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Maria Franco (Companhia de Dança de Almada): “O apoio aos coreógrafos não pode ser pontual”

Por entre as diversas salas que compõem a Academia Almadense, encontramos Maria Franco, diretora e…

Texto de Ricardo Gonçalves

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Por entre as diversas salas que compõem a Academia Almadense, encontramos Maria Franco, diretora e fundadora da Companhia da Dança de Almada, com quem tínhamos encontro marcado e que, desde logo, nos fala da importância de ter espaços disponíveis para a criação contemporânea. Enquanto procuramos o local mais adequado para esta entrevista, ouve-se numa das salas música tradicional portuguesa, onde diversos bailarinos preparam um novo espetáculo – Invernoque gira em torno da temática das festas tradicionais de Trás-os-Montes.

Em 1990, Maria foi responsável pela criação da Companhia e pelo Festival Quinzena de Dança de Almada, em 1992. Em ambos os projetos, foi motivada pela crença de que era necessário criar alternativas para os bailarinos que não encontravam saída profissional no país. Não sendo uma companhia restrita em termos dos bailarinos que a compõem, têm ao longo de 29 anos de existência, apostado na formação, com um ensino vocacional, mas também outro articulado com as escolas do concelho. A mediação com os públicos é fundamental para mudar a visão que existe sobre o papel da dança, refere.

Em entrevista ao Gerador, a diretora da companhia faz um balanço deste percurso e sublinha que há sangue novo na dança em Portugal, que precisa de um apoio contínuo, que ajude a criar bases para novos projetos, tal como aconteceu na década de 90 com a sua companhia. Almada é atualmente um lugar privilegiado para a dança contemporânea e muito se deve ao trabalho desta companhia.

Gerador (G.) –Em 1990, quando cria esta companhia, como é que a idealizava?
Maria Franco (M. F.) – Eu comecei aqui a dar aulas há 43 anos na Academia, não propriamente nestas instalações, mas neste edifício. Aí formei uma série de jovens que queriam seguir uma carreira artística, mas, não havendo companhias de dança, era complicado que os bailarinos formados tivessem um local para seguirem o seu percurso. Havia o Ballet Gulbenkian, mas a Companhia Nacional de Bailado nem sequer existia, tendo surgido apenas no ano a seguir. Além disso, a Companhia Nacional é de dança clássica e tem de ter um determinado perfil de bailarinos. Uma companhia contemporânea não tem de ser tão limitativa. Não é qualquer pessoa que pode dançar bailado clássico, tem de ter o físico adequado. Isso limita muito o ser-se bailarino. Numa companhia contemporânea isso é muito diferente. O bailarino tem de ter aptidões físicas para o fazer, mas não tem essas restrições. Não quer dizer que a dança contemporânea seja mais fácil, porque não o é, mas não tem essas regras tão definidas.

G. – Acaba então por criar a companhia em resposta a essa necessidade?
M. F. – Sim, para alguns que eram meus alunos e para outros que foram fazendo audições e foram entrando. Mas isto tudo surgiu porque concorremos a um concurso com estes alunos na altura para a Secretaria de Estado da Juventude e ganhamos o primeiro prémio e o da crítica. Isso foi um trampolim para nós formarmos a companhia. A Câmara de Almada também foi recetiva, e conseguimos espaço, porque o grande problema da companhia tem sido em ter espaço, precisa disso para poder funcionar, e é aí que surge a possibilidade para vir para estas instalações.

G. – A ideia foi ter sempre um repertório contemporâneo, mas tendo o bailado clássico como fundo?
M. F. – Não, sempre foi apenas contemporâneo. Não quer dizer que não se faça aulas de clássico para manter as técnicas. Temos aulas contínuas de bailado clássico e contemporâneo. São técnicas diferentes em que é preciso ter o corpo disposto, tem de se estar preparado fisicamente para todo o repertório. Somos uma companhia de repertório, no sentido em que convidamos vários coreógrafos a participar e a coreografar para a companhia e estamos abertos a diferentes estilos. Damos liberdade artística ao coreógrafo para que ele possa desenvolver o seu estilo de trabalho. Nós não impomos uma linha estética e apoiamos jovens coreógrafos. Para nós, isso é importante porque acreditamos que só assim é que a dança pode evoluir. Esse apoio aos coreógrafos que têm talento e precisam de ter continuidade não pode ser pontual. A Carla Jordão, que agora está na Alemanha e que está a ter muito êxito como coreógrafa, foi bailarina desta companhia, deu aqui os seus primeiros passos. Quando os artistas têm qualidade, nós apoiamos no desenvolvimento desse trabalho.

G. – A verdade é que já lá vão 29 anos. Quais os desafios atuais em dirigir uma companhia de dança, comparativamente à época em que foi criada?
M. F. – No início, foi mais fácil. Conseguimos mais apoios, as pessoas percebiam que estávamos a começar e havia um espaço por ocupar. Depois para manter uma companhia, é preciso financiamento, e esse foi sempre muito reduzido. Foi preciso sempre muita luta para conseguir manter a companhia a funcionar. Isso não depende apenas das qualidades artísticas da companhia, depende dos financiamentos. No Estado, como estamos sempre a mudar de quatro em quatro, temos de estar sempre a prestar provas, a apresentar novas candidaturas, novas propostas. Por acaso, há dois anos, os projetos mudaram, e é valorizado tudo aquilo que as companhias fazem, não só a nível de criação, mas também de formação, desenvolvimento de públicos e pesquisa. Mudou também a leitura que o Estado faz deste tipo de propostas artísticas, e este ano ficámos em primeiro lugar no projeto da DGArtes, garantindo um apoio a quatro anos o que nos dá uma grande estabilidade. Isso também nos levou a poder fazer várias parcerias, quer artísticas, quer de intercâmbio.

"Uma companhia contemporânea não tem de ser tão limitativa"

G. – Esta companhia ao contrário de outras aposta muito numa vertente de formação.
M. F. – Nós temos um ensino vocacional, começámos com esse modelo há cerca de dez anos e estamos desde aí a formar pessoas. Abrimos a companhia a esses jovens que querem vir fazer estágio e que, depois, têm opção de seguir o seu trajeto. Eu gostaria muito de ter todos esses jovens bailarinos na companhia, mas em termos financeiros nem sempre há essa possibilidade. Temos um grupo de sete bailarinos que já está junto há quatro anos e agora entraram dois bailarinos que vieram da nossa escola. Damos sempre essa possibilidade aos nossos alunos de poderem passar pela parte mais profissional da dança.

G. – Esta escola funciona com programas anuais?
M. F. – Sim, no ensino vocacional. As pessoas entram aqui todos os dias, agora ainda mais, porque temos também um ensino articulado, que nos foi permitido pelo Ministério da Educação. Eles aprovaram o nosso projeto e, nesse ensino, estabelecemos protocolos com escolas do concelho em que, em vez de terem disciplinas como a ginástica, vêm para a dança e são avaliados da mesma maneira. O currículo é conjunto, e estas disciplinas que fazem aqui contam para as suas médias e sucesso escolar.

G. – Essa função é, portanto, nova para a companhia.
M. F. – No ano passado, foi o ano-piloto. Este ano, já tivemos imensos alunos a inscreverem-se para este tipo de ensino e já estamos a funcionar até ao 9.º ano de escolaridade.

G. – O que é que significa hoje aprender dança?
M. F. – Mudou muita coisa. Na altura, quando formámos a Companhia de Dança de Almada começou a surgir o movimento da dança contemporânea, com o aparecimento de muitas companhias. Eu dancei na Companhia de Dança de Lisboa, na altura com o Rui Horta, e foi nesse período que começaram a surgir muitas companhias. O Ballet Gulbenkian também mudou, porque, embora seja uma companhia clássica, com a criação da Companhia Nacional de Bailado, as pessoas mais contemporâneas ficaram na Gulbenkian. Depois começaram a sair pessoas como o Paulo Ribeiro ou o Vasco Wellenkamp. A Vera Mantero foi minha aluna e é da mesma altura em que estas companhias começaram a surgir. Depois houve um período mau em termos de movimento artístico, mas, entretanto, já estão a surgir novos coreógrafos com força. A nova dança teve um papel muito importante porque deu espaço a novos criadores, mas surgiu uma tendência que é mais performativa e não tanto ligada à dança. Devia ter-se criado um outro nome. Nós mantivemos sempre a dança e fomos criticados por isso, porque tínhamos várias tendências, dávamos oportunidade a vários estilos artísticos, e isso gerou alguma polémica porque a nova dança estava na moda. As coisas estão a mudar e está-se a dar importância ao movimento, isso para mim foi sempre muito importante. Mas mesmo com várias tendências, movimento e dança têm de estar presentes, não é só performance.

G. – O fim do Ballet Gulbenkian foi um fechar de ciclo?
M. F. – O Ballet Gulbenkian era o objetivo para os jovens bailarinos e coreógrafos, porque tinha todo um estatuto. Claro que, ao terminarem com o Ballet Gulbenkian, acabaram com uma parte muito importante da dança em Portugal. Foi a pior decisão que alguma vez um diretor tomou em relação à dança. Criou-se um vazio.

G. – Por parte dos públicos, há atualmente um entendimento maior do papel da dança?
M. F. – O público está cada vez mais aberto. Claro que o público gosta daquilo que tem mais virtuosismo técnico, mas a dança tem de fazer, pouco e pouco, uma aproximação aos diferentes tipos de público. A dança contemporânea era vista como uma coisa estranha.

G. – Cabe às companhias fazer esse trabalho de mediação?
M. F. – Eu acho que sim, é por isso que nós fazemos muitos espetáculos para crianças. Temos formação, abrimos as nossas portas às diferentes escolas do concelho, convidamos as crianças a entrar num projeto em que têm de pensar como se fossem bailarinos durante um dia. É preciso que eles percebam o papel da dança, desde tenra idade. Isso é desenvolvimento e formação dos públicos e, em Almada, temos tido oportunidade de o fazer e com retorno.

G. – A Quinzena de Dança de Almada acaba por ser um momento importante na vossa temporada. Quando criaram o festival, em 1992, tinham a ideia de proporcionar encontros?
M. F. – Sim, fizemos isso como um ponto de encontro, de diálogo entre os artistas nacionais e estrangeiros, porque faz falta essa partilha de conhecimentos. As pessoas fecham-se muito e não partilham, e esse foi o nosso ponto de partida. A dança era um mundo muito mais fechado e ter isso em Almada acabava por valorizar o nosso próprio trabalho.

"Ao terminarem com o Ballet Gulbenkian, acabaram com uma parte muito importante da dança em Portugal"

G. – Que trabalhos é que a Companhia de Dança de Almada está a preparar?
M. F. –Este ano, porque tivemos uma residência artística na Alemanha e porque também não temos um espaço de apresentação nosso, estando, por isso, limitados às datas, vamos estrear uma grande peça em Bragança, no dia 28 de novembro, com base nas tradições dos caretos. Estamos a trabalhar numa primeira abordagem aqui e vamos fazer uma residência artística durante 15 dias lá. A temática gira em torno das festas tradicionais transmontanas, a que vamos juntar a vertente dança contemporânea. Vai chamar-se Inverno.

G. – E, no próximo ano, fazem 30 anos. Já pensaram como vão celebrar a efeméride?
M. F. – Eu estou a pensar nisso e vou lançar um desafio. Passaram por esta companhia muitos bailarinos, mais de 70, e então estamos a fazer um convite para nos juntarmos todos e apresentar uma criação conjunta.

G. – Que futuro esperam para a companhia?
M. F. – Nós vamos manter a linha que temos tido até agora, de ser aberta a várias coisas, de apostar na escola, na formação de públicos, interação com a comunidade, temos um grupo de seniores que vêm aqui fazer aulas e também um grupo jovens do bairro social do Monte da Caparica, com o qual temos vindo a trabalhar. A dança tem essa responsabilidade de ação com a sociedade e de intervir nas escolas. Essa intervenção parece-nos fundamental.

Texto de Ricardo Ramos Gonçalves
Fotografias de Diana Mendes

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