A expressão idiomática “Já te dou o Arroz!” tem caído em desuso. Significava exercer uma vingançazinha, castigar alguém (porventura alguém próximo de nós) que nos tinha contrariado ou feito alguma “maldade”.
Foi igualmente nome de restaurante em Lisboa (na Rua da Alfândega), e ainda a designação de um festival do Arroz na Chamusca, organizado pela edilidade local.
O (infelizmente) encerrado restaurante do chefe Henrique Mouro perto do Centro Nacional de Cultura, também tinha Arroz no nome, tal e qual como vários outros restaurantes do país, como o Museu do Arroz na Comporta, etc…
Esta semente de uma planta da família das gramíneas (género Oryza) é a terceira mais cultivada no mundo (depois do trigo e do milho) e em Portugal é uma das rainhas da nossa gastronomia, sobretudo na sua variedade “ Arroz Carolino” cultivado nas três grandes regiões de referência: a Várzea do Mondego, as Lezírias do Tejo, e os campos alagados de Alcácer do Sal.
Não é por acaso que o português é “Arrozeiro”, sendo o europeu que, em média, mais arroz consome na Europa. Provavelmente porque tem à sua escolha muitas dezenas de pratos de arroz, pratos completos ou acompanhamentos de outras vitualhas, na nossa gastronomia tradicional.
Desde o Arroz Doce até ao Arroz de Lampreia, desde o Arroz de Pato até ao Sarrabulho, desde o Arroz de Grelos até ao Arroz de Langueirão…
Há quem diga que a grande vantagem dos pratos com arroz é permitirem – à moda do que aconteceu há 2000 anos, lá para Betsaida - o “milagre da multiplicação”.
Tenho um amigo que sempre teve o coração maior do que a cabeça, o que, em mais do que um sentido — exceto o anatómico — parece coisa muito apropriada neste mundo egoísta e tenebroso e é por isso que gostamos dele e prezamos a sua companhia.
Quando tinha, imaginemos, três perdizes para algum almoço, começava a telefonar aos amigos e a convidá-los para o repasto. Quando dava por ele, já seis ou sete tinham dito que sim...
Se as perdizes fossem estufadas, o melhor era arranjarem-se umas sandes de presunto para complemento do “passa-fome”. Mas se fosse um arrozinho de perdizes, ou de tordos? Bastava haver lá por casa bom chouriço artesanal para migar e era de se acrescentar no arroz para que o tachinho começasse a tornar-se um tacho.
Eu arrozeiro me confesso. E com particular inclinação para o Arroz de Pato na sua interpretação minhota.
O Arroz de Pato à moda do Minho leva enchidos de porco , normalmente orelha, barriga fumada e presunto. Tudo da melhor qualidade.
Em casa faço muitas vezes, utilizando toucinho de porco bísaro para cozer o pato e refogar o arroz, e pondo por cima paio da mesma proveniência. Aqui vai uma receita que foi muitas vezes testada e que sempre resultou bem. Claro que quando a minha sogra criava os patos na quinta, a milho e couves, o caso melhorava muito...
Cozemos o Pato com o toucinho numa boa panela que tem água e sal e uns grãos de pimenta preta. Quando o Pato estiver cozido, retiramos, coamos e reservamos o caldo. Deixamos arrefecer o Pato e o toucinho e cortamos aos bocados. Para quem, como eu, gostar de manter os ossos, devemos cortar o Pato em bocados grandes.
Fazemos depois uma puxadinha ligeira com cebola fininha, alho migado, azeite e os bocados de toucinho. Quando a cebola estiver a ficar transparente fritamos ali dentro o arroz por dois minutos. Depois, juntamos o caldo de cozer o pato (normalmente duas vezes e meia de caldo) e quando levantar fervura vai ao forno. Quando estiver quase seco, metemos o pato aos bocados no arroz e pomos o paio às rodelas por cima a enfeitar. Volta depois ao forno uns minutos para tostar.
Este prato requer um tinto de categoria. Já se sabe que com alguma adstringência, para cortar a gordura do anatídeo.
Salta à memória um grande tinto da Bairrada. Luis Pato Vinha Pan de 2015, que custaria à volta de 27 euros.
-Sobre Manuel Luar-
Manuel Luar é o pseudónimo de alguém que nasceu em Lisboa, a 31 de agosto de 1955, tendo concluído a Licenciatura em Organização e Gestão de Empresas, no ISCTE, em 1976. Foi Professor Auxiliar Convidado do ISCTE em Métodos Quantitativos de Gestão, entre 1977 e 2006. Colaborou em Mestrados, Pós-Graduações e Programas de Doutoramento no ISCTE e no IST. É diretor de Edições (livros) e de Emissões (selos) dos CTT, desde 1991, administrador executivo da Fundação Portuguesa das Comunicações em representação do Instituidor CTT e foi Chairman da Associação Mundial para o Desenvolvimento da Filatelia (ONU) desde 2006 e até 2012. A gastronomia e cozinha tradicional portuguesa são um dos seus interesses. Editou centenas de selos postais sobre a Gastronomia de Portugal e ainda 11 livros bilingues escritos pelos maiores especialistas nesses assuntos. São mais de 2000 páginas e de 57 000 volumes vendidos, onde se divulgou por todo o mundo a arte da Gastronomia Portuguesa. Publica crónicas de crítica gastronómica e comentários relativos a estes temas no Gerador. Fez parte do corpo de júri da AHRESP – Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal – para selecionar os Prémios do Ano e colabora ativamente com a Federação das Confrarias Gastronómicas de Portugal para a organização do Dia Nacional da Gastronomia Portuguesa, desde a sua criação. É Comendador da Ordem de Mérito da República Italiana.