Impulsionado pelo Fundo Ambiental e de Investigação Lousada Sustentável, o biólogo João Gonçalo Soutinho criou, em 2017, o projeto Gigantes Verdes para mapear as grandes árvores (com mais de 1,5 metros de perímetro de tronco medido a 1,3 metros do solo) do concelho e avaliar a sua importância para a biodiversidade. Os resultados geraram informações relevantes para a gestão do arvoredo local e a proximidade de trabalho com os proprietários da região, serviços hoje aperfeiçoados pela Verde.
João explica, em videochamada com o Gerador, que, apesar de “importantes e cumulativos”, os impactos ecológicos de árvores recém-plantadas são menores e de difícil comparação com os registados pelos exemplares de grande dimensão. “É preciso haver um processo de sucessão [das árvores], mas devemos fazer com que as gigantes perdurem saudáveis durante o maior tempo possível”, afirma. O biólogo garante ainda que a associação espera evidenciar os valores não transacionáveis, mas primordiais para a nossa qualidade de vida, mantidos pela floresta nativa nas suas “mais variadas vertentes”.
Por essa razão, com o apoio da Casa do Impacto da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, através da 2.ª edição do Fundo +PLUS, lançam a iniciativa Carbono Biodiverso e compensam o carbono emitido por empresas e indivíduos que contribuam com uma subscrição mensal. “Grande parte desse valor é revertido para preservar as gigantes e outra parte para valorizar ou restaurar áreas adjacentes, que muitas vezes têm perigos ou problemas ecológicos”, assegura João. “Trabalhamos com os proprietários para mostrar que há estes caminhos rentáveis, que, a longo prazo, vão ser muito mais interessantes do que estar a cortar as árvores”, acrescenta. Igualmente responsável pela organização de caminhadas que dão a conhecer o arvoredo urbano, a associação encontra-se aberta a voluntários de várias áreas que desejem conhecer o território e contribuir para a sua missão. Na entrevista a seguir, o presidente da Verde também analisa as regulamentações nacionais para a preservação das árvores de grande porte: “Não há assim tantas iniciativas ou leis.”
Gerador (G.) – A fundação da Verde é uma consequência do projeto Gigantes Verdes, iniciado em 2017. Que missão procuraram oficializar em 2021 e que lacunas preenchem?
João Gonçalo Soutinho (J. G. S.) – [No projeto Gigantes Verdes,] acabámos com 7400 [árvores de grande porte] identificadas. Algumas delas foram desaparecendo ao longo dos tempos, por vários fatores. Durante a pandemia, comecei a olhar para esses números e a perceber o que estava a acontecer às árvores. Neste momento, das 7400, quase 600 desapareceram desde 2018. Os principais motivos são económicos: o rendimento dos proprietários, que as cortam para lenha ou para vender; a intensificação da produção do território, seja agrícola ou na perspetiva de mudar a floresta nativa para eucaliptal; e a urbanização. Claro que temos algumas, muito poucas, que morrem naturalmente, [são] no máximo 10 %.
Isso levou-nos a pensar em como podíamos reverter o cenário. O município montou um conselho consultivo, com várias empresas e proprietários para pensar nestas situações. Ficou claro que muitas destas ideias teriam de ser implementadas de forma independente e a longo prazo, sem estarem presas a ciclos eleitorais, [pelo que] decidimos criar a Verde.
G. – Qual a importância ecológica das árvores de grande porte?
J. G. S. – Quanto maiores e mais antigas forem [as árvores], maiores também os seus serviços de ecossistema, que são todas as valências que a natureza nos dá. Falamos, por um lado, da captura do carbono. Temos árvores muito grandes em que 50 % da sua madeira, do ponto de vista químico, é carbono que já foi acumulado e armazenado. Quanto maior for a sua copa, também maior a sua capacidade de fazer fotossíntese e, daí, retirar carbono.
Uma árvore pequena, de três ou quatro folhas e um tronco finíssimo, demora 15 anos a acumular na sua madeira o mesmo carbono que uma gigante tira todos os anos. Falando da crise climática que estamos a enfrentar hoje, devemos mesmo preservar as árvores que têm este carbono e uma capacidade muito superior de o retirar [da atmosfera].
Há também a questão da biodiversidade. Quanto maior for uma árvore, normalmente também é mais antiga, com maior probabilidade de ter mais micro-habitats, estruturas – ramos mortos, cavidades, plantas a crescer – que permitem suportar um conjunto de seres vivos.
As árvores têm o efeito de permitir que a água se infiltre no solo e aumente os aquíferos de uma forma muito acelerada. Estimamos que uma gigante verde consiga aumentar a capacidade do solo em cerca de 1,2 metros cúbicos por ano, ou seja, a presença ou ausência da água leva a haver mais ou menos água nesta quantidade.
G. – A nível nacional, como avalias o trabalho feito nessa área?
J. G. S. – Não há assim tantas iniciativas ou leis que permitam salvaguardar as árvores de grande porte ou a floresta nativa. Há uma lei que protege duas espécies, o sobreiro e azinheira, proibidos de serem abatidos. Ela foi criada principalmente por interesses económicos, para manter sobreiros mais antigos ou maiores para darem mais cortiça. Por outro lado, a bolota da azinheira é altamente valorizada para alimentação, seja humana ou da agropecuária.
Outra lei protege cerca de 600 árvores ou conjuntos arbóreos no país, consideradas de interesse público. Num raio de 50 metros à volta dessas árvores, qualquer intervenção deve ser sujeita à apreciação do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). É uma grande dor de cabeça porque impede os seus proprietários, muitas vezes, de fazerem a sua gestão ou a gestão da área adjacente, sem trazer nenhum tipo de apoio.
Felizmente, em 2021, foi criada uma lei ligada ao arvoredo em espaço urbano, que obriga todos os municípios a saber onde estão as árvores sob a sua gestão e terem essa informação partilhada, além dos valores que elas têm em serviços de ecossistema, comunicando de forma ativa o estado de saúde de cada exemplar e as intervenções que vão sofrer. A população [deve] poder saber essa informação com antecedência e também alertar para situações que necessitam de intervenção.
G. – De que forma as iniciativas da Verde complementam essas ações?
J. G. S. – Trazemos um fator inovador, porque não só olhamos para as árvores existentes e para os proprietários, como tentamos ser transversais ao território que estamos a trabalhar, tentando dar um incentivo económico para que elas possam ser geridas de forma correta e mantidas no espaço da melhor forma possível. Ligamos isto a algo que está neste momento a surgir a nível nacional, que é a questão da compensação de carbono. Esperamos que haja mais investimento privado na gestão do arvoredo e das florestas e que ele seja utilizado de forma correta, para melhorar e aumentar a floresta nativa que temos, sem se esquecer das que já existem. A nossa base [de floresta nativa] tem imensos problemas de abandono e é mal gerida na maior parte dos casos. Infelizmente, nem preservamos o que está bem, nem gerimos de forma correta o que está intermédio. Por isso, há muito trabalho a ser feito nas florestas já existentes antes de avançarmos para as florestas do futuro, cheias de carbono e biodiversidade.
G. – No início do projeto Gigantes Verdes, vocês contavam com uma campanha de ciência cidadã que não foi para a frente devido ao baixo número de registos. Que leitura vocês fizeram disso? Pode ser considerado um retrato da falta de informação sobre a relevância das árvores de grande porte?
J. G. S. – Sim. Achámos interessante pedir à comunidade local de Lousada para partilhar se tinham árvores grandes nos seus terrenos e quais eram as suas características. Infelizmente, a resposta foi muito pequena. Não só por as pessoas desconhecerem o que é uma árvore grande ou desvalorizarem o património que têm, mas por não terem assim tanto interesse em partilhar informação sobre a sua propriedade.
Acabámos por fazer outro processo, de ir para o terreno. Fiz o concelho todo a pé para mapear as suas árvores. O projeto tem vindo a crescer. Começou na ciência cidadã, acabou num trabalho altamente científico e agora voltou aos cidadãos, numa perspetiva de apoio técnico e de cogestão com os proprietários para salvaguardar estas árvores.
G. – Das 7400 árvores que mapearam, quantas já foram caracterizadas? E que características procuram registar?
J. G. S. – Medimos cerca de 4000 até ao momento. Continuamos a visitar proprietários e a avançar com este projeto, agora mais ligado ao Carbono Biodiverso. Vamos medindo novas árvores e até já voltámos a medir algumas que medi em 2018 e é muito interessante comparar os resultados. Registamos as dimensões de cada exemplar, se a copa está saudável, que riscos existem na sua periferia – se está perto de edifícios ou na zona florestal, se há problemas nas suas raízes, etc. – e avaliamos os micro-habitats. Depois, com esta informação, conseguimos estimar então a questão do [sequestro de] carbono, poluentes e da água do solo e ficamos com uma espécie de cartão de identidade de cada uma, que não fala só das suas características biofísicas, como também do papel que ela tem no sítio onde está e a importância para a nossa qualidade de vida.
G. – Nos casos que reavaliaram, que mudanças encontraram?
J. G. S. – São expectáveis. As árvores estão a crescer, têm mais carbono em si e quanto maiores forem, maior a capacidade de sequestro de carbono. É muito interessante perceber isso e validar essa informação com base nos cálculos que temos feito. A nível de biodiversidade, acontece o mesmo. Passam mais anos e, em princípio, estão mais tempo expostas a fatores externos que podem potenciar a criação de micro-habitats. Por isso, quanto mais tempo cá ficam, mais importantes são.
G. – Voltando na comparação entre uma árvore pequena e uma gigante verde, projetos de reflorestamento de grandes empresas, por exemplo, podem então ser considerados greenwashing?
J. G. S. – Podem. Quase tudo pode ser considerado greenwashing consoante a forma como é comunicado e o impacto que realmente tem. Uma grande empresa pode fazer plantação e investir em questões florestais, mas nunca na redução das suas emissões. Podem comunicar que são muito verdes porque financiam projetos ambientais, mas, por outro lado, nem reduzem a sua pegada, nem compensam a pegada que têm e simplesmente usam esta máscara de financiar projetos de forma contínua para tentar ter uma espécie de selo verde – é muito mais barato tê-lo dessa forma.
Na Verde, tentamos filtrar e ter uma validação de que os parceiros que querem fazer compensação connosco já estão a fazer algo, não a compensar só porque sim. Claro que, normalmente, mesmo havendo greenwashing, as ações são extremamente importantes para a natureza e, às vezes, é mesmo necessário algum greenwashing para as coisas acontecerem. É um grande problema que existe, mas, às vezes, é melhor haver greenwashing do que não haver nada. [É preciso] ter um filtro, ter uma palavra a dizer e educar os clientes para que certas ações possam ser melhoradas para, a longo prazo, terem um impacto mais interessante.
G. – No vosso manifesto, falam de um momentum crescente de envolvimento da comunidade em prol da conservação da natureza. O que o trabalho de proximidade com os munícipes de Lousada vos tem ensinado?
J. G. S. – Durante as ações de plantação de árvores – este ano vão chegar às cem mil plantadas no concelho desde 2015 –, foi muito interessante que, numa fase inicial, houve um grande envolvimento das pessoas, que vinham plantar aos sábados de manhã, com grupos folclóricos e grupos desportivos, etc. Fizeram um trabalho muito ativo nessa vertente que, agora, passados oito anos, já não é novidade para ninguém e já toda a gente plantou uma árvore.
O interessante tem sido ver que a comunidade local abriu espaço para que comunidades de terras adjacentes começassem a querer vir à Lousada. Em quase todos os fins de semana que temos atividades, há uma parte significativa de pessoas de fora. As ações em prol da natureza trazem pessoas ao concelho que, infelizmente, não têm assim tantos motivos para virem visitar de forma frequente. Não vêm conhecer os edifícios, os museus ou essas coisas todas, mas o património natural, que está identificado e a ser valorizado. Uma pessoa [de fora] que vai de propósito bater à porta [de um lousadense] e pedir para ver a sua árvore cria um sentimento de valor e de reconhecimento junto das pessoas, o que os leva a reconsiderar o seu património, de forma a salvaguardá-lo ativamente, sem que haja incentivos. Andamos aqui neste ciclo, que cada vez é mais interessante de constatar, avaliar e fazer parte.
G. – Recentemente, receberam o prémio AGIR, da REN - Redes Energéticas Nacionais, pelo projeto Lousada+Verde. Como essa proposta se cruza com o Gigantes Verdes e o Carbono Biodiverso?
J. G. S. – Muitas vezes, as nossas ações de restauro são feitas meramente com o propósito ecológico de criar uma floresta biodiversa, mais resiliente e com melhores condições. O que tem acontecido é que temos visto que muitas destas plantas que estamos a pôr num sítio, se planeadas ou plantadas de forma um bocadinho diferente, podem, a longo prazo, não só ter estes benefícios ecológicos, como aumentar o rendimento dos proprietários pela venda de produtos – os frutos, o mel, etc.
Estamos a trabalhar para identificar quais as oportunidades que podem surgir daqui e que valor realmente têm associado. Ou seja, se nós plantarmos medronheiros numa zona florestal para criar uma floresta mais interessante, quantos medronhos é que podemos tirar desse sítio daqui a uns anos? Quanto isso vai valer e que rendimento adicional é que podem trazer ao proprietário? Não só mostramos ao proprietário que [ele] pode receber um valor pelo carbono, mas [também] que, como não estamos a cortar árvores, podemos tirar frutos ou outros produtos para um rendimento extra. A ideia é trabalhar numa espécie de cooperativa, com vários proprietários, onde nós, mais uma vez, mediamos o processo entre a recolha e a compra dos frutos.
*Esta entrevista foi inicialmente publicada a 29 de março de 2023.