O Silas Ferreira é músico, ilustrador e designer, não necessariamente por esta ordem. Fez parte dos Pontos Negros, de Chibazqui, dos Náufragos, toca com o Samuel Úria e com os amigos que o convidam quando a ocasião chama. A sua primeira paixão, desde pequeno, é o desenho, razão pela qual, mesmo quando não toca, acaba muitas vezes a fazer as capas dos discos. Nas teclas, no oboé, nas castanholas, na pandeireta ou na caneta de feltro (de cor preta, de preferência), se olharem na direção certa, mais tarde ou mais cedo pode ser que o encontrem por aí.
Fica com a sua seleção de 10 músicas de autores portugueses, aqui:
David Bruno, “Alfa Romeu & Julieta”
Uma das minhas melhores descobertas de 2018. Já tinha ouvido Conjunto Corona mas só quando ouvi o David Bruno é que percebi aquilo. Subitamente, identifiquei-me com aquela crónica da vida em Gaia, que tem tanto de realidade como de fantasia. Há poucas coisas que superem a combinação do talento com a capacidade de não se levar demasiado a sério.
Borboletas Borbulhas, “Bruno Morgado É Tudo O Que Interessa”
Esta cantiga representa um tempo em que a FlorCaveira só existia para quem fazia os discos e pouco mais. Ninguém tinha a ilusão de poder ir além daquela cave de Queluz. Os meus amigos na escola achavam ridículos estes discos mas eu perdoava porque eles não conheciam o Bruno Morgado.
Sagas, “Rostu Limpo”
Na altura em que descobri este disco do Sagas, pouco conhecia do hip-hop português além do que passava na Antena 3 e no Top+. Nas estações da Linha de Sintra havia autocolantes dos rappers e grupos de hip-hop da zona, colados nos postes, nas paredes, nas escadas, coisas que não apareciam na televisão nem tocavam na rádio. Sagas era até então o melhor rap de rua que tinha ouvido e ainda hoje não há muita coisa que lhe chegue aos pés.
Né Ladeiras, “Tu e Eu”
Provavelmente já tinha ouvido isto em miúdo mas quando verdadeiramente descobri a Né Ladeiras e esta canção foi numa viagem de carro com o Manel Fúria. Ele tinha no porta-luvas uma compilação em CD chamada “Luso Pop”, com uma capa ridícula que consistia num rip-off do Andy Warhol mas com um bacalhau em vez de uma banana. Entre óbvias seleções de Marco Paulo, Táxi ou Variações, estava lá também esta preciosidade.
Cassete Pirata, “Sem Norte”
Os Cassete Pirata são uma banda de malta que chega aos 30 e decide finalmente fazer a banda que deviam ter tido na adolescência. Só que se tivessem feito esta banda aos 18 anos tinham sido um prodígio em toda a linha. Estrearam-se em grande com um EP em 2017 de onde sai esta cantiga. É tudo bom, bem pensado, bem executado, emocionante.
Lucas Bora-Bora, “Deus na Rádio”
Lucas Bora-Bora chegou sem pedir licença, quando ninguém o esperava. Tomou-nos de assalto e depois desapareceu com a mesma velocidade. Foi uma pena não termos tido mais Lucas Bora-Bora mas espero que pelo menos este registo perdure na nossa memória por muitos e bons anos.
Classe Crua “A Minha Praia”
Um dos melhores discos de 2019 e uma obra que demorou um bom tempo a ser cozinhada. Às vezes é preciso esperar pelas coisas boas da vida. Beware Jack é um excelente match para o Sam the Kid e uma das mais características vozes do hip hop português. Penso que não lhe dão a atenção que merece.
Doismileoito, “Noventas”
Os Doismileoito também deviam ter tido mais da nossa atenção, sobretudo o segundo disco que levou as boas ideias do primeiro para outro nível, com um som mais heterogéneo e menos assente nas referências. “Noventas” é uma das melhores canções de “Pés Frios” (2011) e deu-nos uma das melhores frases cantadas nos últimos dez anos: “Tirem também fotos em funerais”.
Smix Smox Smux, “Uisquí”
Uma banda traída pela sua própria performance. Não por ser má, antes pelo contrário. Os concertos dos Smix Smox Smux (ou Smix, como lhes chamávamos para ser mais curto) foram das coisas mais divertidas de ver ao vivo naqueles nossos anos florescentes, mas nem toda a gente compreendia. No mesmo capítulo de não levar as coisas muito a sério, os Smix faziam canções sobre coisas que nós não podíamos imaginar. Espero que um dia lhes seja feita justiça.
Artur Gonçalves, “Não Passes Mais Com Ele na Musgueira”
Acho que foi o Gonçalo Gonçalves, o cantor romântico abandonado, quem me mostrou esta cantiga. Se não foi de facto, foi em espírito. Podia ter escolhido uma das dele mas acredito que ele próprio preferiria que eu escolhesse esta, ou “Tu És Baixinha” do Vitor Fernando, ou outra pérola esquecida da sua coleção de discos de sete polegadas. Aqui fica uma lembrança e um abraço.