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MIL: Quando um festival se torna uma “voz ativa” de um setor

Será que o futuro da cultura é um futuro que se faz ao vivo? Que…

Texto de Patrícia Nogueira

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Será que o futuro da cultura é um futuro que se faz ao vivo? Que transformação digital consegue a música acompanhar? Como é que as artes podem ser voz, resistência e transformação? Nos dias 15, 16 e 17 de setembro, no MIL – Lisbon International Music Network, a música e a cultura discutem-se no presente e no futuro – “passar pelo MIL pode ter diferentes objetivos e dele podem retirar-se diferentes coisas”.

Foi em 2017 que a música ganhou um festival dedicado à descoberta, valorização, promoção e internacionalização da música popular atual. Gonçalo Riscado, diretor do MIL, lembra, em entrevista ao Gerador, a velocidade com que o festival cresceu, talvez pela urgência de ferramentas e definição de políticas e estratégias que deem aos profissionais um caminho seguro para continuarem a criar. O que é certo é que, entre os dias 15, 16 e 17 de setembro, o Hub Criativo do Beato é palco de um festival que traz um programa com mais de 50 concertos, 30 debates, keynotes, masterclasses e workshops, encetando uma reflexão crítica sobre a necessidade de se criarem essas mesmas estratégias a longo prazo para a recuperação de um setor posto, muitas vezes, em causa, ao mesmo tempo que pensa a transformação digital e o seu impacto.

Em 2021, o MIL é mais do que um ponto de encontro para os amantes do mundo da música, é um festival que quebra barreiras, acredita na paridade de género nos cartazes, é uma rampa de lançamento para artistas portugueses, mas também um cais de chegada, e aposta no diálogo e na aprendizagem como motor para a mudança. Em entrevista ao Gerador, Gonçalo Riscado contou a história destes quatro anos de MIL e falou sobre as três premissas a discutir ao longo do festival.

Gerador (G.) – O MIL teve a sua primeira edição em 2017. Que retrospetiva fazes destes quatro anos?

Gonçalo Riscado (G. R.) – Tem sido uma construção muito interessante porque começámos de uma forma explosiva. Quando começámos, não tínhamos muito tempo de preparação e de pensamento sobre o que íamos construir. Começou com um desafio do Instituto Francês para fazer um encontro entre artistas e profissionais franceses e portugueses, com alguns concertos. A três meses de isto acontecer, estávamos a começar a montar algo pequeno e, apesar de já existir uma convenção e festival com características de exportação e de formação – Westway Lab –, sentimos que podíamos acrescentar mais qualquer coisa, construindo em Lisboa uma iniciativa com estas características. Tentámos aproveitar essa oportunidade de existirem alguns recursos, para testar se isto faria sentido e aí nasce o primeiro MIL – feito muito a correr e focado na lógica de ser preciso juntar as pessoas para que conversem sobre os temas, questionando-nos que ferramentas poderíamos dar aos artistas e profissionais do setor para a exportação. Queríamos trazer profissionais que vinham ver artistas, tendo um cartaz sempre com presença nacional (pelo menos metade dele), e seguir o caminho do showcase de festival internacional, porque não há país que não tenha uma, duas ou três iniciáticas deste género. Desde o início que queríamos marcar a diferença em alguns aspetos, como a total independência para programar. Já tínhamos alguma experiência de frequentarmos alguns festivais e convenções, e sentíamos que, às vezes, há um poder dos export offices a definir quem são os artistas, e queríamos que o MIL fosse mais marginal, independente, no seu processo de curadoria e programação. Não quer dizer que não tenhamos apoios de export offices, mas queremos que o processo seja ao contrário, nós escolhemos o artista e depois procuramos um apoio para ele, e não um apoio que já traga artistas. Na altura, tivemos muito impacto, montámos em pouco tempo um MIL que teve bastante gente com bastantes profissionais internacionais presentes. Foi muito importante termos um apoio da cultura da Câmara Municipal de Lisboa e da Direção-Geral das Artes também. Depois fomos num crescendo, mantivemos sempre esta ideia de programação musical independente e conseguimos criar um encontro europeu muito descontraído e muito bem acolhido por parte de outros festivais na Europa e parceiros que já tínhamos nessa Europa: um lado muito descontraído, profissional, mas não com aquela tensão que a indústria coloca no negócio.

Tivemos esta interrupção para todo o setor da cultura, da qual vamos começar a sair, espero, e cujas consequências ainda são difíceis de avaliar, não só do que aconteceu no interregno, mas o que será esta recuperação também. Neste período, sentimos a necessidade de começar a focar a nossa convenção de uma forma um pouco mais objetiva. Se, no início, tinha vários temas dispersos, muitos deles dirigidos a uma formação técnica ou reflexões da indústria que se repetiam em muitas convenções, pensámos que fazia todo o sentido em focar a convenção em menos temas. Para além de sermos um ponto de encontro e debate, também temos qualquer coisa a dizer, no fundo queremos ter uma voz ativa. E daí o formato, que este ano é o que melhor materializa esta evolução e vem acompanhado de uma revista, que já vai na 2.ª edição. De facto, o setor da música é importantíssimo no setor das artes e cultura no geral, pelo alcance enorme em termos de audiência – e não vamos discutir se é arte ou não, porque é –, e tem outra coisa importante que é uma quantidade enorme de pessoas a praticar, numa relação que não é só de receber, mas de fazer parte, e isso traz imensa responsabilidade, e é nessa responsabilidade que gostamos de trabalhar e através dessa convenção trazer temas que achamos importantíssimos.

G. – As convenções são marcadas por três fortes questões: “O futuro da cultura é o futuro do ao vivo? “, “Que transformação digital?” e “Como resistir e transformar pelas artes?”. Porquê a escolha destas três premissas?

G. R. – Elas estão todas muito relacionadas, cruzam-se. A questão de o futuro da cultura ser o futuro do ao vivo tem que ver com o processo que passámos na pandemia e de uma primeira fase em que quase se decretou o fim da cultura ao vivo, o que seria gravíssimo em termos do que são os processos da cultura, da socialização e de trocas que não têm substituto no digital. Este foi um tema que, desde início, começámos a trabalhar nas nossas conversas online e para nós era essencial trazer este ano. A questão do digital já vem de algum tempo, mas este período que estivemos a viver ainda reforça mais a necessidade de debatê-lo, perceber os seus gravíssimos problemas, mas também percebermos que não vamos viver sem ele, é impossível. Então surgem questões sobre como abordar, lutar, resistir e forçar a que algo que, por um interesse e a favor de muito poucos, foi permitido que se construísse quase como um mundo paralelo sem regras, muito pouco democrático e muito pouco justo naquilo que tem que ver com a propriedade intelectual e direitos dos conteúdos de cada um, o que é tremendamente assustador. Ao mesmo tempo, sabemos que foi este tipo de ligação que permitiu uma série de temas importantíssimos e de minorias terem uma voz. Isto é um tema preocupante para a sociedade no seu todo, e para nós é o tema central, e no qual dedicamos os artigos principais da nossa revista, e trazemos depois para discussão na nossa convenção. Temos obviamente uma opinião muito crítica do que está implementado e do que se está a praticar, vamos tendo contacto com ideias, processos, pessoas, e esperanças, mas tudo isto são coisas que estão a acontecer agora. O nosso setor é tão importante para falar sobre estas temáticas, mas depois perde-se porque pode ter um lado interessante e ser, talvez, o único setor com alguma independência de poder fazer muitas coisas de forma autónoma, sem apoios públicos, mas damos por nós presos a ferramentas com as quais não concordamos e não estamos a pensar como podemos e devemos combatê-las. Nesse sentido, o MIL, mais do que explicar essas ferramentas ou ensinar os truques para melhor as usar, quer muito que este debate seja feito por todos neste setor.

G. – Como já referiste, já existiam iniciativas com um cariz de exportação quando o MIL surgiu, mas faltava discutir a cultura e a música em Portugal, principalmente novas estratégias e políticas culturais para o setor?

G. R. – Em escalas maiores e mais pequenas existem encontros e projetos que discutem a cultura e música, mas sentimos que havia espaço e necessidade de uma iniciativa que combinasse estas várias vertentes. Estamos a falar de espetáculos ao vivo de artistas que acreditamos que têm potencial para, no futuro, circularem num território maior que não apenas o seu país. Sentimos que há espaço, e é necessário, que os profissionais no setor da cultura e da música tenham um ponto de encontro alargado onde se possam conhecer, discutir ideias, ter contacto com profissionais, momentos de formação, e onde se possam lançar estas ideias de uma forma objetiva. Trazemos uma ideia para cima da mesa, temos um pensamento sobre ela, queremos expô-la e depois queremos abrir a discussão. No fundo, são várias iniciativas que se convergem no MIL, e passar pelo MIL pode ter diferentes objetivos e dele podem retirar-se diferentes coisas.

G. – Vocês trazem também para o centro da discussão, a questão sobre como resistir e transformar pelas artes. Como vão abordar este tema?

G. R. – Ela é abordada na nossa revista por alguns artigos de opinião. O tema da diversidade e representatividade na música tem sido muito forte nos últimos dois, três anos e o MIL, desde o início, associou-se ao projeto Keychange, que defendia que até 2020 existisse uma paridade em termos de representatividade de género nos cartazes. O projeto começa com olhar para os cartazes dos festivais e perceber que são compostos, maioritariamente, por homens. Esta era uma temática que já discutíamos internamente e de imediato envolvemo-nos nela, e se olharem para o cartaz do MIL, quer em termos de convenção, quer em termos de programação, estamos nessa paridade (já estávamos muito perto de o conseguir na edição que não aconteceu, e agora estamos lá). Pode-se discutir, se se deve, ou não, forçar isso, nós somos a favor de que sim, mas é um tema que se discute no MIL, e é importante que se discuta. Depois, todas as temáticas de resistência, não só das questões de género, mas a temática do racismo que é fundamental no setor da música onde muito se pode fazer e transmitir. Quando se olha para o programa, percebe-se o foco e a importância que damos a esses temas.

G. – Um dos vossos objetivos é a internacionalização da música popular atual. No que é que se tem traduzido para os artistas portugueses?

G. R. – Há vários casos, que não posso chamar de sucesso, porque o sucesso é algo consistente e não nos podemos esquecer de que no último ano e meio tudo parou, por isso há aqui uma avaliação àquilo que foi gerado no MIL e é interrompido. Temos parcerias com outras convenções e outros festivais. Através do MIL, já conseguimos que muitos artistas entrassem noutros países através de outros formatos, temos bastantes salas, neste caso já tínhamos uma vantagem porque o Music Box já pertence a uma rede europeia de salas bastante importante, o Live Europe, portanto, conseguimos tê-las envolvidas no MIL, e este ano vão voltar a estar cá através deste circuito. Conseguimos potenciar experiências de internacionalização, e chamo experiências porque um projeto internacionalizado significa que o seu território já passa a ser um território que não precisa deste apoio, que fica afirmado e enraizado dessa forma, e isso não posso dizer que esteja a acontecer com frequência, porque é algo complexo, mas através do MIL muitos artistas conseguiram organizar turnés, encontrar agentes e editoras interessadas em trabalhar com eles e representá-los fora do país. Tivemos e temos uma parceria muito interessante com a SIM São Paulo, onde todos os anos estávamos a levar cinco a seis artistas portugueses, e com resultados muito interessantes.

G. – Para quem tem pouco tempo, e não consegue ir todos os dias ao festival que artistas e convenções destacas?

G. R. – Essa é a pergunta mais difícil! Na parte musical, para além das duas residências artísticas, a primeira com os Lavoisier (PT) e Tarta Relena (CAT) e a outra que junta o Pedro Da Linha (PT) e o Álvaro Romero (ES), que será algo original porque é a primeira vez que estes projetos terão uma apresentação publica e ao vivo. Temos o destaque da Carla Prata, Yndi, Dino Brandão, Eu.clides, Naima Bock, Acácia Maior e Tristany, são algumas referências e sugestões. Mas é complicado quando se constrói este tipo de festival para as pessoas virem descobrir, dizer o que devem descobrir. Em relação à convenção eu irei estar, de certeza, na keynote do Andy C. Pratt, professor e investigador da Universidade de Londres, onde fomos buscar este tema do “The Future Of Culture Is The Future Of Live”, algo sobre o qual tem estado a escrever, e já o tínhamos para a nossa convenção em 2019 porque é alguém que fala sobre assuntos de cultura construção de cidade, de forma muito interessante e tenho muita curiosidade em ouvi-lo.

Texto de Patrícia Nogueira
Fotografias de Ana Viotti

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