Para o eurodeputado João Albuquerque, é imperativo demonstrar aos cidadãos europeus que a União Europeia (UE) tem a capacidade de continuar a investir no seu projeto social. Definindo a Europa como o “espaço de maior respeito” pelos direitos individuais e fundamentais do mundo, acredita que o projeto social europeu deve ter a mesma capacidade vinculativa que as obrigações orçamentais, monetárias e económicas dos Estados-Membros.
Ainda assim, e apesar de alertar para a possibilidade de a militarização e a defesa da Europa comprometerem o investimento em políticas e medidas sociais, o militante do Partido Socialista (PS) reconhece que a segurança do continente está em risco. Para o eurodeputado, a ameaça russa, a eventual escalada de outros conflitos e a possível eleição de Donald Trump, em novembro, podem pôr em causa a proteção militar europeia, e defende que a UE tem de se preparar para esse cenário.
Quanto ao possível crescimento do número de eurodeputados de extrema-direita no Parlamento Europeu (PE), diz não saber se as instituições europeias estão preparadas para esse aumento, caso as previsões se confirmem. João Albuquerque sustenta que o projeto europeu tem vivido do entendimento entre os grupos políticos do centro-esquerda e do centro-direita, mas defende que os partidos populistas de extrema-direita têm vindo a ameaçar esse equilíbrio de poderes.
Ao mesmo tempo, destaca uma mudança significativa nos discursos e objetivos destes partidos políticos. Outrora, estas forças reivindicavam a saída dos seus Estados-Membros da UE, mas o Brexit, diz o eurodeputado, mudou essa narrativa de forma radical. “[Agora], fala-se da soberania nacional e de recuperar algumas competências para os Estados-Membros […]. Mas aquilo que estes partidos fomentam, cada vez mais, é a ideia de transformar o projeto europeu estando dentro dele.”
João Albuquerque nasceu no Barreiro, em 1986. É licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais, e mestre em História, Defesa e Relações Internacionais. Afirma que a sua consciencialização política começou em casa, e a sua primeira forma de participação partidária foi a nível local. Ainda assim, considera que o interesse pela política europeia foi um “salto natural”. Presidiu à YES — Young European Socialists (a associação que une os jovens da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas, a que o PS pertence), entre 2017 e 2019, e foi assistente do vice-presidente do PE, entre 2019 e 2022.
Tornou-se eurodeputado em setembro de 2022, para substituir Manuel Pizarro, que deixou o PE para tomar posse como ministro da Saúde. No decurso dos últimos dois anos, o eurodeputado foi vice-presidente da Delegação para as relações com a República Federativa do Brasil, e membro da Comissão das Pescas, da Delegação à Comissão Parlamentar de Cooperação UE — Rússia, e da Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais.
Sobre o mundo laboral, João Albuquerque frisa que a Europa quer apostar na sua reindustrialização, sobretudo para competir com os Estados Unidos e a China. Alerta, no entanto, que é necessário criar “cadeias descentralizadas de valor” nos países da periferia UE, nomeadamente em Portugal, que permitam reforçar as suas respetivas condições económicas e laborais.
Em entrevista ao Gerador, durante a sua passagem pelo Festival Oeiras Ignição Gerador, no dia 18 de maio, o eurodeputado destacou a aprovação do Cartão Europeu das Pessoas com Deficiência como uma das grandes conquistas deste mandato.
Tens militância ativa na Juventude Socialista (JS) desde os 18 anos. Como e quando começou a tua consciencialização política?
A minha consciencialização política começa em casa. Muito francamente, acho que a maior parte das pessoas acaba por começar dessa forma. Os meus pais, a seguir ao 25 de Abril, foram militantes da UDP [União Democrática Popular], apesar de já não o serem há muito tempo. Aliás, deixaram de o ser ainda antes de eu nascer. Mas em casa sempre tive muito essa consciência, e tivemos sempre muitas conversas à mesa das refeições.
Portanto, toda essa ideia de participação, de discussão dos problemas do país, de discussão da política em geral, sempre fez parte da minha educação e do meu crescimento. Foi uma coisa sempre muito presente. Mas depois também tive a sorte de estudar numa escola, na Escola Secundária Alfredo da Silva, no Barreiro, que me deu oportunidades para desenvolver vários projetos que, no meu entender, foram também de cidadania e de intervenção política, seja o jornal da escola, a Associação de Estudantes, [ou] diferentes formas de participação artística. Foram sempre momentos de intervenção, pelo menos, eu sentia-os como tal, e que me foram fazendo crescer o gosto pela participação.
Depois, quando entrei para a JS, foi por me identificar com os valores, com os princípios. Eu sou um social-democrata convicto, maturado, e o meu interesse principal foi pela minha cidade. Eu sou do Barreiro e, portanto, a minha primeira forma de participação política partidária foi mais na realidade local, muito antes de chegar à dimensão europeia.
A dimensão europeia chegou quando?
A Europa foi um salto natural. Estudei Ciência Política e Relações Internacionais, portanto, comecei a desenvolver esse gosto, essa curiosidade. E depois, dentro da minha participação partidária no seio da JS, fui passando para a dimensão distrital, depois para a dimensão nacional, fiz parte do Secretariado Nacional do Pedro Delgado Alves e, nessa fase, comecei a participar nas atividades internacionais da JS. A JS tem muitos parceiros internacionais, quer na Europa, quer fora da Europa, e eu comecei a tornar-me mais ativo nesses fóruns e a ganhar o gosto pela discussão dos temas europeus e a ganhar a perspetiva europeia da discussão política.
As projeções para estas eleições apontam para um aumento de eurodeputados eurocéticos e de extrema-direita. Acreditas que as instituições europeias estão preparadas para este possível aumento?
Acho que há uma tendência curiosa nos anos mais recentes. Os partidos populistas e de extrema-direita, em particular, tinham muito uma visão Brexit. Tinham muito a visão de difundirem as suas ideias políticas através da ideia de retirarem os seus países do projeto europeu. O Brexit mudou isso radicalmente, sobretudo [devido à] análise que se faz daquilo que foi o efeito que o Brexit teve em vários indicadores socioeconómicos britânicos. E, portanto, esse discurso foi desaparecendo, começou a ser mitigado. Neste momento, os partidos de extrema-direita e populista já não falam da hipótese de retirar os seus países do projeto europeu. Já não se ouve falar de um Frexit, de um Intalexit...
Fala-se de soberania nacional…
Fala-se da soberania nacional, fala-se de recuperar algumas competências para os Estados-Membros, o que é em si um paradoxo, é de quem não conhece a realidade do Direito Europeu. Mas aquilo que se fala cada vez mais, aquilo que estes partidos cada vez mais fomentam, é a ideia de transformar o projeto europeu estando dentro dele. Essa tem sido a narrativa, também fruto da consolidação política que têm tido ao longo dos tempos.
Eu não sei se as instituições estão preparadas. Eu sei que o consenso que marcou as gerações de crescimento da UE está em risco, digamos assim. O projeto europeu viveu do entendimento entre os partidos do centro, entre o partido do centro-esquerda e do centro-direita, a que depois se juntaram os liberais e os partidos ecologistas. Neste momento, estes partidos populistas de extrema-direita ameaçam esse equilíbrio de poderes, e ameaçam no pior sentido, diminuindo a proteção dos direitos individuais, atacando as bases do Estado de Direito Democrático, e pondo em causa alguns dos princípios da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, como é o caso mais paradigmático do discurso e da narrativa que têm relativamente aos imigrantes e às pessoas provenientes de países terceiros.
Com uma guerra no continente europeu, o debate em torno da defesa e da militarização da Europa tem-se tornado mais intenso. Acreditas que as soluções para os problemas de defesa passam pela construção de um exército comum dos Estados-Membros?
É difícil falar disto sem ter um tom demasiado negativo. Acho que temos de continuar a ter esperança no modelo da Europa social. Eu sou daqueles que acreditam, como Jacques Delors, que a Europa ou é social, ou não é. Isso pode estar em causa com esta deriva que se começa a verificar de reforçar a dimensão militar europeia, porque os recursos, não sendo infinitos, podem obrigar a que a Europa tenha de fazer escolhas.
Por exemplo, os partidos da direita falam cada vez mais insistentemente da ideia de utilizar fundos de coesão, que são fundamentais para o desenvolvimento dos países em convergência, como é o caso de Portugal, para investir na dimensão militar da UE. Mas acho que também não podemos ser demasiado utópicos. Nós estamos num momento em que não podemos ser Chamberlain, temos de ser Churchill. Temos mesmo de ser Churchill, porque nós não sabemos o que é que vai acontecer. Há demasiados fatores que põem a própria segurança coletiva da Europa em risco, não só aqueles que já existem, com a guerra da Ucrânia, mas também, em novembro, as eleições americanas podem levar novamente Donald Trump ao poder, e isso pode significar que grande parte da nossa proteção militar, que deriva da nossa pertença à NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte), sobretudo com o investimento militar que os Estados Unidos fazem, poder estar novamente sob ameaça.
Portanto, a Europa tem de se preparar para essa eventualidade, não só por causa da ameaça russa, mas também no caso de surgirem outros conflitos. Surgiu agora o conflito em Gaza, com a resposta absolutamente desumana de Israel sobre esses territórios, mas nós não sabemos o que é que pode acontecer amanhã em Taiwan. Isso pode levar, eventualmente, a uma disputa entre a China e os Estados Unidos, que espoleta um conjunto de alianças militares que, por sua vez, podem implicar a UE a entrar novamente no conflito ou, pelo menos, a ter de tomar decisões nessa matéria. Temos de pensar de que forma é que a UE vai estar preparada para essa dimensão. O que eu sei é que temos de fazer tudo o que está ao nosso alcance para evitar chegarmos a esse momento em que as tensões se agravem de tal forma que nos vejamos obrigados a tomar esse tipo de decisões.
A importância atribuída ao contexto internacional tem sido, de facto, muito destacada. Ainda assim, o último Eurobarómetro demonstra que as principais preocupações dos cidadãos são o apoio à economia, a criação de novos empregos, e a luta contra a pobreza e a exclusão social. Quais serão as principais dificuldades para o projeto europeu nestas áreas?
Eu não tenho dúvidas nenhumas disso que acabaste de dizer e que o Eurobarómetro, de facto, demonstra. Eu tenho feito, fiz ao longo destes dois anos, mas mais recentemente, tenho intensificado ainda mais esforços e visitas às escolas do país inteiro. Estive recentemente em sítios como Arouca, Valença do Minho, Moimenta da Beira, Sesimbra, Guimarães, agora muito recentemente, no Algarve. Passei por vários pontos do país e não tenho dúvidas nenhumas de que o principal receio que os jovens sentem, e que afirmam quando lhes pergunto, porque é sempre uma pergunta que eu faço: ‘Quais é que são os vossos principais anseios?’, a primeira coisa que dizem é sempre os rendimentos.
Há uma preocupação, de facto, com o custo de vida e com o desajuste dos salários ao custo de vida, provocado pelo aumento da inflação. Aqui, a habitação é obviamente um fator que vem logo em segundo lugar, mas que se junta a este bolo da insegurança relativamente à condição económica e aos salários dos portugueses. Não tenho dúvida de que essa é a principal preocupação. O que é paradoxal é aquilo que a extrema-direita tem feito, que é acicatar os medos, dizendo que o problema e que as causas deste sentimento de anseio em relação à situação socioeconómica deriva de um problema que não existe e que não é real, que são as migrações.
Quando depois passo a esta fase de discussão com os jovens, de encontrar soluções para estes temas, aquilo que eu reparo é que há uma reprodução muito significativa [por parte] destes jovens do discurso que a extrema-direita propaga nas redes sociais. E isso é preocupante, porque induz os jovens em erro, e faz com que associem os problemas socioeconómicos que o projeto europeu tem como um todo — Portugal também vive de termos uma realidade de salários baixos — com o facto de termos mais imigração, e as duas coisas não estão associadas, e não podem estar associadas. É exatamente o oposto.
A razão pela qual os imigrantes, hoje em dia, vêm mais para Portugal é porque a situação económica do país melhorou bastante nos últimos oito anos. Nos indicadores económicos em termos de crescimento da economia, em termos da criação de postos de trabalho, em termos de diminuição da taxa de desemprego, são tudo indicadores que fazem com que as pessoas queiram vir para cá, e que haja necessidade dessas pessoas que procuram Portugal para ter melhores condições de vida, para nos ajudarem a alavancar a economia.
Não vêm cá simplesmente pelos nossos lindos olhos. Vêm, efetivamente, contribuir ativamente para a nossa economia, para a nossa segurança social e para as nossas contas públicas. Portanto, nós temos de ser capazes de demonstrar que há capacidade de a Europa de continuar a investir no projeto social europeu, e que isso se faz através de coisas como o reforço do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, que são 20 objetivos, todos eles extremamente importantes para a emancipação jovem, para a garantia de igualdade entre homens e mulheres, para a garantia de uma estratégia de habitação europeia, etc. Mas também o salário mínimo europeu, a proteção dos direitos dos trabalhadores, com a proteção dos sindicatos, dos acordos coletivos de trabalho, das associações que representam os trabalhadores, o combate aos estágios não remunerados.
O combate aos estágios não remunerados tem de ser a principal luta no próximo mandato no PE para garantir que se acaba com este flagelo. Trabalho não pago é indigno, e nós não podemos permitir que ele continue. Portanto, todas estas dimensões fazem parte daquilo que o projeto europeu pode oferecer para melhorar a qualidade de vida dos jovens em toda a Europa.
Apesar da implementação do programa Youth Guarantee, em 2013, e do seu reforço, em 2020, o desemprego jovem (14,8 %) continua a ser mais do dobro do desemprego geral (6 %) na UE. Em Portugal, o caso é mais crítico: o desemprego jovem (23,1 %) é mais do que o triplo do desemprego geral (6,7 %). A UE e, neste caso, os Estados-Membros, têm feito o suficiente para reter a sua mão de obra jovem e a crença dos jovens no projeto europeu?
Acho que a pergunta tem de ser formulada de outra forma: não diria tanto se a Europa faz o suficiente para reter a mão de obra jovem, porque nós temos disparidades, como identificas. Portugal, de facto, tem uma taxa de desemprego jovem superior à média europeia e a alguns países. O problema está, precisamente, na razão pela qual isto acontece. As disparidades que existem entre os Estados da periferia e os Estados do centro, muitos delas, no meu entender, provocados pelas disparidades que o Euro continua a ter e, de certa maneira, a promover: a economia portuguesa, no início dos anos 2000, não tinha as mesmas condições que tinha a economia alemã para entrar no Euro, nem os próprios mecanismos de ajuste que foram feitos da política monetária se poderiam ter aplicado da mesma forma a Portugal e a Alemanha, porque são realidades completamente distintas.
Mas dizia, as disparidades que ainda existem entre o centro e a periferia promovem esta fuga de cérebros que se verifica em Portugal hoje em dia: para a Alemanha, para a França, para o Benelux [Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo]. É vantajoso que os países do sul da Europa, em particular Portugal e Espanha, continuem a ter salários inferiores àqueles que são praticados no centro da Europa, porque dessa forma [estes países] não têm custos com a formação da mão de obra, custos esses que são responsabilidade dos Estados da periferia, com resultados muito mais do que satisfatórios. Hoje em dia, temos uma mão de obra altamente qualificada, sobretudo nos mais jovens, que leva a que depois esses países do centro consigam atrair essas pessoas, sem qualquer custo de base, para irem trabalhar em empregos altamente qualificados e bem remunerados nesses países centrais, contribuindo para a continuação do desenvolvimento económico desses mesmos países. E, portanto, esse fator tem de ser quebrado através de uma convergência rápida, ou cada vez mais rápida, entre a periferia e o centro.
Nós estamos numa fase — e aqui eu acho que isto é muito importante realçar —, em que a Europa quer apostar na sua reindustrialização, sobretudo para competir com os Estados Unidos e com a China. Isto significa que nós vamos ter de criar condições para o setor económico europeu, para as empresas poderem ganhar dimensão para competirem com as grandes empresas americanas e com as grandes empresas chinesas nas diferentes áreas. Seja na indústria automóvel, seja na transição energética, na produção de painéis solares, etc. Nós temos de dar dimensão e escala às nossas empresas, mas não podemos fazer essa reindustrialização europeia colocando no centro da Europa, e nos países fronteiriços do centro da Europa, o core, o centro, ou a grande maioria das empresas que vão ser criadas, ou a quem vamos dar apoio para competirem internacionalmente.
Temos de criar cadeias descentralizadas de valor nos países da periferia que acompanhem este processo de reindustrialização e que permitam reforçar as condições económicas que os países da periferia, nomeadamente Portugal, podem ter para oferecer aos seus trabalhadores. Com empresas que sejam mais competitivas, mais produtivas e que possam, naturalmente, pagar mais salários.
A transição climática, a centralidade das competências digitais e a crescente importância atribuída à educação e formação têm provocado alterações profundas no mundo laboral. A UE tem-se mostrado atenta à possibilidade de estas alterações constituírem um agravamento das desigualdades socioeconómicas dos trabalhadores europeus?
Eu diria sim e não. Sim, porque tem havido luta para que isso aconteça. Não, porque também tem havido luta para que isso não aconteça. Aqui, há claramente uma clivagem ideológica à qual nós não podemos fugir. Nos últimos tempos, os protestos dos agricultores que dominaram a agenda mediática em vários países europeus, tiveram como reação da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e do Partido Popular Europeu, a que ela pertence, um… Não lhe queria chamar um retrocesso, mas pelo menos um travão a fundo na necessidade de continuar o Pacto Ecológico Europeu, que precisa de ser continuado e aprofundado no próximo mandato.
O Pacto Ecológico Europeu 2.0, como lhe quiserem chamar, mas que tem de ter continuidade face àquilo que aconteceu nos últimos cinco anos. Para além disso, há uma divergência também de pensamento em relação a como é que a transição ecológica tem de ser feita. Nós não podemos dizer que a responsabilidade desta transição recai sobre os indivíduos ou sobre as famílias. Porquê? Porque senão as condições socioeconómicas vão ter um papel nesta transição. Uma família, ou um indivíduo, que tenha boas condições socioeconómicas para fazer, por exemplo, a adaptação da sua casa, ou a transição energética da sua casa, parte logo de duas situações diferentes. A primeira, tendo mais recursos, terá à partida uma casa melhor. Portanto, a adaptação que precisa de fazer será menor. E, a segunda, para as adaptações que precisar de fazer, terá mais recursos. Enquanto uma família com menos recursos parte de um ponto ainda pior. Não só porque tem uma habitação pior, como também precisa de mais investimento para fazer essa transição.
Não podemos onerar ainda mais as famílias, ou os cidadãos, para fazer esta transição, sem lhes dar os instrumentos financeiros para o fazerem. Isto tem sido uma luta que temos tido, claramente ideológica e política: a transição ecológica e energética tem de ser feita, mas sem deixar ninguém para trás. Para isso, é necessário que haja instrumentos financeiros para apoiar as famílias e as empresas a executarem as ações necessárias, a adequarem as suas realidades àquilo que é exigido no Pacto Ecológico Europeu, para nós podermos cumprir as metas climáticas.
No seu Manifesto Eleitoral, o grupo dos Socialistas e Democratas admite que irá “apoiar sempre” os direitos das organizações sindicais ao encorajar a negociação coletiva e o diálogo social. Os sindicatos não têm vindo a perder força?
Têm, e acho que isso nos deve convidar a uma reflexão: de que forma é que os sindicatos podem também chegar às novas formas de trabalho que foram sendo criadas? Nós temos muitas disparidades a nível europeu da adesão dos trabalhadores aos sindicatos…
Mesmo dentro do nosso país…
Exatamente, entre setores, áreas, etc.. Há uma tendência para que as pessoas sindicalizadas sejam pessoas com contrato sem termo, portanto, pessoas com lugares efetivos, etc. Isto porque as formas de precariedade afastam as pessoas da luta sindical, e porque há, efetivamente, um esforço de várias empresas e de vários setores económicos para impedir a ação sindical ou, pelo menos, a organização coletiva dos trabalhadores na luta pelos seus direitos. É da vida e é da história. Sempre foi assim. Não é uma novidade propriamente de agora.
O que acontece é que há mais pessoas, cada vez mais, em situações de fragilidade laboral e de instabilidade laboral e, portanto, os sindicatos deixaram de conseguir chegar a essas pessoas, ou a fragilidade em que essas pessoas se encontram não lhes permite juntar-se aos sindicatos. Essa é a primeira reflexão, que é: como é que os sindicatos agarram estas pessoas? Estamos a falar, por exemplo, dos trabalhadores das plataformas digitais: como é que os sindicatos conseguem chegar a estas pessoas e sindicalizá-las, organizá-las, melhorar as suas condições de trabalho de uma forma coletiva?
Em segundo lugar, acho que temos de garantir que as conquistas laborais não sofrem retrocessos. Elas são das mais frágeis de todos os direitos que nós temos. Vimos bem o que aconteceu em Portugal, entre 2011 e 2015, todos os acordos que foram feitos de resgate económico do país implicaram a reforma das leis laborais nacionais. Não no sentido de garantir melhores condições aos trabalhadores, mas no sentido de fragilizar as proteções existentes para os trabalhadores.
Algumas dessas medidas já foram revertidas, e houve um reforço, sobretudo agora com a Agenda do Trabalho Digno, que permitiu recuperar alguns destes direitos e aprofundá-los. Não obstante isso, temos de ser capazes de solidificar esta dimensão e garantir que, como o anterior Governo português, que há incentivos à sindicalização. [A Agenda do Trabalho Digno] teve efeitos muito positivos nas áreas em que foi aplicada, com aumentos muito elevados da percentagem de pessoas sindicalizadas quando esses incentivos fiscais às empresas foram dados, ou quando os acordos das empresas foram cumpridos, ou com a condicionalidade social em que as empresas que não cumprem com a lei laboral, ou que são alvo de investigações ou de infrações reiteradas das suas obrigações laborais, sofrem penalizações. E, portanto, isso são incentivos a que as empresas não falhem com as suas obrigações e sejam penalizadas, garantindo que há capacidade de os trabalhadores se organizarem na luta pelos seus direitos.
Ainda esta semana, em que estamos a gravar, nos debates televisivos, o João Cotrim Figueiredo, candidato cabeça de lista da Iniciativa Liberal, dizia que, na Suécia, as pessoas têm maiores salários e não há salário mínimo. Pois não, mas há uma predominância da negociação salarial feita através de acordos coletivos de trabalho, marcada pela predominância e pela força que os sindicatos têm na Suécia e na generalidade dos países nórdicos, que permitem que os trabalhadores não percam, não só os seus direitos, como tenham força para impor as condições salariais que acham justas em cada um dos momentos em que se encontram na negociação que têm com o sindicato paternal, seja ela pública ou privada.
“Senhor presidente, o futuro da Europa não parece muito luminoso”: foi assim que começaste a tua última intervenção no PE. No final desta 9.ª legislatura, de que forma encaras o trabalho desenvolvido e os desafios do futuro para os cidadãos europeus?
Acho que posso dizer modestamente que tenho muito orgulho no trabalho que fiz. Acho que se conseguiram coisas muito importantes. Uma das coisas de que tenho mais orgulho foi termos conseguido aprovar o Cartão Europeu das Pessoas com Deficiência. Foi uma conquista que era reivindicada pelas associações que trabalham na área da deficiência, e com as pessoas com deficiência, há muitos anos. Portanto, ter conseguido finalmente aprovar este cartão foi uma vitória extraordinária. Mas também outras matérias como, por exemplo, ter trabalhado na área de redução da poluição por microplásticos, que é uma coisa que hoje em dia está presente em praticamente tudo. Já detetámos presença de microplásticos no nosso organismo, e em quase todas as fontes de água que existem no planeta.
Independentemente daquilo que é a avaliação que faço do meu trabalho — acho que isso compete acima de tudo às pessoas —, acho que a Europa vai ter muitos desafios. Não só aqueles de que estávamos a falar: de que forma é que a Europa vai conseguir responder às ameaças que tem hoje em dia, mas também... Há muito esta ideia de que a Europa tem de comunicar melhor. Nos últimos anos, as instituições europeias têm, de facto, reforçado o seu investimento na comunicação, na aproximação com as pessoas. Mas aquilo que as pessoas continuam a sentir é que há poucas preocupações na defesa dos seus direitos sociais, que é aquilo que mais diz respeito às pessoas, e que a Europa pode e deve fazer.
Enquanto a Europa não conseguir mostrar de que forma é que, de facto, melhora a qualidade de vida das pessoas, na proteção dos seus direitos sociais… Porque a Europa, hoje em dia, não é o maior bloco económico mundial, não é a maior potência militar. Aquilo que nós somos é o espaço de maior respeito pelos direitos individuais e pelos direitos fundamentais das pessoas. O maior espaço de respeito pela democracia e pelo Estado de Direito em qualquer comparativamente com qualquer parte do mundo. Portanto, a Europa tem de ser uma Europa social, e essa Europa social tem de ser defendida com unhas e dentes, porque aqueles que lideraram o projeto europeu nos últimos 30 anos têm feito muito para eliminar os mecanismos de proteção social que a Europa tem, e grande parte das coisas que foram conseguidas, que foram alcançadas, foram sempre arrancadas a ferros.
Eu dou o exemplo: aprovámos a União Económica e Monetária em 1992, e só 25 anos depois é que conseguimos estabelecer o preâmbulo daquilo que podemos considerar um pilar social, que não é vinculativo sequer, em 2017, com a Cimeira de Gotemburgo e com a aprovação do Pilar Europa dos Direitos Sociais. Foram 25 anos de diferença entre o aprofundamento das condições de uma União Económica e Monetária, o que é também importante, até ao momento em que conseguimos delinear aquilo que é um pilar social europeu. Isto não pode acontecer. A parte social tem de ter a mesma capacidade vinculativa e a mesma capacidade de obrigação dos Estados, que têm as suas obrigações orçamentais, de dívida pública, económicas e monetárias, e têm de estar equiparadas. Isso é que faz com que os direitos das pessoas continuem a ser preservados, e a sua qualidade de vida seja garantida neste espaço que nós queremos que continue a ser um espaço de liberdade, de igualdade e de dignidade individual.