De pátios e palacetes a ruas e avenidas, o Festival Jardins Abertos, estreita laços, mostra-nos jardins escondidos e desperta-nos para problemas urgentes, não só em Lisboa, mas no resto do mundo. Este ano, o festival tem uma edição inédita de verão, agendada para os dois primeiros fins de semana de setembro e, para além da programação noturna, a fauna e a flora dos jardins lisboetas poderão ser vistas à noite.
Foi em 2017 que Rosana Ribeiro (programadora do festival) e Tomás Tojo (diretor do festival) decidiram começar a explorar os jardins da capital como forma de consciencializar a população para os problemas ambientais que o mundo atravessava – e atravessa. A primeira edição, que decorreu em maio de 2017 e em formato percurso com uma equipa muito reduzida, recebeu mais de 3000 inscrições nas primeiras 48 horas, para apenas 80 vagas. O segundo ano, coorganizado com a Câmara Municipal de Lisboa, trouxe mais jardins para o programa e pôs os mais de 8000 participantes a aprender sobre jardins e ecologia numa programação com atividades pedagógicas e culturais para todas as gerações. Em 2019, o projeto recebeu o Alto Patrocínio do Presidente da República e, com o apoio da CML, desdobrou-se em duas edições: primavera e outono. Com a pandemia, Rosana, Tomás e os mais de 30 voluntários não baixaram os braços, e fizeram crescer jardins nas fachadas das ruas lisboetas, através das Janelas Verdes. Em 2020, em formato presencial e virtual contaram com mais de 19 000 participações presenciais e mais de 200 000 participações virtuais.
Este ano, o festival acontece nos dias nos dias 4/5 e 11/12 de setembro e, para além de manter o formato online, a programação presencial conta com a surpresa das visitas ao luar: é possível visitar, de noite, a icónica Estufa Fria e ainda o Jardim da Estrela, pela voz e sabedoria de Ivo Meco.
Entre a ecologia e a sustentabilidade, o Festival Jardins Abertos mostra-nos como é possível fazer jardinagem coletiva num cemitério (British Cemetery) ou como se pode fazer pasta de dentes em casa. Segundo Tomás Tojo: “Tudo o que temos e fazemos na vida vem das plantas, por isso, na nossa programação, fazemos o exercício de mostrar todas a facetas do universo vegetal e de como pode estar aqui para nós.”
Gerador (G.) – Que memórias têm encontrado e plantado nos jardins dos vizinhos de Lisboa?
Tomás Tojo (T. T.) – O lugar da jardinagem é um lugar muito interessante do ponto de vista social e de como se desenvolve um debate que é democrático e de coletividade. Isso já vem de outros projetos que fizemos e que estavam também relacionados com jardinagem coletiva, da ocupação de um espaço público através do cultivo, e das experiências positivas que têm consequências muito positivas, como é o caso das Varandas Verdes, onde é muito evidente. Por exemplo, comunidades de vizinhos que tendencialmente não tinham a melhor relação e que, no contexto desta atividade acabaram por estreitar entre si algumas destas relações. Numa das intervenções que fizemos, uma das vizinhas tinha dificuldade na comunicação com os vizinhos (por motivos de saúde) e, no contexto desta atividade, resinificou a relação daquela comunidade. Tem este ligar meio universal: receber uma flor é sempre um gesto tão simples, mas que comunica em qualquer língua.
Rosana Ribeiro (R. R.) – As Varandas Verdes foi um projeto que nasceu por causa da pandemia, em que, como não podíamos estar com as pessoas, deparámo-nos com a questão de, “como vamos plantar jardins sem entrar em casa das pessoas e expandir o jardim pela cidade?”. Então, ficámos na rua, com um megafone, a explicar às pessoas como podiam colocar plantas nas suas varandas. Para participarem tinham de entrar em contacto com os seus vizinhos para existir uma espécie de jardim comunitário e nós cedemos as plantas.
G. – Os jardins criados nas Varandas Verdes ficam ou são retirados?
T. T. – Os jardins ficam. A ação acontece numa lógica de flashmob, onde centenas de plantas chegam para reflorestar uma fachada. Já fizemos treze, algumas têm mais sucesso do que outras e cabe-nos também falar do insucesso, tendo em consideração que são seres vivos, e a nossa desconexão com o mundo vegetal é tão grande que temos uma certa dificuldade em manter estas intervenções, e faz parte do nosso trabalho mapear isso cada vez melhor. As Varandas Verdes foi, sem dúvida, uma resposta à promoção da aproximação social, mantendo o distanciamento físico. A nossa frente é sempre esta: jardinagem coletiva – fazemos uma intervenção e há uma semente que fica, não só para quem participa, mas para os vizinhos da frente, para quem observa e para toda uma rua que tem esta oportunidade de assistir a este momento teatralizado de um plantio coletivo.
R. R. – Um outro projeto que temos vindo a desenvolver são os pré-eventos, onde a semente fica não só na plantada, mas na pessoa. Temos momento de jardinagem coletiva em que voluntários, e não só, têm oportunidade de limpar ou plantar dentro de um jardim público. Isto faz com que, para além de uma sensação de comunidade, exista uma sensação de pertença e responsabilidade sobre este jardim da nossa cidade, a partir do momento em que temos uma conexão e sentido de cuidado, o jardim deixa de pertencer a outra pessoa e pertence-nos também.
G. – O programa é para todas as idades, mas como tem sido chegar a um público mais velho, como, por exemplo, os que vivem nas zonas históricas que já receberam algum tipo de intervenção por parte do festival?
R. R. – Não só as Varandas Verdes, mas também os jardins que abrimos são pequenos pátios que muitas vezes requerem mesmo que vamos até eles falar com estas pessoas e muitas delas já têm um cuidado extremo com os seus jardins. Elas plantaram-nos no meio de Lisboa, mas ninguém sabe que existem e dentro do festival foi sempre uma oportunidade interessante poder visitar estes pequeninos jardins e fazer com que essa comunidade tenha um sentido de orgulho, porque, para além de existir sempre esta questão de ver o jardim do outro, é uma forma das gerações mais novas verem o que está a acontecer.
T. T. – Inclusive, o festival é gratuito desde o início e nós tentamos sempre fazer com que as pessoas sintam que o programa é desenhado para elas. Naturalmente as pessoas mais velhas não têm acesso a esta informação tão facilmente, mas há um público entre os 40 e 60 anos que recebe a informação via Facebook. Uma coisa muito interessante é que, apesar de no contexto do festival a participação ser muito heterogénea, quem faz o festival acontecer é a figura feminina, inclusive no contexto digital temos 70 % de figura feminina e 30 % masculina. É um festival que tem uma expressão feminina muito grande. De lembrar também que este festival é só uma estratégia para a promoção da consciência ambiental. Quando começámos, a Rossana tinha trazido o movimento zero waste para Portugal e tinha interesse em debater este tema, e eu vinha de um lugar da jardinagem e dos jardins, por isso juntaram-se dois interesses que tínhamos em comum: a ecologia e a sustentabilidade.
G. – Como integram essa consciencialização ambiental no vosso programa?
R. R. – Temos várias frentes, seja através de oficinas, com parcerias com a Lisboa a Compostar, sobre compostagem, em que oferecem compostores, ou a Organii, onde falamos sobre a possibilidade e fazer pasta de dentes em casa ou reutilizar coisas para a higiene feminina, por exemplo. Já fizemos duas ou três vezes uma mostra de design sustentável, em parceria com a Escola das Caldas da Rainha, em que expomos cinco ou seis pelas de autores da escola, em que eles repensam como construir um brinquedo (por exemplo), mostram ideias e repensam a cidade. Temos uma parceria com o Cine-Eco de Seia, o Festival de Cinema Ambiental de Seia, e trazemos esses filmes para Lisboa, para que as pessoas tenham acesso.
T. T. – Ainda vemos as árvores no contexto da cidade como um bibelô, por isso a própria visita aos jardins é uma estratégia, através da contextualização que damos histórica e cronológica do próprio espaço. Temos atividades que têm que ver com tudo o que podemos fazer com plantas, desde cosmética, tinturaria natural, a atividades que são jardinagem pura, como podar roseiras ou citrinos. Tudo o que temos e fazemos na vida vem das plantas, por isso, na nossa programação, fazemos o exercício de mostrar todas a facetas do universo vegetal e de como pode estar aqui para nós.
G. – Este ano têm a novidade da programação noturna. Como vão ser os jardins à noite ?
R. R. – Essa é a resposta da nossa programação, como vão funcionar os jardins à noite. Tivemos a oportunidade de filmar a Estufa Fria, um dos jardins que vai estar aberto, e é uma oportunidade mágica. Queremos saber o que é o jardim à noite, que muitas vezes está fechado ou temos medo de passear nele. Para além da Estufa Fria, estarão abertos o Jardim da Procuradoria, o Jardim da Estrela – “Um jardim ao fim do dia” –, em que o Ivo Meco nos vai guiar e mostrar algumas coisas que não são normais de ver, como catos que só abrem de noite. Algo também muito interessante que acontece na cidade é uma hora específica, entre as sete e as oito horas do dia e da noite, os animais diurnos e noturnos trocam e a cidade para, existe uma calma, um silêncio que se instala e que, na edição passada, tivemos a oportunidade de presenciar de manhã, e este ano vamos presenciar de noite.
T. T. – Destaco também que o Ivo Meco tem um livro publicado que se chama Jardins de Lisboa. Ele é o produtor de conteúdos da nossa equipa, que é composta por doze pessoas, as quais têm em comum este gosto. A visita com o Ivo é, sem dúvida, imperdível, assim como a Estufa Fria que, durante o dia é o que é, e durante a noite ainda tem uns laivos de Jurassic Park.
G. – Para quem só pode assistir online, como vai funcionar?
R. R. – Temos um novo filme que vai ser lançado, integrado nos Polifilmes que temos lançado sobre o que está a acontecer na cidade, sobre projetos de sustentabilidade para jardins na cidade que não são conhecidos – já lançámos quatro coleções. Temos a oportunidade de ver os jardins das embaixadas em Lisboa, em que são os próprios embaixadores e embaixatrizes que fazem as visitas guiadas filmadas. O Perspectivas Verdes é uma coleção interessante que fala de projetos das hortas de Lisboa, temos também um vídeo com o Natan (Nãm Mushroom), entre outros. Temos coleções de oficinas que explicam como começar jardinagem e, nesta edição, vamos lançar duas coisas, um vídeo sobre a agroflorestal da Bela Flor, e um livro sobre o Jardins Abertos. Ao longo do último ano, como parte de Lisboa Capital Verde, tivemos a oportunidade de escrever um pequeno livro sobre a história do festival, desde 2017 até hoje, que serve não só para contar um pouco da nossa história, mas é quase como um guia da nossa cidade. Durante o festival o livro vai estar disponível para ser descarregado (só durante o festival), e é uma oportunidade boa para perceber o que o projeto tem vindo a fazer e o que podemos fazer no futuro.
T. T. – Na nossa programação procuramos mostrar jardins de todas as abordagens, que vão desde pátios a palácios, como costumamos dizer em tom de brincadeira. Temos os pátios alfacinhas e os grande palácios com jardins históricos, muito clássicos, e depois temos abordagens diferentes como a agrofloresta, que tem uma abordagem de permacultura agricultura sintrópica (formas diferentes de cultivar, um pouco mais modernas, mas tendencialmente filosóficas).
G. – Quais são os jardins imperdíveis para quem não tiver tanto tempo para percorrer todos os jardins desta edição?
R. R. – A Estufa Fria, uma das maiores coleções de plantas tropicais que temos em Lisboa, o jardim do Palacete de São Bento que vai estar aberto nos dois dias do festival, e um jardim secreto, para quem conseguir lugar, o Tropicalixboa.
T. T. – O Parque Botânico do Monteiro-Mor. Este jardim está anexado ao Museu do Traje e ao Museu do Teatro, no Lumiar, e são vários hectares que se desenrolam em tabuleiros e que, segundo alguns teóricos, se existisse um jardim tipicamente português, este seria um deles, porque tem os cinco elementos: o roseiral, o pomar, a horta, um espelho de água e a mata. E também o Cemitério Inglês (outra abordagem), onde fazemos muitas vezes jardinagem coletiva.