Para Irene Pimentel, a ideia de que a “PIDE era omnipotente e omnipresente, que escutava todos os telefones e que intercetava toda a correspondência” não corresponde inteiramente à realidade, uma vez que “[a polícia política] não tinha essa capacidade”. A historiadora acredita que a PIDE conseguiu neutralizar as forças da oposição através de uma repressão dirigida particularmente aos membros das organizações políticas: “O seu alvo principal eram todos aqueles que se organizavam politicamente. O simpatizante, o companheiro de estrada podia ser preso, mas, ao fim de um tempo, era libertado”.
Irene Pimentel teceu ainda comentários ao facto dos portugueses viverem assombrados com a possibilidade de estarem a ser vigiados, atitude incutida pelas ações coercivas da PIDE que fomentava a passividade nos cidadãos: “A história de uma ditadura nunca é a história da ditadura e dos seus opositores. É sobretudo a história de como a ditadura, através dela própria, consegue comprar, tornar passiva a população e adaptá-la à ditadura. A PIDE tinha importância porque tinha informadores, que eram membros da população, infiltrados em todas as organizações”, explica.
“O carácter preventivo da polícia política existe em todas as ditaduras”, afirma. Recorda também o contexto do assassinato de Catarina Eufémia, que reivindicava melhores condições de trabalho para os agricultores e assalariados de Baleizão, para exemplificar os métodos preventivos da polícia: “A PIDE foi analisar aquilo que se passava a nível social no Alentejo e fez relatórios quase de opinião pública. [Os relatórios] iam para o Ministério do Interior e diziam ‘atenção que muitos patrões pagam tão pouco [aos trabalhadores] que provocam automaticamente a sua revolta’. E é muito curioso esse aspeto preventivo”.
O projeto de investigação 50 anos de Democracia em Portugal: Aspirações e Práticas Democráticas. Continuidades de Mudanças Geracionais, realizado pelo Centro de Administração e Políticas Públicas do Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas da Universidade de Lisboa, revela que 47% dos inquiridos apreciariam um “líder forte” que não fosse sujeito a escrutínio ou a eleições. Referindo-se às respostas ao estudo, a historiadora explica os motivos por detrás deste fenómeno, reforçando a probabilidade dos cidadãos não equacionarem uma ligação entre as características autoritárias de um “líder forte” e a repressão de uma ditadura. “[Os cidadãos já] não toleram aquilo a que se chama de opressão”, afirma.
“Acho que existe um novo movimento que não pode ser equiparado àquilo que se passava. Os 50 anos [do 25 de Abril] representam mesmo um corte com aquilo que se passa atualmente com o populismo de extrema-direita”, defende Irene Pimentel quando questionada sobre a possibilidade de existirem semelhanças entre as estruturas autoritárias do Estado Novo e a atual ascensão das forças de direita. “Mas há certas democracias que não são assim muito democráticas. Em França, onde os movimentos populistas de extrema-direita estão em ascensão, [o principal partido de extrema-direita] pode ganhar as eleições europeias”, aponta para a subida nas intenções de voto divulgada pelas sondagens.
“Não penso que todos aqueles que votaram [no partido da extrema-direita português] sejam pessoas que querem a ditadura outra vez ou que querem uma ditadura igual. [Os indivíduos] não se sentem representados pelos partidos que até agora os representavam na democracia e, sobretudo, já não se veem representados na democracia”, de acordo com a investigadora, o crescimento da extrema-direita portuguesa resulta de uma incapacidade das democracias liberais reagirem a uma desconexão entre cidadãos e partidos políticos. Mas a recente viragem à direita, tendência a que Portugal parecia ter escapado há uns anos, “não é essencialmente ideológica, baseada numa ideologia única ou noutra alternativa que dá resposta a tudo”, justifica.
Irene Pimentel considera que o descontentamento dos portugueses com a classe política “foi substituído por um certo ressentimento social que tem mesclas racistas, xenófobas e culturais”, algo que pode ser justificado por uma tendência dos partidos políticos para o identitarismo e por uma dificuldade dos indivíduos em acompanhar as grandes mudanças sociais e culturais: E remata: “Isso é o que provoca divisões entre as pessoas”.
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