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Marianne no Iminente: “Só posso dizer que vou apresentar muita vulnerabilidade”

Marianne sobe ao palco do festival Iminente este domingo e promete uma atuação marcada pela vulnerabilidade e intimidade. “Vou fazer com que as pessoas se sintam no meu mundo”, conta o artista.

Texto de Isabel Patrício

Fotografia de Mãe Solteira Records via Youtube

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Vulnerabilidade, intimidade, partilha e imersão. São estas as palavras-chave da atuação que Marianne promete levar este domingo ao festival Iminente. “Espero conseguir fazer com que as pessoas empatizem, compreendam, tolerem, respeitem e fiquem fascinadas”, antecipa o artista, cujo trabalho pretende unir o mundo visual da moda ao mundo da música.

Em entrevista por Zoom, Marianne fala-nos sobre os dias em que tocava música clássica e as experiências enquanto modelo, mas também sobre a solidão, a falta de representatividade das pessoas não-binárias e o caminho que Portugal tem ainda de percorrer até à inclusividade. “Sinto-me sozinho. Sinto-me sozinho. Sinto-me sozinho de tantas formas”, canta o artista, que este domingo promete levar o público ao seu mundo.

Gerador (G.) – Comecemos pelo início. Que papel teve a música ao longo da sua infância e adolescência?

Marianne (M.) – A música, ao longo da infância e adolescência, teve um papel primordial. Quando eu tinha quatro, cinco anos, a minha mãe inscreveu-me nas primeiras aulas de solfejo, e foi essa a minha primeira interação com a música. O primeiro contacto foi aí. Depois, foi crescendo. A minha irmã já tocava piano, mas desistiu aos 12 anos. O piano ficou lá em casa, em standby até eu chegar. Os meus pais apostaram em mim nesse sentido e inscreveram-me no aos sete anos no Conservatório de Música de Genebra. Os meus pais imigraram para a Suíça nos anos 1980. Não deixei o piano até aos 19 anos, quando vim estudar para cá [Lisboa]. Dos sete aos 19 anos, vivi a vida de conservatório em torno da música clássica. Consegui complementar também com aulas de jazz. Sempre cantei muito também, mas as aulas eram particularmente para o piano. Tudo o que é cantar e produzir, aprendi de modo autodidata.

G. – A inscrição nas aulas de piano aconteceu por iniciativa própria ou mais por pressão dos pais?

M. – Sempre gostei de ver a minha irmã a tocar e pensava que, quando tivesse a idade certa, também queria ir para as aulas. A minha mãe sempre foi comigo às aulas. Não havia pressão. Foi sempre uma escolha. No início, ainda tentei o violino, mas o piano foi o que fluiu. Ter o instrumento em casa tornou também o processo mais fácil.

G. – Que influência tem esse histórico na música que faz hoje?

M. – Tudo o que vou apresentar agora no Iminente criei no meu íntimo. O trabalho que vou apresentar vai representar o meu percurso. As pessoas perguntam-me qual o meu estilo, e eu digo que faço Marianne. Posso pegar numa música clássica desconstruí-la e reconstruí-la. Posso pegar na “Sonata ao Luar” de Beethoven, que é uma das peças que mais toquei ao longo da minha vida, e reconstruí-la. Quando uma pessoa começa no clássico e quer ir para o jazz, as pessoas olham de lado. Estou a construir um universo íntimo, e a minha música é complementada por outros elementos performáticos. É uma expressão artística. O meu projeto não contém só música. O espetáculo no Iminente não terá só música clássica desconstruída, mas também beats lo-fi e hip-hop. Tento desconstruir todo o conhecimento com o qual cresci e reconstruí-lo à minha maneira, respeitando os protocolos.

G. – Falou da performance. A performance visual está sempre presente nos seus concertos. O que o leva a apostar nessa componente visual, além da sonora?

M. – Estou a tentar fazer uma experiência imersiva. Sim, é um concerto de música, mas quero que, como é tão íntimo o que estou a apresentar e é uma experiência só minha enquanto pessoa não-binária e transmasculina, as pessoas sintam que estão a entrar num mundo que é só meu. O visual, quer queiramos quer não, é muito forte. As pessoas são muito impactadas pelo imagético. As pessoas gostam muito de ver imagens que captam a atenção. Acho que o visual também conta uma história. O meu espetáculo vai ter partes em que, se calhar, não haverá música, mas a componente visual estará lá. O visual e a música estão sempre em junção.

G. – Especificamente sobre a atuação no Iminente. O que podemos esperar? Consegue levantar o véu?

M. – Só posso dizer que vou apresentar muita vulnerabilidade. Acho que nunca me apresentei dessa forma. É uma excelente oportunidade para conseguir mostrar o meu core, o meu íntimo às pessoas. Vai haver performance, dança e várias pessoas que me vão acompanhar em palco. Vamos ter vários instrumentos, como sintetizadores, e vamos fazer sons no local. Vou fazer com que as pessoas se sintam no meu mundo. Nunca se consegue experimentar o que é ser outra pessoa, mas espero conseguir fazer com que as pessoas empatizem, compreendam, tolerem, respeitem e fiquem fascinadas. Vou reconstruir em palco a minha casa.

G. – Voltando ao seu percurso. Em Lisboa, entrou no mundo da moda. Experimentou ser modelo e stylist. Como é que fez essa transição? E como é que essa experiência influencia hoje esse amor pelo visual?

M. – Cheguei cá [a Lisboa] e pensei que ia estudar. Conheci [o fotógrafo] Pedro Leote, que me perguntou se eu nunca tinha pensado em ser modelo. Disse que não e ele disse para fazermos uma sessão fotográfica. Comecei aí. As pessoas começaram a dizer que eu deveria ser agenciado. Mandei as minhas fotos para uma agência, que até hoje me acompanha. Depois, conheci o fotógrafo Francisco Narciso, que, na altura, precisava de alguém que tivesse sentido estético. Desde sempre que sei como me vestir. Estou a tentar unir o mundo da moda ao mundo da música, juntar esses dois polos que são muito importantes na minha vida. Ainda na semana passada, estive numa sessão fotográfica. Vivo disso ainda. A música, neste momento, não é algo que me dê [rendimentos] a 100 %. Quero viver só de arte, como freelancer. O que estou a tentar fazer é juntar esses dois mundos e é por isso que o visual é tão importante [nos concertos].

G. – O objetivo não será passar, então, a 100 % para o mundo da música e deixar o mundo da moda.

M. – Com certeza. Quero unir e conjugar esses dois mundos, onde me sinto confortável e sei que sou respeitado. São dois meios completamente diferentes, mas que trabalham juntos.

G. – Estar nestes dois meios em simultâneo traz-lhe alguma diferenciação em cada um deles?

M. – Exatamente. Os dois complementam-se bem. Agora fiz a campanha do próximo ModaLisboa, que vai acontecer de 6 a 9 de outubro. Chamaram-me e disseram-me que para eles já não sou modelo, mas um artista, que conjuga a moda com a música. 

G. – Em 2020, começou a produzir música. Esse ano acabou por ficar marcado pela pandemia e muitos músicos aproveitaram esse tempo para dar asas à imaginação. Como passou os confinamentos? Que importância teve esse momento na criação musical que leva ao palco?

M. – A música que levo hoje ao palco foi maioritariamente criada durante a pandemia e a quarentena. Não tinha trabalho. Não havia concertos. Não tinha lançado nada nas plataformas de streaming. Trabalhos de moda, também não tinha. Na pandemia, dediquei-me, então, a praticar. Não tinha muitas competências de produção. Todo o tempo que estive em casa permitiu-me fazer o projeto lindo que agora vou partilhar. Daí que tenha dito que vou apresentar tanta vulnerabilidade. Era um espaço em que estava sozinho. Tinha companhia de vez em quando, mas morava num T1 e só tinha o meu gatinho. O que me fazia sobreviver era estar a criar. Descobri muito a nível da minha identidade. O que me deixava mais calmo era conseguir escrever, produzir e saber que, depois da pandemia, teria algo para apresentar, que é o que vou fazer agora no Iminente.

G. – Na música “Lonely”, fala de uma solidão que se reflete de várias formas. Quantas facetas pode ter a solidão, na sua perspetiva?

M. – Quando lancei a “Lonely”, ainda me perguntei se as pessoas se iriam relacionar com ela, mas as pessoas de facto relacionam-se. Gostaria que [esta música] fizesse eco nas pessoas, quando a ouvem, de maneira própria. No meu caso, loneliness foi a solidão de encontrar representatividade do que sou na sociedade. Olhava à minha volta em Portugal e perguntava-me sobre quais eram as referências não-binárias, transmasculinas que existiam. Foi uma loneliness de identidade de género, de não saber onde me encaixava, de não compreender o que estava a acontecer comigo. As pessoas diziam que entendiam, mas não sabiam o que era. Pensava que mais valia não partilhar com ninguém o que eu estava a sentir. Mas não é uma solidão triste. É uma celebração de um corpo. É a solidão da existência de um corpo neste planeta. É a celebração dos vários corpos na individualidade deles. Sim, também pode ser interpretado como estar sozinho. Mas, quando lancei esta música, disse que isto é uma celebração à solidão, não é uma música para vos tornar tristes. É uma música para vos relembrar que são únicos e seres individuais.

G. – Falou sobre representatividade. Portugal é inclusivo ou não? Que retrato faz enquanto pessoa não-binária?

M. – Acho que Portugal tem potencial para ser um país inclusivo, mas, neste momento, isso não existe e há barreiras que têm de ser quebradas. É preciso representatividade para que isso aconteça. Estamos ainda numa fase muito inicial da comunidade para se dizer que Portugal é um país inclusivo. Não é. Não é para dizer que Portugal não entende o que é a inclusividade, mas é preciso ainda uma adaptação e uma compreensão muito maior relativamente à realidade das pessoas. O Brasil já tem uma frontalidade sobre a comunidade queer ou trans muito maior. Sinto que em Portugal é tudo ainda muito novo. As pessoas estão a tentar compreender. A minha missão é normalizar corpos como o meu e fazer com que as crianças que se identifiquem comigo não tenham dificuldades em se sentirem incluídas na sociedade. Neste momento, os corpos como meu não são normalizados. As pessoas não têm uma compreensão total. Temos de fazer um grande trabalho na linguagem inclusiva, na linguagem neutra. [É preciso] perguntar às pessoas os pronomes delas. Ter uma certa atenção. Acho que vai ser uma disciplina difícil de instalar.

G. – A outra faceta da solidão é que, especialmente durante os confinamentos, esse sentimento acabou por ganhar um peso tremendo. Essa experiência coletiva leva mais pessoas a identificarem-se com a sua música?

M. – Sim, muita gente diz que, durante a quarentena, passou por essa situação e ao ouvir a minha música já não se sentiu assim tão só. Foi uma solidão coletiva. É uma lembrança que é um festejo, ao mesmo tempo que serve para lembrar que estamos todos juntos neste barco. Também tenho uma versão acústica da “Lonely”, que é ainda mais dramática. Vou tocar no Iminente. 

G. – Em contraste com a solidão, qual é para si a importância da colaboração com outros artistas?

M. – É primordial. Se não tivesse [as pessoas que me rodeiam], não teria a música que vou apresentar. Sem elas o som não estaria onde está. Por exemplo, o visual que [a minha atuação terá] será em 3D. Não tenho competências, neste momento, para fazer isso. É o artista Francisco Narciso que o está a fazer. A colaboração faz com que consigamos representar o que é Marianne. Eu dou a cara, mas somos um coletivo. É uma colaboração de vários artistas. Prezo muito a colaboração.

G. – O que é que o inspira enquanto artista?

M. – São as pessoas que me rodeiam. Neste momento, estou a trabalhar como performer no Palácio do Grilo, onde há performances enquanto as pessoas estão a jantar. As pessoas com quem estou a trabalhar inspiram-me muito. Os artistas à minha volta de todos os contextos são o que me alimentam. A nível de inspiração musical, sempre me identifiquei muito com Amy Winehouse. A minha inspiração primordial hoje são os meus amigos, a minha família, as pessoas me apoiam, compreendem e querem ver isto avançar. 

G. – E como é que decorre o seu processo criativo, a nível musical?

M. – Componho e, depois, vou falar com um guitarrista ou um baterista. Vai-se desencadeando e há muito improviso. Muitas vezes, quando estou a atuar, do nada passo para o improviso e as pessoas que estão a tocar comigo também. Também acontece de produzir no Logic Pro e apresentar às pessoas. O processo criativo é uma conversa, onde sou eu que dirijo tudo, vem tudo de mim, mas as pessoas dão o seu input. A partir daí, cria-se um projeto gigante de colaboração. São várias pessoas com várias visões e várias experiências.

G. – Quais serão os seus próximos passos? 
M. – Agora estou focado em lançar o meu projeto, cujo nome revelarei no Iminente. Depois, queria começar a fazer um trabalho de colaboração com outros artistas. Fazer um álbum para unir identidades e experiências diferentes. O meu primeiro álbum quero que berre a minha identidade. Depois, quero colaborar, partilhar, fazer com outros. Estou a pensar chamar o artista Herlander, cujo trabalho me identifico muito. E [quero] também encontrar outros nomes. Na moda, continuar a uni-la à música. Unir todos esses mundos e continuar a fazer o que faço, que é ser eu. Ninguém me pode tirar isso.

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