Escrevo no dia seguinte à primeira volta das eleições brasileiras. Lula venceu com uma diferença de 5,2% em relação a Bolsonaro, sendo que Simone Tebet registou 4,16% e Ciro Gomes 3%. Saber como estes dois candidatos actuarão em relação ao sentido de voto na segunda volta ditará o resultado final. Lula ganhou, mas todos os cenários são possíveis na segunda volta. E o Partido Liberal, de Jair Bolsonaro, reforçou a sua presença no Senado Federal, ficando com a maior bancada.
Quando olhamos para estes números há duas maneiras de noticiar o sucedido: há quem prefira dizer que Lula teve mais seis milhões de votos que Bolsonaro e há quem prefira dizer que Lula venceu com 5% de vantagem, mas o Brasil ficou eleitoralmente dividido. A diferença estará no posicionamento do meio de comunicação. Dizer simplesmente que Lula ganhou com seis milhões de votos é verdade, porém dá uma dimensão de grandeza que não corresponde à realidade da imensidão de eleitores brasileiros — mais de 120 milhões de pessoas. É certo que por um voto se ganha ou perde uma eleição e esse é um fundamental princípio democrático. Mas, por outro lado, dar o resultado com as percentagens mostra uma realidade que a diferença numérica de votos não evidencia: a divisão do país. E mostra também que muitas das sondagens mais recentes falharam.Mas, regressemos à imprensa. Em Portugal o "Público" online deu destaque à vantagem de seis milhões de votos, enquanto o "Observador" centrou a informação na segunda volta e nas alianças possíveis dos candidatos que a vão disputar. O "Observador" assume-se claramente com um jornal liberal, posicionado naquilo a que se convencionou chamar a direita do cenário político. O "Público", pelo seu lado, foge como o diabo da cruz de dizer publicamente como se posiciona de facto, invocando ser independente e neutral. A independência e a neutralidade são conceitos muito interessantes mas, cada vez mais dificilmente se aplicam na comunicação social e isso só é mau quando é escondido. Não basta ter, como o "Público" tem, colunistas de vários quadrantes políticos, para se poder afirmar independente. Muitos dos seus títulos, alguns editoriais do seu Director e a forma como o noticiário está organizado, mostram que o "Público" se posiciona mais naturalmente no lado esquerdo do espectro partidário. Nada contra. Assino quer o "Observador", quer o "Público" nas suas versões digitais e tenciono continuar a fazê-lo. Mas, confesso que sou adepto daquilo que muitos meios de comunicação fazem por esse mundo fora. Posicionam-se abertamente, não têm receio de não passarem por independentes, estão mais preocupados, e com razão, em garantirem a qualidade do noticiário e das análises que fornecem. Em muitos casos os jornais dizem qual a recomendação do seu voto em véspera de eleições. Em Portugal também ganharíamos se os principais meios de comunicação dissessem claramente ao que vêm. Se não é pecado ser de esquerda, também não pode ser pecado ser de direita, desde que, de um lado e de outro, se respeitem os princípios básicos da democracia. Em Portugal, por vezes, tenho a sensação de que há quem pense que só a esquerda tem virtudes — e muitas vezes, ao ler o "Público", é isso que sinto nas entrelinhas. Winston Churchill tem uma citação que aqui reproduzo: "A democracia é o pior dos regimes políticos, mas não há nenhum sistema melhor que ela." A democracia só tem a ganhar com transparência e frontalidade, com o facto de cada um se assumir. A hipocrisia e o cinismo políticos são as duas armas maiores de quem esconde o seu pensamento. E isto, aplica-se tanto aos políticos como a quem trabalha em comunicação. Gato escondido com rabo de fora nunca é uma boa linha editorial.
-Sobre Manuel Falcão-
Manuel Falcão iniciou-se no jornalismo pela fotografia e, ao longo de duas décadas, desenvolveu a sua carreira como repórter e redactor. Foi fundador do Blitz e de O Independente, trabalhou nas Agências Notícias de Portugal e Lusa, no Expresso, no Se7e e na Visão, entre outros. Realizou vários programas de rádio. Dirigiu as áreas de produção de TV e de novas edições da Valentim de Carvalho e foi diretor do canal 2 da RTP. Foi também Presidente do Instituto Português de Cinema, Diretor do Centro de Espectáculos do CCB e administrador da EGEAC. Durante 15 anos, foi Director-Geral da agência de meios Nova Expressão. Em 2013 fundou a editora Amieira Livros, dedicada à fotografia e, em 2020, criou a SF Media onde desenvolve os seus projetos pessoais.