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Indústrias criativas: a diversidade soma, não subtrai

Nas Gargantas Soltas de hoje, Airton Cesar Monteiro aborda a diversidade nas indústrias criativas e a ação afirmativa.

Passaram-se sete anos desde o início do protesto por maior diversidade nos Óscares, marcado pelo hashtag #OscarsSoWhite. Era o segundo ano consecutivo sem uma nomeação de uma pessoa não branca para uma das categorias de atuação. Na edição deste ano, fez-se história quando Halle Berry, única vencedora negra de melhor atriz principal, chamou Michelle Yeoh ao palco para receber a estatueta dourada e tornar-se na primeira mulher asiática a receber o prémio nesta categoria. 

Na altura do protesto levantaram-se muitas questões interessantes, mas aquelas que mereceram tempo de antena para debates foram bastante superficiais — e continuam a ser as mesmas a ter destaque quando se fala de diversidade e inclusão. “Quotas para prémios? E a meritocracia? Só estão a desvalorizar os prémios.”  

O problema estava, e continua a estar, em quem toca as decisões. As nomeações são feitas por  mais de seis mil membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas — um grupo na altura formado por uma vasta maioria de homens brancos de meia-idade. Ou seja, a falta de diversidade nas nomeações foi consequência da falta de diversidade no conjunto que nomeia. A Academia tomou medidas como retirar o direito de voto àqueles que não foram ativos na indústria na última década e a contratação de novos membros, cuja identidade representasse “maior diversidade”  — mais mulheres, mais jovens e mais não brancos.  

Os críticos destas medidas de ação afirmativa fizeram-se ouvir, especialmente contra este último grupo: o direito de voto atribuído a novos membros representantes de minorias étnico-raciais não  levaria a nomeações enviesadas? Não estariam a ameaçar a meritocracia? Estas foram algumas das questões levantadas, mas as melhores respostas seriam outras perguntas: os votos de homens  brancos com mais de cinquenta anos são os únicos isentos de parcialidade? Quem é que pode,  afinal, representar o universal? 

A meu ver, ninguém pode representar o universal, nem há necessidade de tentar fazê-lo. Cada  indivíduo, com a sua singularidade, acrescenta subjetividade ao grupo em que está inserido. As  diferentes sensibilidades não subtraem credibilidade à Academia. Pelo contrário, só a enriquecem. E a diversidade de perceções consegue-se com a criação de um conjunto de pessoas com backgrounds e vivências diferentes. Foram medidas corajosas, mas necessárias para colmatar desigualdades maiores na indústria. 

Por cá, também há quem faça por acrescentar diversidade às indústrias criativas. É o caso do  projeto Zona II, fundado por Wil Carvalho, Copywriter, e Maria Goucha, Diretora de Arte, ambos  sócios do Clube da Criatividade de Portugal (CCP). Com início em 2021, o projeto tem como  missão gerar uma alternativa profissional dentro da indústria criativa e potenciar talentos que se  encontram na periferia— geograficamente, mas não só. 

Tal como quem criticou a Academia dos Óscares na altura, estes criativos notaram a falta de  diversidade em quem trabalha neste mercado. Segundo o Wil, o que os motivou a criar este projeto  foi “chegar à indústria e vermos uma bolha só com as mesmas pessoas e tanto talento do lado de fora que a podia enriquecer com novos insights, visões e vivências.” Se no caso dos Oscars o  problema estava em quem tinha o poder de indicar, aqui o problema não estava necessariamente  nos recrutadores. Não tem de haver uma culpa a ser atribuída. 

Repararam que a indústria criativa não era apresentada como uma saída profissional nas escolas  da periferia de Lisboa, tornando-a inacessível aos milhares de jovens dessas zonas. Os muros invisíveis impedem que esses estudantes sejam impactados com uma possibilidade de carreira, mas acima de tudo de aproveitamento de talento. Por isso, têm feito um trabalho de aproximação desses territórios ao mercado criativo através de parcerias com escolas e centros de formação em design, publicidade, realização, etc. A única exigência é o 12º ano de escolaridade, requisito das  escolas que atribuem as bolsas. 

Como todas as propostas de mudanças estruturais, os maiores desafios que enfrentaram em dois  anos de atividade foram a necessidade de explicar a importância deste tipo de projetos e lidar com o mito da ameaça à meritocracia. A Zona II não é projeto de caridade, especialmente se “a maior beneficiada é a própria indústria, que passa a ter acesso a novos talentos e sensibilidades”, diz a  Maria, orgulhosa de realizar “um projeto com recursos mínimos, tanto financeiros como humanos.” Mesmo assim, sentem que devido ao distanciamento as oportunidades criadas continuam a escapar a um público a que realmente queriam chegar. 

O próximo passo para a Zona II é tornar-se autossuficiente e para isso é necessário ter capital  humano. Juntaram-se à Joana Mouta, da Associação Passa Sabi, para se candidatarem a fundos europeus e procurarem patrocínio de marcas. Por agora, têm candidaturas abertas até 7 de maio  para as vagas em escolas parceiras no próximo ano letivo. Convém reforçar que o que projetos como a Zona II fazem não é incompatível com a meritocracia. Pelo contrário, só a solidificam. Um dos objetivos é potenciar talentos periféricos através da formação para que possam “competir” no mercado. Outro objetivo é sensibilizar os decision makers para a necessidade de acrescentar perspetivas ao mercado. Nenhum destes objetivos implica retirar a oportunidades. A diversidade soma. Não subtrai.

-Sobre Airton Cesar Monteiro-

Airton Cesar Monteiro é imigrante cabo-verdiano, licenciado em Relações Internacionais (não praticante) e convicto agitador social. Dedicado a escrever sobre mudanças sociais, cultura e o que mais lhe apetecer.

Texto de Airton Cesar Monteiro
As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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