fbpx
Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Museu de Serralves e Casa da Música: a arte de desprezar quem trabalha

Há no Porto duas instituições, fundamentais para a criação e divulgação artísticas, que têm lidado…

Opinião de Amarílis Felizes

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Há no Porto duas instituições, fundamentais para a criação e divulgação artísticas, que têm lidado de forma particularmente descabida com quem lá trabalha, desde que se começaram a sentir as implicações da pandemia nas atividades artísticas. Ainda em março, a Fundação de Serralves decidiu deixar de pagar a vinte e três pessoas que trabalham no Serviço Educativo, ficando sem qualquer contrapartida as atividades que já estavam programadas e que não se puderam realizar. Do mesmo modo, foram descartados os/as técnicos/as do serviço de exposições, cancelados os planos de trabalho para as montagens e desmontagens de exposições, e os serviços de museografia. Passado algumas semanas, a Casa da Música dispensou também dezenas de trabalhadores/as, das áreas técnica, artística, da frente de casa, de mediação e de formação. Segundo o abaixo assinado que 98 trabalhadores/as enviaram à direção a 18 de abril, mais de uma dezena de formadores/as do Serviço Educativo tiveram perda total dos seus rendimentos pelo cancelamento das atividades. Foi-lhes ainda indecentemente proposto o pagamento em forma de “adiantamento”, ficando os/as formadores/as a dever essas quantias à Casa da Música, no formato de bolsa de horas. Uma proposta semelhante foi dirigida a cerca de 20 técnicos/as de som, luz, audiovisual, etc. que trabalhavam regularmente na Casa da Música, ainda que a recibo verde; e a técnicos/as menos regulares nem esta proposta de “adiantamento” foi feita, ficando estes sem nada com que contar por parte da instituição. Cerca de 50 assistentes de sala e guias tiveram, igualmente, perda total dos rendimentos provindos da casa da Música, o que para muitos é essencial. Do mesmo modo, alguns dos músicos que não pertencem às formações base dos agrupamentos residentes da Casa da Música, e que foram contratados para desenvolverem projetos a partir de abril, ficaram sem qualquer remuneração correspondente.

Todas estas pessoas trabalham a recibo verde, algumas são verdadeiros/as trabalhadores/as independentes e outras estão sob situações ilegais, por abuso da entidade que os contrata. Mas não trabalham menos, não são menos dependentes dos pagamentos que lhes devem, nem têm menos contas para pagar ao fim do mês do que qualquer pessoa com outro tipo de vínculo laboral. Contudo, nesta crise, a sua situação fica totalmente fragilizada porque podem ser dispensadas sem motivo, não acedem ao lay-off e não têm acesso a uma resposta social eficaz, pois muitas pessoas não são elegíveis para os apoios e estes são muito baixos.

Quem administra a Casa da Música e a Fundação de Serralves sabe disso. Por isso, a sua decisão é inaceitável, mas também incompreensível. Porque fazem esta escolha, aparentemente paradoxal, de abandonar quem constrói aquilo que são?

Dirão que tiveram uma quebra nas receitas - e não estarão a mentir, porque naturalmente perderam receitas de bilheteira, aluguer de espaços e até de patrocinadores -, mas não se podem redimir com essa justificação. Museu de Serralves e Casa da Música têm em comum o facto de boa parte do seu orçamento depender de transferências diretas do Estado através do Fundo de Fomento Cultural e de terem, por isso, membros da sua administração nomeados pelo governo. Contudo, não se conhece nenhuma tentativa de pressão junto do Ministério da Cultura para que tivessem um reforço no seu financiamento com vista a poderem garantir a subsistência das pessoas que deixaram sem rendimentos. A razão pela qual não o fizeram está por esclarecer. Mais inexplicável ainda é ver que também não houve pressão inversa. No dia 30 de abril foram aprovadas, em Conselho de Ministros, as transferências para estas instituições, que representam uma fatia muito significativa do pequeno orçamento público destinado à Cultura. Por exemplo, a transferência anual do Estado para a Casa da Música, que este ano é de 9,4 milhões de euros, ultrapassa largamente a que é feita para o Teatro Nacional São João ou para Teatro Nacional Dona Maria, que são instituições públicas. É verdade: a Casa da Música não é uma instituição pública e também não o é a Fundação de Serralves, por isso não obedecem às mesmas regras que todas as outras instituições públicas. Contudo, tendo o Ministério da Cultura conhecimento dos casos dos/as trabalhadores/as dispensados/as, não se compreende o porquê de não ter tomado uma posição no sentido de serem garantidos os rendimentos destas pessoas. Se este investimento público é importante para a política cultural – o que se comprova pela relevância do papel que ambas as entidades têm não só na cidade do Porto, mas em todo o país – tem de se traduzir em respeito por toda a gente que a concretiza.

Nas últimas semanas, a inação do Ministério da Cultura tem sido severamente criticada, de forma transversal e unânime. Não poderia ser de outra forma quando está à vista, prova atrás de prova, que este ministério se descarta de qualquer responsabilidade sobre aqueles/as que efetivamente constroem o serviço público que lhe compete garantir, num momento em que as suas vidas se encontram em estado de calamidade. A somar à absoluta irrelevância política de que a Plataforma do Cinema acusou o Ministério da Cultura, a sua exasperante inação revela sobretudo uma atitude de desprezo com quem trabalha.

-Sobre Amarílis Felizes-

Economista, profissional de bastidores (produtora, diretora de cena, stagehand) e espectadora de teatro aficionada, Amarílis é doutoranda em Economia Política (ISEG, ISCTE e FEUC) e coordenadora de produção da companhia de teatro Visões Úteis, no Porto. Entre 2015 e 2018, trabalhou na Assembleia da República como assessora política do Bloco de Esquerda e, nessa altura, fez também o mestrado em Economia e Políticas Públicas no ISEG, que culminou na dissertação “Política Cultural em Portugal – Determinantes da Despesa Publica em Cultura”. Aos 17 anos, encenou a sua primeira peça de teatro, a que se seguiram outras encenações com grupos de teatro juvenil e um percurso de estudo e participação em vários projetos de Teatro do Oprimido.

Texto de Amarílis Felizes
Fotografia de Inês Tavares

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

23 Abril 2024

O triângulo da pobreza informativa na União Europeia. Como derrubar este muro que nos separa?

23 Abril 2024

Levamos a vida demasiado a sério

18 Abril 2024

Bitaites da Resistência: A Palestina vai libertar-nos a nós

16 Abril 2024

Gira o disco e toca o mesmo?

16 Abril 2024

A comunidade contra o totalitarismo

11 Abril 2024

Objeção de Consciência

9 Abril 2024

Estado da (des)União

9 Abril 2024

Alucinações sobre flores meio ano depois

4 Abril 2024

Preliminares: É possível ser-se feliz depois de um abuso?

4 Abril 2024

Eles querem-nos na guerra

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

O Parlamento Europeu: funções, composição e desafios [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Narrativas animadas – iniciação à animação de personagens [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Comunicação Digital: da estratégia à execução [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Práticas de Escrita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Produção de Eventos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Pensamento Crítico [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online ou presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Soluções Criativas para Gestão de Organizações e Projetos [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online e presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação à Língua Gestual Portuguesa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

22 ABRIL 2024

A Madrinha: a correspondente que “marchou” na retaguarda da guerra

Ao longo de 15 anos, a troca de cartas integrava uma estratégia muito clara: legitimar a guerra. Mais conhecidas por madrinhas, alimentaram um programa oficioso, que partiu de um conceito apropriado pelo Estado Novo: mulheres a integrar o esforço nacional ao se corresponderem com militares na frente de combate.

1 ABRIL 2024

Abuso de poder no ensino superior em Portugal

As práticas de assédio moral e sexual são uma realidade conhecida dos estudantes, investigadores, docentes e quadros técnicos do ensino superior. Nos próximos meses lançamos a investigação Abuso de Poder no Ensino Superior, um trabalho jornalístico onde procuramos compreender as múltiplas dimensões de um problema estrutural.

A tua lista de compras0
O teu carrinho está vazio.
0