora com o PRR, habitação nos terrenos públicos, como o Monte da Bela, um terreno abandonado, [cujo bairro] foi demolido por Rui Rio. As pessoas saíram e até se estão a organizar para tentar voltar ao bairro. Podia construir-se ali habitação com renda apoiada, aumentar o parque público e dar resposta às 1000 pessoas da lista.
M. S. – E não tinham de gastar um cêntimo do orçamento municipal. A fundo perdido.
G. – Então o PRR vai ser uma oportunidade perdida?
M. S. – Eu acho que vão acabar por executar as tais 26 mil casas. Estão sempre a dizer que é um número muito por baixo e não serve para nada, mas continuam a bater nos 26 mil fogos, e cada vez abrem mais o leque de quem consegue entrar nesses 26 mil fogos, portanto vão ser 26 mil aleatórios e não os 26 mil com mais problemas de habitação.
B. A. – Neste momento, as 26 mil englobam aquele senhor que vive ali e tem um problema de humidade na casa de banho. Candidata-se ao 1.º Direito, se for elegível fazem a obra e agora só faltam 25 999. Não existe neste país nenhum plano para a habitação, e eu acho que, na verdade, não existe para nenhum campo da coesão social, e estes financiamentos têm de ser executados em três anos…
M. S. – E com muita burocracia à mistura. Candidaturas infinitas…
B. A. – O que vai acontecer vai ser mal aproveitado e o que poderia acontecer vão ser oportunidades perdidas. Depois colocam-se imensos problemas: os beneficiários diretos podem reabilitar a sua casa e, passado uns anos, podem vendê-la. Ou seja, o Estado está a reabilitar casas que depois voltam ao mercado e aumentam a especulação.
G. – O Programa de Arrendamento Acessível (PAA) prevê que os senhorios beneficiem de isenções fiscais em sede de IRS ou IRC em troca de arrendar 20 por cento abaixo do valor de mercado. O programa estipula valores máximos de renda: em Braga ou em Mértola, um T1 pode ir até aos 350 euros, mas no Porto pode ir até aos 775 e, em Lisboa, aos 900 euros. Quem beneficia deste programa?
M. S. – Só se for alguns senhorios, porque do que se viu até agora a taxa de execução é muito baixinha. Essas isenções representam 28 por cento e a renda só diminui 20 por cento, ou seja, estão a ter mais lucro, têm mais dinheiro líquido com a renda do que tinham antes, e mesmo assim a taxa de execução é baixinha porque é preciso ter contratos de cinco anos, seguros e ter tudo em ordem nas Finanças, e essas questões não lhes convêm quando o mercado é tão livre.
B. A. – Acho que não se pode também tirar uma grande fatia de descrença e desconhecimento.
M. S. – Essas rendas, ao serem calculadas em função da renda de mercado e não em função do rendimento da família, não têm nada de acessível porque se está sempre a depender dos valores do mercado, que estão sempre a subir. Num estudo que fizemos da renda acessível, constatámos que uma renda de mercado em 2017 é agora igual à renda do PAA, ou seja, em três anos o mercado subiu 20 por cento para se adaptar ao que agora é preciso descer, por isso é tudo lucro. O resultado é escolher pessoas que possam pagar essas rendas e não ter as casas disponíveis para pessoas que precisam de casa. É muito perverso, e agora está a ser utilizado como conversa de renda acessível, mas de acessível não tem nada.
B. A. – Em Lisboa, as habitações sociais tinham de cumprir o regulamento da renda apoiada, que é a renda calculada em função dos rendimentos, praticada na habitação social. O limite desse regulamento era a renda condicionada, que é calculada em função do valor patrimonial da casa, ou seja, não tem a capacidade especulativa da renda acessível. Todo o património público tinha de ser entregue sob este regulamento – e tinha um nome feio – Regulamento Geral da Atribuição de Habitação Social em Regime de Arrendamento Apoiado. Agora fizeram um novo regulamento, o Regulamento do Direito à Habitação, e a primeira parte diz que a partir de agora a câmara pode escolher se quer atribuir as casas assim ou assim. A primeira parte é o outro regulamento e a segunda parte é esta renda acessível, que não funciona exatamente da mesma maneira: há uma casa, eles definem um intervalo de renda, e depois há um sorteio dentro das pessoas que têm aquele rendimento, ou seja, isso piorou imenso o direito à habitação. Foi claramente o aproveitamento de uma palavra.
M. S. – Esta confusão toda convém, por isso o que nós tentamos é ir desconstruindo estas coisas. As pessoas veem e sentem o que está a acontecer, mas [é preciso] tentar montar o puzzle e perceber de onde é que isto vem. Nunca se fala de habitação, nunca se discute isto como se discute a saúde, nunca se fala de orçamento para estas coisas. O problema foi sendo individualizado, foi ficando na esfera de cada um, por isso não há ferramentas coletivas para perceber estas questões. O que nós reparamos é que nas autárquicas se falou imenso, mas [as autarquias] não têm os fundos nem a capacidade de execução, e quem tem resolveu, agora, estar caladinho.
B. A. – Da parte da Habitação Hoje (sem ponto de exclamação), é importante perceber e estudar a habitação enquanto maior ativo financeiro das cidades na Europa. Não produzimos, a habitação é um mercado gigante. Mexer na habitação é mexer com o sistema, abole as fundações em que isto funciona, e nesse sentido é perigoso.
M. S. – O Portugal do pós-25 de Abril está muito próximo dos anos 80, do início do neoliberalismo e desta questão da financeirização da habitação, e fomos assistindo a décadas de políticas que direcionaram o investimento público de habitação para o apoio ao crédito. Para além de muitas pessoas ficarem fora dos créditos e das políticas de habitação desde sempre, esse apoio ao crédito [tornou] ainda mais individual – é essa a questão do neoliberalismo – o acesso à habitação. Para além de ser difícil mexer com estas coisas, não temos nenhuma noção coletiva de que isto é também um problema coletivo.
B. A. – Depois do 25 de Abril, o povo fez o Serviço Nacional de Saúde – claramente não foi o PS, como eles gostam de apregoar – e depois da Saúde e da Educação, que agora está a ser claramente destruída, nunca houve reformas estruturais, e a questão da habitação foi cada vez mais sendo deixada para o mercado e a individualidade, mas o Estado não se desligou, simplesmente incentivou a que fosse assim.
M. S. – E vemos no discurso daquela assistente social de que falávamos há pouco – “Eu encontrei a minha casa, pago a minha renda, portanto tu tens de encontrar a tua” – que há também essa vigilância. Se eu consegui com o meu trabalho, tu tens de conseguir, e se não consegues o problema está em ti, és tu que não te esforças. Mas a habitação é a base para tudo. Nós precisamos de uma casa para poder aceder a todos os outros direitos que, se calhar, já estão mais consolidados, mesmo estando sempre ameaçados, e cada vez mais. Se não tivermos habitação não conseguimos estudar, não conseguimos descansar para no dia a seguir ir trabalhar, não conseguimos satisfazer as nossas necessidades básicas de sobrevivência.
B. A. – Estamos agora a preparar uma ação que vai relacionar a habitação com a saúde. A quantidade de pessoas que não consegue aquecer a casa, a quantidade de casas que não têm qualquer conforto térmico…
M. S. – A quantidade de problemas de asma, respiratórios e cardiovasculares que também derivam da qualidade das casas.
G. – No limite, isso também vai sobrecarregar o SNS.
M. S. – Sim, é isso. Se tivéssemos melhores casas poupávamos em serviços de saúde que vão tentar resolver um problema que não pode ser resolvido no hospital.
B. A. – Nós temos um caso de despejo privado, de uma mãe solteira que perdeu o trabalho durante a pandemia. Ficou sem rendimentos, deixou de conseguir pagar a renda, o senhorio começou [os procedimentos para] despejá-la, ela ficou nervosa, deixou de comer, andava sempre a vomitar, foi ao médico e deram-lhe calmantes.
M. S. – Depois teve de voltar para aquela situação.
B. A. – Numa situação articulada davam-lhe uma casa, não lhe davam um calmante.
G. – Vocês iniciaram um trabalho de mapeamento de casas devolutas e estão a pedir às pessoas que vos ajudem nessa tarefa. Como é que as pessoas podem fazer isso de uma forma que seja fidedigna, ou o mais fidedigna possível?
B. A. – Há duas coisas diferentes: há os devolutos do Estado, e o IHRU pediu aos municípios para fazer o levantamento do seu património, e há os devolutos privados.
G. – E para esses não tem de haver um controlo?
M. S. – O que nós percebemos é que é possível pedir essa informação, mas tinha de ser quase edifício a edifício e tinha de se pagar.
G. – Desde 2019 está previsto um agravamento fiscal para edifícios que estejam devolutos, o que pressupõe, da parte do Estado, algum controlo.
B. A. – O requisito legal para um edifício estar devoluto é não ter gastos de água e luz durante um ano. Durante esse período tem de ter só os gastos mínimos de manutenção, e aí é considerado devoluto. É a câmara, especialmente a Câmara do Porto, que tem uma empresa pública das águas, que teria facilidade em aceder a esses dados e pôr em prática essa política, mas o levantamento que os municípios têm de dar é o levantamento do património público, para aproveitar.
M. S. – O levantamento que nós fazemos é empírico, de andar na rua, e não sabemos se a casa é pública ou não. Trata-se de, a caminho do trabalho, tirar uma fotografia, apontar a morada e [prestar atenção a] janelas partidas ou portas entaipadas, cadeados, correio acumulado, portas que se vê que já não abrem há muito tempo, esse tipo de coisas. Mas sendo a maioria dos devolutos edifícios em bom estado, fica complicado identificar.
B. A. – O que torna o nosso levantamento ainda mais significativo porque só na Rua de Santa Catarina e na Rua da Alegria identificámos [edifícios] suficientes para alojar as pessoas da lista de espera da Domus Social duas vezes.
G. – E foi com base nessa observação empírica, ou seja, os fogos estão todos em mau estado?
M. S. – Sim, é tudo obviamente devoluto. Tentamos ter a certeza de que não vive lá ninguém.
B. A. – Nós pomos sempre a ressalva: se não for digam-nos e nós tiramos.
M. S. – Estamos a colocar no mapa, e tendo o mapa em CAD do Porto medimos a área e fazemos uma estimativa de quantas casas cabem no edifício, no terreno (estando o terreno também devoluto) e tentamos aplicar a proporção da habitação social. Na lista, há x percentagem de necessidade de T1, T2, T3, portanto, tentamos aplicar essa percentagem e ver o bolo das casas que poderíamos ter.
B. A. – Os devolutos são provavelmente o paradigma da habitação desde sempre. No século XVIII, já se dizia que os devolutos chegavam para realojar toda a gente, portanto agora ainda chegam mais porque ainda há mais construídos e há mais devolutos.
M. S. – E há um desinteresse total das pessoas porque já não choca ver um sem-abrigo a dormir em frente a um edifício que está devoluto. Ninguém está a questionar que aquela pessoa podia viver ali, e, se calhar, depois conseguia arranjar um trabalho e conseguia todas essas coisas que vêm da base de ter uma casa.
B. A. – Nós vemos questionar imenso o alojamento local, e com razão, porque diminuiu o mercado de arrendamento e aumentou as rendas, mas há muitos, muitos mais devolutos do que alojamentos locais.
M. S. – E promovem a especulação.
B. A. – Se fôssemos à Praça da Corujeira há 10 ou há cinco anos, alugávamos lá uma casa por 300 ou 400 euros, quando no Bonfim já custava 800. Agora as casas lá estão caríssimas, e quando acabar o terminal [intermodal de Campanhã], a reabilitação do próprio parque e do matadouro [o espaço vai acolher projetos de índole cultural e social], as rendas vão aumentar muito mais. Vão tirar aquelas pessoas que vivem lá com rendas baixas. Não podemos desligar o que aconteceu no Monte da Bela [atrás da Praça da Corujeira] deste plano de reabilitação de Campanhã.
M. S. – Apesar de terem passado 10 anos, se compactarmos a história, houve moradores despejados, casas demolidas, e agora aquilo vai dar lugar a pessoas que vão poder pagar rendas mais altas. Apaga-se esta memória do que era ali, de que aquelas pessoas foram brutalmente escorraçadas das suas casas, foram divididas das famílias. Já é toda uma coisa nova, é o Monte da Bela, até mudou de nome, e é todo um esquema.
B. A. – É o que vai acontecer com o Aleixo. O processo é sempre o mesmo.
M. S. – O alojamento local promove a especulação e os devolutos também, porque para além de haver a questão da oferta e da procura – se os edifícios não estão a alugar nem a vender, diminuindo essa oferta o preço aumenta. Outra questão é que os investimentos públicos em infraestruturas como o terminal ou o metro valorizam os terrenos privados e fazem com que as rendas dos privados subam, e mais vale um privado ter a casa fechada e esperar que surja ali uma estação de metro, que apareça ali um parque ou um centro cultural e depois vender com muito mais lucro.
B. A. – Não é um mau negócio. Nós estamos aqui sempre a falar mal do Estado, mas achamos que a solução passa por um Estado, só que não é este. Nesta questão, eu não vou culpar o investidor que comprou aquilo para vender daqui a 10 anos porque vai ganhar muito dinheiro.
M. S. – Está a fazer o que pode com o que lhe deixam fazer.
B. A. – Ainda por cima, está a cumprir a lei. O problema é mesmo o que ele pode fazer. O que nós estamos a trabalhar é pôr em confronto o direito à habitação e o direito à propriedade, que são dois direitos constitucionais, e também não estamos a fazer um discurso de abolição da propriedade privada e de invasão da casa de toda a gente.
M. S. – Uma casa habitada é propriedade pessoal, tem um valor de uso para aquela pessoa, ao passo que a maioria dos devolutos que vemos, apesar de haver alguns que são esperas até à reabilitação, são edifícios que perderam totalmente o seu valor de uso e só estão a servir através do seu valor de troca.
B. A. – Não é nada saudável o uso da propriedade e a definição constitucional que estamos a fazer da propriedade privada está claramente a prejudicar a constitucionalidade do direito à habitação, mas isso também parece não ser um assunto. Mas quanto às reivindicações e ao que se pode fazer em relação aos devolutos, aí é que eu diria que fica muito difícil. A política fiscal pode ser útil na questão de ativar reabilitações e ativar o mercado.
O que nós achamos que pode acontecer a longo prazo com esta política fiscal, e que motivou o referendo de Berlim, é termos um banco ou um Mário Ferreira que, de repente, é proprietário de 700 mil apartamentos no Porto. E, de repente, já não é o mercado a definir o valor de renda com vários proprietários, é o Mário Ferreira que está a determinar o valor de rendas do Porto. Parece-me que isso é perigoso porque o Porto é uma cidade historicamente de proprietários e há muitos devolutos que são de proprietários que vivem noutra casa mas não têm dinheiro para reabilitar aquela, ou heranças indivisas que, com venda forçada, podem ser compradas por fundos imobiliários e empresários individuais, que conseguem comprar e até manter ali um IMI a ser pago, à espera de uma oportunidade de investimento significativa, o que pode criar um monopólio na cidade.
Depois existem algumas ideias, que passam por tomar posse administrativa, reabilitar, pôr a arrendar com rendas controladas – seja acessível, seja condicionada, seja apoiada –, e quando se reaver o dinheiro, devolver a casa ao proprietário. Parece daqueles pensos rápidos, mas daqueles que nem colam muito bem porque estamos a reabilitar a casa, até estamos a garantir o direito à habitação durante 20 anos ou o que seja, mas, passados esses 20 anos, a casa volta para o proprietário, há especulação outra vez, rendas altas outra vez, volta o jogo outra vez.
G. – Quase todas as medidas têm essa característica: é tudo a prazo.
M. S. – Isso é porque não há um plano e depois chegam os fundos e temos de os aplicar à pressa com planos para remediar porque não temos um plano a sério para garantir o que é um direito.
B. A. – Depois, o que poderia garantir uma estabilidade maior, a expropriação, também não está desenhada para garantir o direito à habitação ou para garantir qualquer direito. A expropriação está desenhada para garantir o direito à propriedade ou para garantir que o direito à propriedade vai ser valorizado na hora da expropriação. A A1 vai passar aqui, vou comprar este terreno que tu não usas por um valor completamente absurdo. E quando isso começasse a acontecer (duvido que fosse possível passar isso) em massa ia ser um descalabro. Os preços aumentavam e era impraticável porque o preço da expropriação para garantir o direito à habitação não pode ser igual aos preços que existem agora porque é impossível o Estado financiar essas expropriações. No entanto, parece-nos que o caminho tem de ser reformular a política de expropriação, porque também não nos faz sentido estar a construir prédios novos em sítios onde não há centros de saúde, não há comércio, em que não há metro, não há autocarro, quando existem tantos edifícios. Uma pessoa que trabalhe na Foz, viva em Valongo e vá de autocarro passa por milhares de edifícios devolutos. Podia viver em qualquer um, mais perto do trabalho, mas vive ali.
M. S. – Essa ideia da propriedade e de ser proprietário, que também foi construída por causa dessas décadas de política de apoio ao crédito, também não é verdade. Há muita gente que não é proprietária, paga uma renda ao banco, ou seja, está um bocadinho mais segura mas pouco, porque quando há perdas de emprego fica na mesma vulnerável. Mas há muito essa ideia de que são proprietários, e então não se juntam ao lado da luta por habitação dos inquilinos.
G. – O que é que falta para casar esta realidade dos 723 214 fogos devolutos face a 25 762 famílias com carências habitacionais que o IHRU identificou no Levantamento de 2018?
B. A. – Dá para 38 vezes.
G. – Mesmo que não haja uma sobreposição exata em termos de localização geográfica, continuam a sobrar imensos edifícios, portanto essa sobreposição deve dar para fazer de uma forma mais ou menos aproximada. Deve-se ir pela via legislativa, melhorar os mecanismos de expropriação para agilizar esta parte dos devolutos?
M. S. – Eu não sei se há alguma coisa que o governo português, mesmo que quisesse muito, pudesse fazer. Uma política que quisesse encaixar essas realidades nos devolutos mais próximos de onde as pessoas já estão… eu acho que a Europa não deixava. Por muito bem desenhado que estivesse o 1.º Direito, uma coisa que questionasse a propriedade privada e os ativos imobiliários dessa maneira não sei se teria pernas para andar no contexto atual geral da habitação de Portugal e da Europa.
B. A. – Há um certo número de coisas que dá para fazer no sistema que temos. Acho que essa não é uma delas num sistema em que tem muito mais força o dono do BES ou o dono da EDP do que uma massa de pessoas a pedir a chave de uma casa que a câmara não vai usar. Mesmo que um governo de esquerda ou de extrema-esquerda facilitasse a lei da expropriação e começasse a realojar, isso ia ser claramente um problema, ia haver conflitos, ia haver intervenção europeia. Há coisas que só se conseguem ver no espectro mais revolucionário. Das coisas que se podiam fazer imediatamente, eu acho que uma delas era fortalecer a máquina do Estado.
M. S. – E aumentar o parque público.
B. A. – Sim, fortalecer a máquina do Estado para conseguir aumentar o parque público, para conseguir gerir. Não há produção nenhuma do país para termos um orçamento de Estado que meta mais do que 100 milhões para habitação. Houve um ano em que o 1.º Direito teve 86 milhões, o que dá para 300 casas, se der para tantas. Isso não é nada. Mas vivemos no período inverso de enfraquecer o Estado, de enfraquecer as instituições públicas.
M. S. – É a ideia de ter um Estado forte, mas sem investir no Estado, é [uma ideia] utópica.
B. A. – Um Estado que quisesse resolver isso tinha de nacionalizar a EDP. Não faz sentido estarmos a pagar 35 euros por uma botija de gás para aquecer a casa e eles terem 735 milhões de lucros a dividir. Eles fazem isto três vezes ao ano, só as casas que isso dava para construir era significativo.
M. S. – Mas a questão é essa. O mercado lucra muito mais com coisas básicas, ou seja, tudo o que seja necessidades básicas é o melhor mercado que podes ter.
B. A. – Executar o 1.º Direito era obviamente uma coisa boa.
M. S. – Também não sei se há dinheiro do PRR para executar tudo o que dizem as ELH.
B. A. – Só há dinheiro para as tais 26 mil, mas com o restante financiamento, do Orçamento de Estado, executar o 1.º Direito era uma coisa positiva, mas não ia resolver o problema da habitação porque não há capacidade para dar resposta a tantas pessoas e porque eventualmente vai acabar, as casas vão voltar para os privados, o problema vai renascer, e depois porque o leque de rendas não condiz com os rendimentos que as pessoas têm. Obviamente que era preciso alterar algumas coisas.
M. S. – Se fosse para começar por algum lado, tudo o que se planeia fazer de habitação pública deveria ser para quem mais precisa e não haver estes jogos perversos de aumentar as rendas e haver casas públicas que estão a servir a própria gentrificação de certas zonas. Pelo menos isso.
B. A. – No Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL), em dois anos foram construídas duzentas e tal mil casas. O 1.º Direito em quatro anos construiu zero. É claramente uma questão de vontade.
M. S. – Há o tal contexto que não te deixa ter vontade.
B. A. – Sim, o contexto e obviamente o facto de as pessoas estarem muito mais desesperadas no pós-25 de Abril.
M. S. – Houve muita autoconstrução e todas essas coisas. Quando as pessoas têm dois trabalhos, 50 ou 60 horas semanais com ordenados miseráveis, não querem chegar ao fim de semana e ter de construir a sua própria casa. Não querem nem devem [ter de o fazer]. É uma função do Estado.
B. A. – Há cidades da Europa que estão a experimentar o controlo de rendas, ou seja, tetos de renda. Acho que ainda não há dados suficientes para dizer se resulta ou não. Se nós fizéssemos isso aqui com a renda acessível, o mercado em dois anos adaptava-se e ficava tudo igual, ou seja, teríamos de fazer isso com uma renda condicionada ou com outra tabela qualquer, que não dependesse de valores especulativos. Acho que é difícil responder a essa pergunta do que dá para fazer pelo facto de a habitação ser esse contexto tão disruptivo da lógica que temos agora. Fazer qualquer coisa na saúde se calhar é mais fácil por ser uma coisa que está mais consolidada naquele sentido. A habitação é tão disruptiva que qualquer coisinha é uma mudança estrutural na forma como está a ser pensada agora.
G. – Como se pode dissociar o desenvolvimento de infraestruturas, seja de transportes, seja culturais, tudo o que melhora a qualidade de vida das pessoas, sem que isso tenha o efeito de correr com elas do sítio onde vivem, ou seja, sem que tenha um efeito gentrificador?
M. S. – Nós somos súper a favor de investimentos públicos em infraestruturas. Agora, o matadouro é um investimento público, mas se calhar uma pessoa que viva em Campanhã não se vai sentir sequer bem no matadouro, não é um espaço que esteja a ser desenhado para ela. Já está a ser desenhado para a camada de população que vem a seguir.
B. A. – Uma coisa que é feita em Barcelona, e não digo que é uma coisa com que nós concordemos, nem sequer discutimos e à partida parece-me um bocado classista, é [o poder público] fazer investimentos no espaço público e comprar os terrenos à volta daquele espaço para fazer habitação social. E depois as pessoas já não querem comprar, ou seja, compram na mesma porque vale mas não vale tanto porque tem ali habitação social. A lógica é nojenta, mas se funcionar à partida é uma boa política. Estão a arranjar casas para as pessoas, estão a controlar teoricamente os preços das casas, estão a reabilitar o espaço público. Eu estou a admitir que isto funciona tudo, não sei se funciona mas é a lógica do pensamento. Mas o que nós vemos, por exemplo com os artistas, é claro: o território é barato, eles vão para lá, e depois as casas ficam mais caras porque valorizam com o dinamismo.
M. S. – Passam a ser cool.
B. A. – E depois os próprios artistas são despejados porque já não conseguem viver com as rendas que são cobradas a seguir. Obviamente que isto não é culpa dos artistas. Os artistas não são os culpados da gentrificação. É a falta de controlo do processo de rendas.
M. S. – E também a promiscuidade que se vê quando tens os agentes económicos a participar em discussões sobre onde vai ser a próxima estação de metro. Não tem nada a ver com os residentes, não tem nada a ver com o que as pessoas ali à volta querem, tem que ver com os interesses económicos que se mobilizam para decidir que vai passar por aqui porque aqui tenho os meus barcos e quero uma estação de metro porque facilita-me o negócio e pode levar as pessoas de um negócio meu a outro negócio meu. Quando as decisões são tomadas assim é muito difícil, a posteriori, tentar evitar que haja gentrificação em determinado território.
B. A. – Jogar com diferentes formas de propriedade, cooperativas, estimular essas coisas, aumentar o parque público e de gestão.
M. S. – Não dá para ter o bolo e comê-lo. Se quiserem fazer alguma coisa têm de o fazer em todas as frentes que conseguirem, porque se não for por um lado será pelo outro e o capital acaba sempre por ganhar.