Mulheres em Terra, Homens no Mar é a nova peça de Maria Gil, criada e interpretada por si, e estreia-se hoje na Casa de Teatro de Sintra/ Chão de Oliva, às 21h30. De forma direta ou indireta as mulheres sempre estiveram ligadas ao mar; Maria Gil recupera as suas vozes e leva-as para o palco. O Gerador esteve à conversa com a encenadora e atriz.
“Esta peça surge de um convite que o Museu Marítimo de Ílhavo me fez para criar um espetáculo que desse voz às mulheres — esposas, filhas e mães — dos pescadores de bacalhau”, conta Maria. A pesquisa que fez focou-se entre as balizas temporais da década de 40 e o 25 de abril de 1974, uma vez que “a chamada grande epopeia do bacalhau acontece durante o Estado Novo que, por um lado, protege e incentiva a pesca do bacalhau nos bancos da Terra Nova e na Gronelândia e, por outro lado, realiza uma folclorização, na tentativa de fixar identidades locais para representar a grande família das pescas”.
Foi no mesmo período que Maria Lamas, escritora e jornalista, se fez à estrada e viajou pelo país para conhecer as condições de vida das portuguesas, que retratou no livro As Mulheres do Meu País. No livro que acabou por se tornar umas das maiores referências da sua carreira, Maria Lamas retrata as mulheres do mar — a quem "dedica um capítulo inteiro”, sublinha Maria Gil —, que “não se resumem às esposas, filhas e mães de pescadores”, refere a atriz.
Ainda que o livro de Maria Lamas não seja o ponto principal do espetáculo de Maria Gil, “enquadra e contextualiza os testemunhos” que escolheu. “Para Maria Lamas as mulheres do mar são todas as mulheres que trabalham direta ou indiretamente para a economia do mar (trabalhadoras nas fábricas de conserva, nas secas do bacalhau, no fabrico e arranjo de redes, vendedoras de peixe, sargaceiras, pescadoras, entre outras)” — enquadra — “acho que a Maria Lamas é uma das primeiras pessoas a dizer isso e a valorizar o papel destas mulheres nesta economia, desequilibrando um universo excessivamente masculinizado e indo muito além das imagens tradicionais: a mulher à espera, a mulher vestida de negro (viúvas de vivo, como lhes chamam) ou de meras responsáveis pela economia doméstica e organização familiar”.
Mulheres do Meu País foi publicado no final dos anos 40 ©Maria Lamas
Além da pesquisa na biblioteca e os acervos do museu marítimo de Ílhavo e de Peniche, Maria Gil realizou entrevistas que lhe permitiram “ouvir os testemunhos de mulheres que viveram este período”. "As mulheres com quem falei são trabalhadoras e revelam formas de organização e de sobrevivência incríveis, num período em que uma das maiores desgraças era "ser pobre e ser mulher". Ouvimos estas histórias e pensamos, "passou pouco mais de meio século, no entanto, parecem histórias da idade média, do antigo regime... É sobretudo importante não a esquecermos e não deixarmos de as ouvir”, explica ao Gerador.
"As mulheres hoje são cidadãs de pleno direito e não de segunda classe, como antes do 25 de Abril de 1974. Foi uma mudança muito grande. É importante conhecer como aconteceu essa mudança. Os direitos nunca são adquiridos. Alguém teve de lutar por eles”, sublinha Maria Gil. A atriz acredita que“numa época excessivamente transparente e digital” como a que vivemos, "as palavras são uma tecnologia antiga que importa exercitar”. É por isso que leva para o palco as vozes que durante tantos anos ficaram na sombra.
Maria Gil nasceu em Lisboa em 1978. Divide com Miguel Bonneville a direção artística do Teatro do Silêncio, que desde 2011 ocupa o Lavadouro Público de Carnide. Ainda que aparentemente nada tenham a ver, os dois projetos — Mulheres em Terra, Homens no Mar e a ocupação Lavadouro Público de Carnide — levantam um ponto essencial aos dois: o de “não tornar exótico o olhar sobre o outro”.
Mulheres em Terra, Homens no Mar será apresentada nos dias 5 , 6, 12 e 13 de julho às 21h30 na Casa do Teatro de Sintra / Chão de Oliva. Os bilhetes têm um custo entre 7,50€ e 15€ (com jantar, sob reserva antecipada) e podem ser adquiridos nos locais habituais ou na Ticketline.