Depois da obra Leva-me Contigo (Dom Quixote, 2019), a história que o escritor Afonso Reis Cabral viveu ao longo dos quase 739 quilómetros da Estrada Nacional 2, numa caminhada que durou vinte e quatro dias, resultou num documentário com o mesmo título, exibido na RTP 2.
Entre abril e maio de 2019, Afonso atravessou o país profundo de norte a sul, entre montanhas, planícies, rios, tempestades e o sol ardente. Mas deixou-se, sobretudo, atravessar pelas pessoas que ia encontrando. O Gerador foi falar com o escritor para perceber como é conhecer-nos, portugueses e portuguesas: “Um povo pleno de generosidade, quase literário. Uma generosidade violenta. Damos com tanta facilidade... Talvez por isso estejamos sempre em carne viva, à espera de uma retribuição que nunca será o bastante. A história que dá o título ao livro e ao documentário há de me acompanhar para sempre”.
O autor de O Meu Irmão (Prémio Leya 2014) e de Pão de Açúcar (Prémio José Saramago 2019) não revelou a tal história que dá o título ao livro e ao documentário, mas é possível encontrá-la na sua página de Facebook, num dos últimos escritos diários com que foi relatando os principais eventos da viagem, entre Alcáçovas e Odivelas. E, com milhares de leitores, comentários e partilhas, os textos ganharam uma dimensão não esperada por Afonso Reis Cabral. “Tudo na Estrada Nacional 2 me surpreendeu”.
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O documentário Leva-me Contigo reúne filmagens inéditas do percurso e dos testemunhos das pessoas com quem Afonso se cruzou, mas não surgiu naturalmente. “Nunca pensei que a caminhada tivesse interesse. O Vasco Galhardo Simões, autor da ideia do documentário e produtor, pode comprovar o que digo. Quando me contactou apresentando a ideia, resisti muito e ele precisou de me convencer”. Com a realização de João Pedro Félix e a música original de CAIO, Leva-me Contigo não ficou pelo caminho, estreou-se na RTP 2 no dia 10 de junho, às 23h00, e estará disponível até dia 17 de junho, através da box da operadora de comunicações.
Esta longa viagem, que começou em dois pés inquietos e incertos sobre o que queriam fazer ou descobrir, permitiu que Afonso Reis Cabral partisse “em busca de uma espécie de ritual de passagem ou de um momento prolongado de exame de consciência, introspecção. E no meio da gestão do corpo, tentando mantê-lo minimamente confortável em caminhadas diárias de 45 quilómetros,” Afonso olhou para si e para toda a gente. Não contou ao Gerador quão interior, e revelador de si próprio, foi o percurso, por serem descobertas demasiado pessoais para confessar. Mas deixou a inspiração: uma vez caminhante, “sempre caminhante, até que os pés já não consigam andar sozinhos”.
Leva-me contigo, livro e documentário, é uma possibilidade de conhecer Afonso Reis Cabral para lá do escritor e Portugal para lá da aparência.