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Lisboa para Pessoas: “É possível haver uma cidade mais humana e inclusiva” 

Com o objetivo de mostrar outras formas de mobilidade na cidade de Lisboa, Mário Rui…

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Com o objetivo de mostrar outras formas de mobilidade na cidade de Lisboa, Mário Rui André criou o Lisboa para Pessoas, um portal comunitário sobre mobilidade, sustentabilidade e espaço público em Lisboa. 

Criado em 2021, o Lisboa Para Pessoas nasceu numa cidade em mudança com a vontade de auxiliar nessa mudança, oferecendo um espaço de informação e de reflexão sobre a cidade, onde os meios de transportes são o mote.  

No Lisboa Para Pessoas, são contadas histórias e críticas sobre a cidade, organizados guias úteis para quem quer viver Lisboa de outra forma e agregados dados e documentação. No seu primeiro ano de atividade, a plataforma publicou mais de 500 histórias e 50 guias, teve meio milhão de visualizações e conta com uma comunidade de milhares de pessoas nos seus diversos canais. Mário Rui André, um dos fundadores da Shifter, e a vontade por de trás do Lisboa Para Pessoas, decidiu dar continuidade ao projeto entregando aos seguidores essa responsabilidade e lançou uma campanha de crowdfunding, – promovida na plataforma PPL – com o intuito de angariar 10 mil euros. Este valor assegura a continuidade do projeto até ao final do ano, com a promessa de, até lá, serem encontradas outras fontes de financiamento. 

Em entrevista ao Gerador, Mário Rui André contou-nos como tem sido este último ano de Lisboa para Pessoas, o porquê de criar um crowdfunding, e ainda a importância de criar uma cidade mais humana e inclusiva, onde exista liberdade de escolha e acesso à informação.  

Gerador (G.) – Como surgiu esta tua urgência em mostrares à cidade de Lisboa que é importante começarmos a olhar para outros meios de transporte, e principalmente para as bicicletas? 

Mário Rui André (M. R. A.) – Não quero forçar as pessoas, é mais convidar, mostrar que é possível haver uma cidade mais humana e mais inclusiva. Ou seja, a ideia de que as pessoas podem ter um espaço público mais agradável, feito para elas, de que podem ter a liberdade de escolher como se querem mover, e não serem condicionadas por um determinado modo de transporte – o carro! Uma Lisboa para Pessoas que tem obviamente, carros na mesma, mas onde este não é o rei da mobilidade e colocam-se em primeiro lugar transportes públicos, o andar a pé, a bicicleta. A ideia deste projeto foi sempre, não só mostrar que a bicicleta pode fazer parte, mas também mostrar outras formas de mobilidade, nomeadamente os transportes públicos, aquela que ninguém fala nunca, que é o andar a pé. Uma das primeiras vontades do Lisboa para Pessoas era uma coisa muito em volta da bicicleta, só que depois achei que fazia mais sentido, e faz mais sentido, haver uma cidade humana, em torno de uma mobilidade circulável. E a ideia é essa: ser um projeto de comunicação social e real, que junte informação útil.  

O Lisboa para Pessoas começou também porque percebemos que a informação estava muito dispersa por vários canais, porque existem várias instituições, a Câmara Municipal, a EMEL, Carris, agora os Transportes Metropolitanos de Lisboa, cooperativas, associações, a Bicicultura, a Cicloficina dos Anjos, há várias entidades, pessoas e agentes na sociedade que vão falando cada um para seu lado e não havia um sítio que juntasse e agregasse essa comunidade e a parte política e institucional no mesmo sítio, para as pessoas terem uma perspectiva global e coesa do que é a cidade.  

G. – O teu trabalho tem passado muito por mostrares esta resistência que existe em relação às bicicletas. Porque é que achas que países como a Bélgica, Holanda ou Dinamarca, aceitam a bicicleta tão bem, e em Portugal ainda existe esta resistência? 

M. R. A. – É como se a bicicleta fosse empurrada para canto e não fosse uma coisa séria. Mas é, pode ser, e isso não deve criar atritos nem confusões. As pessoas devem poder escolher andar de bicicleta, como podem andar noutros modos de transporte, e isso é a chave, uma pessoa não ser condicionada. Custa ouvir pessoas que dizem que até gostavam de ir de bicicleta para o trabalho, mas não conseguem porque a cidade não permite, se calhar não se sentem seguras, não têm uma ciclovia. Agora em Lisboa há a GIRA, está a mudar, mas muitas pessoas querem ter estas bicicletas, por exemplo, ao pé de casa, para poderem usar, sem ter uma bicicleta própria. Ou seja, há muitas pessoas que querem usar, mas sentem-se condicionadas por muita coisa, existe uma cidade que não lhes permite usar – e a ideia é essa, que a cidade permita usar a bicicleta. Seja porque o espaço público é frio e tem vias rápidas que não são seguras, seja porque têm conflitos com carros, ainda porque não querem arriscar, não se sentem confortáveis, então preferem ir de automóvel porque é mais fácil, porque aí, em princípio, não há problema. Acho que a ideia é essa, permitir que as pessoas possam usar. Claro que é uma questão também cultural, no sentido em que, ao longo de anos, foi o que sempre nos habituamos a ver. Se as cidades eram daquela forma, e principalmente Lisboa, então começa a ser estranho algumas pessoas, políticos, e quem queira impulsionar a mudança, dizer “afinal também pode ser de outra forma”. São coisas que mexem com valores, hábitos e costumes, e sempre que é assim, é complicado mudar. Mas a mudança pode ser mais fácil e imediata se houver uma boa comunicação, que realmente explique que os carros não vão desaparecer, não vão ficar sem espaço. Antes a ideia de que uma cidade pode ter, e deve ter, mais modos de transporte. Se os políticos trouxerem para cima da mesa essa questão da inclusão, da poluição, congestionamento, será mais fácil também. Claro que se mais pessoas começarem a usar bicicleta mais facilmente se anda de carro na cidade também, há uma migração de um meio para o outro. A questão da poluição que afeta a qualidade do ar, doenças respiratórias, o congestionamento, porque há sempre trânsito nos mesmos sítios, há mesma hora, nas mesmas alturas... 

G. – A sinistralidade rodoviária também, que contribuiu, por exemplo, para cerca de 69 % das despesas do Estado em saúde, em 2019... 

M. R. A. – Sim, sem dúvida, uma sociedade mais segura. Também a questão da representação, começar a representar a bicicleta com dignidade na comunicação social. Faz sentido não embirrar com coisas como o capacete «que nem tem qualquer justificação legal no código, nem em qualquer estudo. O trabalho de um jornalista não é gritar na rua para as pessoas usarem o capacete, nem ninguém tem esse direito. E isto passar num órgão de comunicação social com bastante visibilidade só ajuda a que haja mais confusão, atritos e ódios na rua, porque as pessoas ficam confusas. Se a bicicleta é uma coisa nova na cidade, então as pessoas estão a tentar perceber como conviver com isso, a questão da sinalização, os semáforos, ciclovias, como funciona tudo. Por isso, as pessoas ficam confusas com estas informações que são falsas e erradas e cria mais confusão em algo que já é confuso.  

G. – O projeto tem pouco mais de um ano, que desafios tens encontrado neste jornalismo que procuras? 

M. R. A. – Eu trabalho muito com o João Ribeiro, e nós ajudamo-nos mutuamente em muita coisa. Isto tudo é complicado, e isso foi o motivo de lançar o crowdfunding, porque dá muito trabalho que não é pago, e então é inglório dedicar tanto tempo e energia a uma coisa que não compensa financeiramente, e não porque queira ficar rico, mas porque uma pessoa precisa de viver. É ao mesmo tempo uma coisa que gosto de fazer, e, acima de tudo, que acho importante para a cidade. Estou convicto de que Lisboa precisa de ter órgãos de comunicação social, de diversidade de órgãos, de diferentes vozes e abordagens à cidade. O Lisboa para Pessoas é uma voz diferente não só porque tem um foco temático, mas porque tem uma linha editorial muito própria, definida pela ideia na qual o projeto assenta – uma cidade humana e inclusiva. Por isso há questões da cidade que não falamos, mas falamos de questões que outros órgãos nacionais ou locais não falam, e vejo muito que a “dita concorrência”, olha e fica inspirada pelos temas que abordamos, e isso é bom! 

O que se criou neste primeiro ano foi uma espécie de protótipo, e a ideia foi colocar cá fora aquilo que eu achava que fazia sentido o Lisboa para Pessoas ser. Ao longo deste ano, o projeto em si foi mudando, coisas que foram saindo, outras que passaram a ter maior presença e foi-se percebendo o que é que podia ser ao longo deste ano. Ao fim desse ano, chegou a um sítio em que se tem uma base mais sólida do ponto de vista editorial, em que as histórias que fazemos, como é que as escrevemos e fotografamos, como publicamos, consigo ter uma visão das quatro áreas do projeto (histórias, guias, comunidade e biblioteca). Conseguiu criar há volta disso uma comunidade, e acho que no fim tornou-se bastante sólida e fez sentido que, colocando o que foi feito em cima da mesa, lançar esta campanha, para poder ser algo muito maior e melhor. Queremos perceber se faz sentido financiar em conjunto, porque acho que a comunidade também beneficia do projeto e pode ser uma coisa comunitária. Dez mil euros são ambiciosos, mas há muita gente e entidades interessadas que exista um Lisboa para Pessoas. Eu dou a garantia de que continuo a alimentar isto, recebendo um salário mínimo, não há muitas pessoas dispostas a fazer isto, e com o compromisso de que vou continuar a trabalhar para que, até ao final do ano, haja novas fontes de financiamento e oportunidades que não dependem do esforço da comunidade. Caso não consiga arranjar essas novas fontes, põe-se um ponto final no que foi feito. 

G. – Neste momento és só tu a equipa? 

M. R. A. – Neste momento, sou só eu. Há muito esta ideia de que o recurso humano não tem valor, mas claro que tem valor, se estou a depositar tempo nela, tenho de receber por isso. Diariamente é o que eu faço, de segunda a sexta, e muitas vezes ao fim de semana. O valor arrecadado será para financiar o projeto de março a dezembro, e, no final do ano, se o valor acabar e não houver mais por onde continuar, não vou continuar o projeto. Quer usar esta oportunidade que as pessoas me vão dar para ter um compromisso, para tentar arranjar novas formas de financiamento. Se não conseguir, não se faz mais, e acabar não é catastrófico. Fica interrompido, pode voltar... mas acho que uma coisa importante é que, se acabar, fica no ar a memória do Lisboa para Pessoas, continuaram as coisas disponíveis (como o arquivo e toda a informação) para as pessoas, como um registo do que aconteceu.  

G. – Se conseguires continuar com este projeto, será alargado para todo o país, no futuro? Ou estes problemas que falas têm de ser primeiro resolvidos em Lisboa? 

M. R. A. – Acho que Lisboa não tem noção da sorte que tem. Apesar de a informação ser difusa em diferentes entidades e haver pouca ligação, e às vezes não haver muita transparência, porque parece que a câmara não gosta que haja órgãos de comunicação social a falar dela, porque não está habitada, apesar disso, se nós sairmos de Lisboa, formos para Coimbra, Aveiro ou outra cidade, vemos que não existe esta informação muitas vezes. Por exemplo, Aveiro não tem no site uma única página com a rede ciclável, ou mesmo o serviço de bicicletas partilhadas deles, a BUGA, não há informação. Se fores ao site dos transportes de Coimbra tentar perceber como funciona o passe, não dá para perceber... Há muito essa coisa de não mostrar os projetos, as plantas, o que vai acontecer na cidade. Perde-se nos arquivos, nas notícias, os sites das câmaras também não têm essa informação, vão-se perdendo imagens, fica disperso. Por isso, sim, acho que faz sentido haver mais coisas do género do Lisboa para Pessoas, e pode ser um caminho que se possa vir a fazer.  

G. – O que podes dizer às pessoas para que não se perca um projeto como o Lisboa para Pessoas, que é um serviço público? 

M. R. A. – É darem valor. Ao longo destes oito anos nestas andanças, percebi que a comunicação social tem, no geral, pouco valor do público. E se nós formos ver, se sairmos das grandes cidades e formos a um supermercado, não encontramos o Expresso ou o Público nas prateleiras, encontramos o Correio da Manhã, os jornais da Cofina. As pessoas passam a vida a trabalhar, a receber mal, querem te r uma vida digna e safarem-se na sua, não têm tempo para se preocuparem com as coisas dos outros, o que se passa à volta do mundo. Então é complicado, num país que é mais pobre e tem estas deficiências ainda, que a comunicação social também tenha valor.  

Acho que quem possa e tenha interesse, às vezes até podem ser fundações ou instituições a ter essa possibilidade, que apoiem e deem valor a estes projetos. Apesar de tudo, tivemos casos em Portugal que foram apoiados por fundações, mesmo nacionais, e acho que essas fundações e instituições podem olhar para estas iniciativas e ver valor nelas. Pedir às pessoas o passa a palavra, que é muito importante nesta fase e, claro, contribuir para o crowdfunding dentro das possibilidades e interesses de cada um.  

Crowdfunding a decorrer, aqui.

Texto de Patrícia Nogueira
Fotografia da cortesia de Mário Rui André

Se queres ler mais entrevistas, clica aqui.

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