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Helena Magalhães:“O Book Gang surgiu para criar leitores”

Portugal é um dos países da União Europeia onde menos se lê. Em 2019, Helena…

Texto de Patrícia Nogueira

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Portugal é um dos países da União Europeia onde menos se lê. Em 2019, Helena Magalhães, escritora e jornalista freelancer, lançou o Book Gang, um clube do livro online. O objetivo? Pô a geração digital a ler.

Nos últimos anos, alguns estudos mostram que Portugal é um dos países da União Europeia onde menos se lê, com 40% dos portugueses a lerem apenas um livro por ano. Podemos encontrar culpados para os baixos números que Portugal apresenta todos os anos? Será o ensino, as editoras, ou a geração digital que não tem tempo para ler?

Helena Magalhães começou a ler quando ainda era criança para contrariar o gaguejar. A pressa de contornar a situação levou-a a ser a primeira da sua turma a saber ler. Os livros eram um escape, porque, se falar era complicado, no papel as palavras não se atrapalhavam. Entre Alice Vieira e Harry Potter, foi lendo tudo aquilo que conseguia e lhe interessava no seu universo para controlar a sua dicção. Estudou Políticas Sociais e Criminologia, mas foi o jornalismo que a fez voltar às palavras e hoje é escritora, jornalista freelancer, e autora do Book Gang e da Magapaper, onde cria agendas e notebooks feitos à mão para incentivar a escrita. “Diz-lhe que não”, foi o seu primeiro livro, seguido de “Raparigas como nós”, mas foi com o Book Gang que Helena Magalhães pôs o publico e as editoras a pensar.

Em janeiro de 2019, a escritora foi ao encontro dos leitores e criou o Book Gang para juntar, num único espaço, as suas sugestões de leitura. Começou por lançar o desafio de ler em conjunto, A Grande Solidão, de Kristin Hannah e o sucesso foi imediato, tendo o livro se tornado viral no Instagram. Os leitores começaram a aparecer, a comunidade a crescer, numa procura por descobrir boas sugestões, novidade, e ler em conjunto. O Book Gang tornou-se num clube do livro online, e hoje tem uma box de subscrição mensal em que os leitores recebem em casa os livros do mês para ler. Segundo Helena Magalhães, “os leitores de hoje estão no digital e a literatura em Portugal tem de se adaptar a esta nova forma de comunicar e vender livros. O fraco incentivo à leitura, a falta de representação dos livros nos media e redes sociais e o tabu em torno da literatura atual levaram à crise literária que se vive em Portugal”. Helena é uma voz ativa, não só no incentivo à literatura em Portugal, mas no papel das mulheres no mundo literário português.

Em entrevista ao Gerador, Helena Magalhães falou mais sobre o projeto, o estado da literatura e como funciona o mercado português. Explicou-nos ainda a importância de falar no feminino e como o importante no mundo dos livros, é não ir pelo caminho mais fácil.

Gerador (G.) – A tua formação nada tem que ver com o universo literário, no entanto, passaste pelo jornalismo e agora és escritora e tens o teu negócio na área da literatura. Podes contar-nos um pouco do teu caminho?

Helena Magalhães (H.M.) – Eu sempre escrevi. Nunca fui aquela miúda sobre quem diziam que ia seguir isto ou aquilo, na verdade, não tinha apetência para nada de especial, porque não gostava de nada em particular, escrevia apenas muito como um hobby. Na altura, o perfil feminino não era representado nos livros. Há 20 anos, não havia representação feminina na literatura, muito menos jovem. Saíamos da escola, e acho que muito pouca gente tem essa noção, sem termos lido uma única mulher.Quando acabei o 12.º ano, não sabia o que ia fazer, não me via como jornalista nem coisa parecida, então parei um ano. Nesse ano em que estive parada, envolvi-me num projeto do Conselho de Refugiados, do qual gostei muito, e pensei que gostava de trabalhar com mulheres nas fronteiras, então decidi seguir Política Social – no primeiro ano, percebi logo que não era por ali também. Depois, comecei a trabalhar na área de violência doméstica e fiz parte de um projeto europeu na integração de jovens na igualdade de género, e isso acabou por mover a minha vida toda. A certa altura, simplesmente percebi que nada daquilo era o que eu queria fazer. Eram tudo ideias imaginárias do que eu poderia fazer para ter uma voz. Quando surgiu a oportunidade de trabalhar numa revista, aceitei. Por vezes, damos imensas voltas na vida, mas vamos sempre onde temos de ir, porque foi algo que surgiu e mudou a minha vida toda, até hoje. Não acho que o meu percurso seja incongruente, porque não acredito que uma tem de tirar um curso e trabalhar nisso a vida inteira, dá-nos bagagem e faz-nos crescer. Mas, cada vez mais, acredito na ideia do destino, porque a verdade é que o objetivo inicial não era vir parar à escrita e hoje estou aqui.

Todos os meses o Book Gang  lançada várias sugestões de leitura para a comunidade ler em conjunto.

G. – O teu trabalho sempre esteve no caminho da causa feminina, foi daí que surgiu o Book Gang?

H.M. – O Book Gang surgiu para responder a um problema pessoal. Eu sabia que o meu livro não ia estar à venda em lado nenhum, e que não ia haver comunicação porque não há comunicação de livros em Portugal. Na altura pensei que os livros tinham de estar no digital, porque é onde está toda a gente, por isso pensei em criar uma comunidade. Foi algo sem qualquer estratégia, era apenas para responder a uma necessidade pessoal, sem sequer imaginar que viria a ser algo grande.

G. – De certeza forma, trouxeste um novo conceito para o digital, e criaste uma nova comunidade em Portugal…

H.M. – O meu foco, desde o início, foi criar leitores, trazendo para o Book Gang literatura contemporânea e moderna. O Book Gang surgiu para criar leitores, algo que não se faz em Portugal, por isso é que somos os últimos da Europa.

G. – Podes explicar como funciona o Book Gang?

H.M. – Para contextualizar um pouco, eu sempre achei que as pessoas não leem porque não sabem o que podem ler, ou porque tiveram experiências erradas nas lojas, tal como eu já tive, porque entramos numa loja, olhamos para a montra e para o que está no top de vendas e acreditamos que são livros bons que estão a vender muito, mas não. As pessoas levam para casa, começam a ler e não gostam, depois pensam que o problema é delas porque, se está no top de vendas e não gostam é porque os livros não são para elas. Então todos os anos perdemos milhares de leitores. Eu acredito que as pessoas não estão a descobrir os livros certos, porque os livros bons, que estão a chegar ou que saem em Portugal, não são os livros que estão destacados nas livrarias, os que estão destacados são os que são fáceis de vender, de autores já conhecidos e estabelecidos. Não me espanta que em Portugal, em 2020, o mais vendido tenha sido Nicholas Sparks e Sveva Casati Modignani (o que se lia em Portugal nos anos 90), porque é o que é colocado nas prateleiras para a geração que já lê (a geração dos 50), então a minha ideia é totalmente o oposto: quero trazer os livros que vão cativar as pessoas para a leitura. Então o Book Gang começou como um desafio. Todos os meses pensava em um ou dois livros que estavam a sair e desafiava a comunidade a ler para podermos trocar ideias, conhecerem outras pessoas na comunidade. Começou também online, já sabíamos que não ia ser presencialmente. Durante seis meses, levei tudo numa brincadeira, mas, quando chegou a Feira do Livro de Lisboa, em junho, comecei a ser contactada por editores que me diziam que estava a haver uma procura muito grande pelos livros que eu tinha promovido naqueles seis meses. Foi aí que comecei a perceber que aquilo era algo mais sério do que eu pensava e que, de facto, havia muitas pessoas a acompanhar-me. Comecei a pensar que talvez tivesse de criar uma estratégia e algo mais real, com mais potencial e focado, não tanto na ‘brincadeira’.

G. – Quais são as queixas de quem chega à tua comunidade, porque é que as pessoas não gostam de ler?

H.M. – Há muita gente que sai da escola e nunca mais pega num livro porque levamos com aquela dose de livros absurda, que não faz sentido em 2021, e criamos toda esta geração que não tem interesse. Os livros também não estão representados em nenhum lado, não vemos figuras públicas, nem nos programas de televisão. O que existe sobre livros na televisão é para um nicho de 50 anos. Os programas que abordam livros são chatos, não são para as camadas jovens. E os poucos que saem nos jornais são, novamente, para as pessoas de 50 e 60 anos, e isso não faz sentido nos dias de hoje. Por exemplo, mais uma vez, os Globos de Ouro servem para premiar tudo (até existem novas categorias), menos literatura. Não é de estranhar que sejamos o país da europa em que se lê menos. Basta olharmos para o exemplo de Espanha que promove programas de televisão com clubes do livro. Ou o Reino Unido, em que duas mulheres têm um clube do livro mensal e o livro que escolhem todos os meses torna-se um best seller. É absurdo quando chegamos a Portugal e não há um único programa de televisão.

G. – Achas que também pode ser pelo valor dos livros, ou pelas capas, por exemplo?

H.M. – Começa na educação. No facto do nosso programa escolar ser profundamente antiquado. Claro que não se devem tirar os autores clássicos do programa, têm de estar lá e têm de ser conhecidos, mas do 10º. ao 12.º anos, o programa de Português é absurdo, e claro, criamos geração atrás de geração de miúdos que vão odiar ler. O mundo mudou mais nos últimos 10 anos do que nos últimos 30, é acelerado, e o programa não se adaptou. Os livros são caros porque temos muitas condicionantes, o mercado é pequeno, porque nem sequer os brasileiros querem consumir os livros portugueses. Os livros são caros porque as tiragens são baixas. Se as pessoas lessem mais os livros eram mais baratos, é um pau de dois bicos.

G. – Para além de apresentares novos autores, o que tentas passar no Book Gang para que as pessoas comecem a ler mais, principalmente os jovens?

H.M. – Acima de tudo, tento desconstruir a ideia do que é a leitura, e do que é a imagem de um escritor em Portugal. Quero dar a conhecer escritoras portuguesas novas, modernas com novas vozes, e tirar a ideia pré-concebida do que é ser um escritor, porque é uma ideia conservadora e um pouco preconceituosa. Depois vem a desconstrução da leitura. A maioria das coisas que as pessoas mais novas me dizem é que não leem há anos, e que tentaram ler e não gostaram. Esse é o maior problema de todos. Um problema que continua a ser fomentado por todas as entidades responsáveis por fomentar a leitura em Portugal, essas são as mesmas que atrasam o mercado e estigmatizam a leitura, afastando-a das novas gerações. Há uns tempos, numa conferência, uma editoria dizia que se calhar era mesmo assim que tinha de ser, que talvez os livros fossem só para uma elite e se os jovens não compreendem os livros é porque não vale a pena. Eu achei chocante que um editor, que devia ter a noção de que o seu trabalho depende da existência de leitores, ache que os livros são para uma elite e por isso não vale a pena abrir o mercado. Esta editora disse ainda que, se um livro não for muito vendido é porque é bom, é sinal que não foi compreendido – esta ideia está tao enraizada no nosso país. Todas as entidades são geridas por pessoas da velha guarda e tão cedo não vai haver uma mudança, um refrescar de pessoas novas a entrar. Há ainda outro obstáculo: a falta de comunicação de livros em Portugal. Esta falta leva a que quem vende, seja quem comunica. Quem vende não está preocupado em mudar os hábitos de leitura, mas sim em vender.

G. – Quando lançaste os teus dois livros, tentaste abordar esses pontos de venda?

H.M. – Eu tive uma sorte incrível. Apesar das diretrizes, os livreiros nas lojas acabam por ir mexendo nos livros conforme o que vão gostando e, se um livreiro gostou muito de um livro, ele vai querer destacá-lo, e eu acabei por ter sorte. Quando lancei o meu livro, tinha muitos livreiros a seguir-me e que me ajudaram e deram um input engraçado, mas é algo raro. É difícil para os livreiros fazerem isso com tudo o que sai, principalmente quando os destaques são dados a quem paga, porque todas as prateleiras são pagas. Quando saiu o meu segundo livro, já estava mais atenta e a entender como as coisas funcionavam, no entanto estava continuamente a comparar-me com outros autores e aquilo deixava-me frustrada, porque pensava que não havia forma de mudar o panorama, de fazer uma tour por todo o país. Dois meses depois de ter publicado o livro a editora disse-me que tinha sido o livro mais vendido nesse ano, tinha-se tornado viral e percebi o porquê. Percebi que tinha algo que os outros autores não tinham, eu estava no digital e o digital é que move o mundo hoje em dia. Quem move o digital vai conseguir vender e penetrar no mercado. E é o que tenho tentado fazer com as autoras mulheres portuguesas que trago para o Book Gang, ser como uma porta de entrada.

G. – Como fazes essa seleção?

H.M. – É muito ingrato. Não consigo escolher tudo e acabo por pensar não tanto no meu gosto pessoal, mas num prisma de se o livro tem potencial para cativar pessoas que não leem autores portugueses. Tento concentrar-me nisso. Não procuro o livro mais bem escrito à face da Terra, procuro histórias que cativem as pessoas, porque aquilo em que o mercado português se centra são só em livros que engrandecem a língua portuguesa, mas ninguém quer ler esses livros. Hoje em dia, estar numa linguagem mais coloquial, ou estar numa escrita não tão elaborada, não é relevante, porque procuro histórias de mulheres que cativem, que criem novos leitores e possam chegar àquelas pessoas que não têm por hábito ler autores nacionais. E eu percebo o porquê também, porque em Portugal os autores estão divididos em dois polos, e tudo o que está no meio desaparece: ou é um autor romântico ou um autor literário. E eu tentei focar-me nisso, há tanta coisa moderna e cativante, tantas pessoas a escrever histórias incríveis. Depois, como já referiste, é o tal problema das capas, que assassinam os livros. Podemos ter um livro que é um fenómeno lá fora, mas chega a Portugal e perde a força, porque em 2021 ainda estamos a discutir capas com as editoras. Como é que chegamos a este ano e as editoras ainda estão estagnadas no marketing digital? A forma como as editoras trabalham e vendem no digital é muito importante para mudar o mercado. Infelizmente, isso não vai mudar tão cedo, não é um mercado com muito dinheiro para apostar em inovações, apenas investem no que é seguro e que pode dar menos prejuízo (mas que a longo prazo dá muito prejuízo).

G. – Porque decidiste criar no feminino e para o público feminino? Ou também existem homens nesta comunidade?

H.M. – Temos homens, mas são muito poucos. Decidi concentrar-me no feminino porque vivemos num país misógino, e durante muitos anos os homens dominaram a literatura, e por isso foquei-me em autoras mulheres, mas também trago homens. Por exemplo, já trouxe um jovem que escreveu uma história em torno da violência contra as mulheres na Índia. Achei que era importante para dar a conhecer um país que ainda mata muitas mulheres todos os anos. Mas, acima de tudo, 90% são mulheres, porque nos últimos 100 anos Portugal só abriu portas aos homens, e já chega.  

G. – Que conselhos dás a quem quer entrar no mundo literário, editar o seu livro e está a começar?

H.M. – O primeiro conselho é para as pessoas não irem pelo caminho mais fácil, que é ir pelas publicações com editoras, que são um negócio gigante em Portugal, porque o nosso mercado é pequenino e as editoras não conseguem dar resposta, às vezes até digo a brincar que não são editoras, mas gráficas. Quando as pessoas escolhem essas, baixam a probabilidade de ter sucesso, de ser descoberto ou de ter um bom potencial de história. O segundo é: têm de ler. Têm de ler porque se aprende muito a escrever enquanto se lê. Não acho que seja algo que nasce ou não connosco, mas é algo que se treinar e se pode melhorar. Claro que teres uma boa história ajuda, mas, acima de tudo, não vão pelo caminho mais fácil, pelo caminho das vanity publishers em Portugal. Diz-se também que se publica muito em Portugal, e é verdade porque essas editoras publicam às centenas por mês, e o mercado é pequeno, as editoras não conseguem dar resposta aos manuscritos que recebem. O mercado está muito estagnado e acaba por ser mau para toda a gente, porque os novos autores não têm potencial para mudar o mercado, mas as editoras não têm capacidade para publicar novos autores, porque não vão ser publicados em lado nenhum, e mais uma vez temos aqui um pau de dois bicos. No entanto, a culpa não é das editoras, é do mercado, da imprensa, porque acredito que se houvesse espaço para divulgar autores, as editoras iam pegar neles. A maior responsável, para mim, é a imprensa. Lá fora há um apoio brutal aos novos autores, porque lá fora os meios de comunicação são enormes e aqui temos quatro canais e meia dúzia de jornais. Lá fora há um apoio brutal e temos autores cujo livro nem saiu e já se tornou um best seller, porque há uma aposta nessa promoção. Aqui em Portugal não há qualquer interesse nisso. Mas é isso: não desistam e leiam muito.

Entrevista por Patrícia Nogueira
Fotografias de Aline Macedo

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