A exposição “Influences”, da fotógrafa Cidàlia Alves, encontra-se na MUXIMA GALLERY até ao dia 2 de Janeiro de 2020.
Esta série da artista visual francófona foi realizada a partir do trabalho de Maria Helena Vieira da Silva, com o qual teve contacto, pela primeira vez, no Museu Calouste Gulbenkian e, mais tarde, no Museu Arpad Szenes, onde fotografou através de uma janela.
“Influences” foi exposta, pela primeira vez, este ano, na Gallery Art.C, em Paris, mas teve início há sete anos e só foi terminada em 2018. “Quando saí do museu e cheguei a casa, fiz logo o trabalho, a composição da janela. É uma janela que se multiplica várias vezes em largura e altura”, conta a artista, que, nesse momento, não sabia que enquadramento dar à obra, uma vez que se distingue marcadamente dos seus outros trabalhos. Contudo, estão presentes alguns traços onde estes se encontram, o hibridismo de técnicas, como a colagem, a pintura, a soldagem, o elogio do detalhe, a matéria, a textura, através da qual a obra pede para ser tocada, a luz, que, neste contexto específico, evoca "L'issue lumineuse", de Vieira da Silva. Nas instalações, há pontos de luz espalhados por algumas janelas.
ToilePatch#99
ToilePatch#30
Isntallation#33-30
ToilePatch#33L
InstallationPatch#33L
Estes pontos têm origem na infância de Cidàlia Alves. Vivia numa aldeia em condições precárias. O chão era de terra e não havia electricidade. Por isso, diz “a minha infância é a preto e branco”. Para aquecer a casa, utilizava-se uma espécie de lata, onde se faziam brasas para aquecer. “Pequenita, compreendi que, quando se mexia na cinza, havia imagens. Na minha infância não havia cores. Mas, ali, havia cor. Estava a desenhar nas brasas e desequilibrei-me. Queimei a cara toda. Tive meses sem ver nada. Por debaixo da cinza, há sempre aquele vermelho, aquela luz que parece o pôr-do-sol. Apareceu uma luzinha. Aquela coisa que te está a chamar para li. Tudo vibrou em mim”, conta. Reconheceu, em “L’issue lumineuse”, essa possibilidade de “uma saída feliz”, “aquele caminho” que durante toda a vida procuramos, uma espécie de encantamento.
A afinidade com Vieira da Silva também é visível na partilha de dois países, Portugal e França, sendo a portugalidade, em Cidàlia Alves explorada pelo material áspero, a sarapilheira, bem como na presença de um tijolo, que remete para a construção civil, a actividade profissional da maioria dos portugueses emigrados, na segunda metade do século XX, e na dimensão do tempo. Em “Voie de la Sagesse”, Cidàlia Alves vê essa luz central como um resquício de sonho, situado num nível profundo, em contraste com o nevoeiro da actualidade. Acredita que esse resquício se pode encontrar no mundo real. A fotografia é um jogo com o tempo. A vida de Cidàlia também. Quando tinha 4 anos, os seus pais emigraram e, mais tarde, vieram-na buscar. O tempo da espera, da perda, das idas e vindas, da recuperação futura do passado, pois faz agora o que não pôde fazer quando era mais nova, como estudar Belas-Artes em Paris. Olha para a sua história e diz “Está ali qualquer coisa de tragédia com o tempo”. Esta materializava-se, na medida que “queria guardar os papelinhos todos”. No gesto de fotografar, encontra o desejo “de se pegar para guardar qualquer coisa” e as palavras do seu pai, que, constantemente, lhe dizia “Ó filha, nunca esqueças.”. As janelas devolvem-nos a passagem do tempo. É por elas que, quando estamos no interior de uma casa, assistimos à transformação do real, por via da luz. Multiplicadas, formando mosaicos, carregam o desejo de um tempo múltiplo, salvo do que corrompe e morre, onde a luz não se perde, mas costura.
Podes ver aqui o vídeo que acompanha a exposição, realizado pela artista.
Este artigo não segue o Novo Acordo Ortográfico