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Meio no Meio

A semana passada tive o privilégio de assistir ao espetáculo MEIO NO MEIO, a recente…

Opinião de Sara Barriga Brighenti

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A semana passada tive o privilégio de assistir ao espetáculo MEIO NO MEIO, a recente criação do coreógrafo Victor Hugo Pontes, que integra participantes de duas gerações diferentes e que se debruça sobre fases distintas da vida:

“Quando ainda não chegámos à idade adulta, tudo parece possível e o futuro é uma incógnita, mas tentamos escolher como será a vida (ou sonhar com isso). Quando já chegámos ao meio da vida, muitas vezes olhamos para trás e tomamos o peso ao que aconteceu. Que sonhos se desfizeram, que conquistas se alcançaram, que imprevistos mudaram tudo?[i]

Este projeto artístico reuniu uma comunidade de profissionais e não profissionais (mais de 70 participantes) num processo longo (3 anos) e participativo, com uma forte componente de capacitação – formações artísticas em diferentes áreas (dança, teatro, artes visuais, cinema, hip-hop/rap) com diversos artistas-formadores – e que culminou na criação da própria peça.

O espetáculo reflete sobre a vida tal e qual ela é: as memórias do passado e as incertezas sobre o futuro: “jovens que estão a ponderar o que vão ser ou fazer discutem o futuro com um grupo de adultos na fronteira de outra etapa. No confronto dos dois mundos surge MEIO NO MEIO.”

A peça desenrola-se sob a forma de capítulos, narrados a partir de uma estrutura fluida (quase inexistente), mas ritmada pelo som da palma/claquete que permite marcar o início de cada entrada: narração, movimento, música. É uma espécie de “meta espetáculo” já que o que vemos é sempre o que ainda não está a ser gravado, digamos: um ensaio, aquilo que acontece antes de começar o próprio “espetáculo” - o que não é resultado final.

Na cena de abertura assistimos ao ritual de chamada por nomes próprios, como na escola, aqui repetidos como mantra: “Dúnia, Maria Augusta, Beni, João, Nérida, Luís, Rolaisa, Valter, Alegria, Dina, Sid, Mava, Paulo, Ricardo, Yana, Teresa, Dúnia, Maria Augusta, Beni, João...” (não exatamente por esta ordem). Nesta cena a velocidade dança. A ocupação do palco é total. Tudo indicia que os protagonistas se representam a si próprios, ou talvez uns aos outros, dizem-nos aliás que têm um duplo - mesmo o encenador. O ator que faz de Victor Hugo Pontes procura continuamente a estrutura da peça, o fio condutor que poderá tecer a mescla de vidas que se vão apresentando numa ordem própria, o código do grupo.

Cada personagem dá corpo a histórias reais vividas noutros países, alguns de origem dos próprios, ou nos territórios que hoje habitam nas periferias da área metropolitana de Lisboa: os bairros do 2º Torrão da Trafaria, Barreiro Antigo, Marvila e Vale da Amoreira (Moita). Quatro subúrbios da capital, separados pelas margens do Tejo, aqui tornados centro de vida, de voz e de criação.

Ao longo da peça as palavras e os corpos dos protagonistas relatam biografias marcadas pela experiência migratória, contadas na primeira ou na terceira pessoa (estórias pessoais ou familiares), vincadas pela guerra, pelo trauma... mas também episódios de alegria, privação, rituais, relações...

- Como dizem os participantes: “intensidade total”, “energia brutal”.

E assim, num recomeço cíclico que logo se torna estrutura, vamos sendo inseridos nesse MEIO que é em si o centro e o processo. É expiação e transformação (deles e nossa).

No palco a fusão de vidas pessoais permite o reconhecimento da intimidade, dos vínculos, do que nos é comum: a idade, os sonhos, as incertezas. No palco os corpos são novos, velhos, em crescimento, estão gritando as suas fragilidades, forças e desejos. São pessoas reais, ali, mesmo à nossa frente, cheias de uma sensibilidade que dança, se expõe e comunica. Seres singulares que ocupam coletivamente um espaço/tempo. São muitos, mas por vezes parecem um novelo de membros, memórias e experiências. Ali, mesmo à nossa frente, com tamanha intensidade - geram tremor.

MEIO NO MEIO é um espetáculo que começa antes de começar! É uma tarefa infinita, um processo que mobiliza a cultura de cada um para o território comum que é o palco, esse lugar simbólico onde tudo recomeça: - De novo, de novo! onde a repetição é método, o erro oportunidade e onde a vida é arte.

MEIO NO MEIO é um projeto artístico de Cidadania e de Democracia Cultural, onde cada cidadão pôde participar e ser responsável, comprometendo-se, valorizando o que sabe, as suas tradições, a sua voz. Como se diz na Carta do Porto Santo[ii]:

“A Democracia cultural implica a participação de cada um em prol da cultura de todos, não pode deixar de ser, também, a valorização do indivíduo, da sua capacidade pessoal de intervenção no mundo, do seu potencial criativo e deliberativo individual, da sua liberdade de expressão.”

Este é verdadeiramente um projeto de inclusão, de educação ao longo a vida e de emancipação.  Sobre os valores da equidade e da democracia faz emergir questões sem excluir, sem medo do dissenso ou do contraditório e coloca-nos, espetadores e atores, num plano comum que é o da responsabilidade pelo futuro de todos.

MEIO NO MEIO é um espetáculo de Victor Hugo Pontes, com texto original de Joana Craveiro, cenografia de F. Ribeiro e música de Marco Castro e Igor Domingues (Throes + The Shine), integrado no projeto MEIO NO MEIO, promovido pela Artemrede e apoiado pelo programa PARTIS da Fundação Calouste Gulbenkian. O espetáculo é uma coprodução de Artemrede, Nome Próprio e São Luiz Teatro Municipal.

Todo o processo de formação e criação foi registado e dará origem a uma longa-metragem documental, realizada por Maria Remédio, a estrear no final de 2021. O projeto teve ainda o acompanhamento do investigador Rui Telmo Gomes, do CIES-Iscte, o que resultará numa publicação, a lançar também em 2021.

Próximas apresentações:

ALMADA   Teatro Municipal Joaquim Benite
11 de setembro de 2021, sábado, às 21:00
12 de setembro de 2021, domingo, às 16:00

LISBOA   São Luiz Teatro Municipal
22 de outubro de 2021, sexta-feira, às 21:00
23 de outubro de 2021, sábado, às 21:00
24 de outubro de 2021, domingo, às 17:30

Direção Técnica e Desenho de Luz Wilma Moutinho Figurinos Catarina Pé-Curto e Victor Hugo Pontes Vídeo de Maria Remédio Apoio Dramatúrgico Madalena Alfaia Interpretação Alegria Gomes, Benedito José, Dúnia Semedo, João Pataco, Leopoldina Félix, Luís Nunes, Maria Augusta Ferreira, Mavatiku José, Nérida Rodrigues, Paulo Mota, Ricardo Cardoso Teixeira, Rolaisa Embaló, Sidolfi Katendi, Teresa Amaral, Valter Fernandes, Yana Suslovets Direção de Produção Joana Ventura Produção Executiva Mariana Lourenço

Parcerias Municípios de Almada, Barreiro, Moita, Lisboa, Rumo-Cooperativa Social, CIES-IUL – Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa Apoio à Residência Artística Centro de Experimentação Artística Apoio PARTIS III – Fundação Calouste Gulbenkian e República Portuguesa - Cultura I DGARTES – Direção-Geral das Artes


[i] http://www.artemrede.pt/pt_pt/project/meio-no-meio-2/

[ii] https://portosantocharter.eu/the-charter/

– Sobre Sara Barriga Brighenti –

Museóloga, formadora e programadora nas áreas da educação e mediação cultural. É subcomissária do Plano Nacional das Artes, uma iniciativa conjunta do Ministério da Cultura e do Ministério da Educação. Coordenou o Museu do Dinheiro do Banco de Portugal e geriu o programa de instalação deste museu. Colaborou na elaboração de planos de ação educativa para instituições culturais. É autora de publicações nas áreas da educação e mediação cultural.

Texto de Sara Barriga Brighenti
Fotografia de Ana Carvalho

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