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Nada será como antes

Reconfigurar a paisagem do percetível e do pensável é modificar o território do possível e…

Opinião de Helena Mendes Pereira

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Reconfigurar a paisagem do percetível e do pensável é modificar o território do possível e da distribuição das capacidades e das incapacidades. O dissentimento recoloca em jogo ao mesmo tempo a evidência do que é percebido, pensável e fazível e a repartição daqueles que são capazes de perceber, pensar e modificar as coordenadas do mundo comum. É nisso que consiste um processo de subjetivação política: na ação de capacidades não calculadas que vêm fender a unidade do dado e a evidência do visível para desenhar uma nova topografia do possível. A inteligência coletiva da emancipação não é a compreensão de um processo global de sujeição. É antes a coletivização das capacidades investidas nesses cenários de dissentimento. É o pôr em ação da capacidade de qualquer indivíduo, da qualidade dos homens sem qualidades.[1]

Depois do dia em que o mundo parou e em que começamos a assistir a um retomar, ainda que lento, da oferta para consumo cultural dos públicos (considerando que a criação artística, essa, nunca parou) o futuro dos equipamentos e projetos de âmbito cultural passa, necessariamente, por um processo de resignificação dos projetos nos territórios, espelhados em estratégias de programação cultural ou linhas curatoriais profundamente vinculadas com estratégicas profundas de educação e mediação cultural, por um lado, altamente sensíveis e conscientes das questões da gestão integrada dos espaços e da sua urgente sustentabilidade (sendo que esta sustentabilidade não é contabilística, mas avaliada em parâmetros da economia da cultura e do retorno indireto da mesma). Não obstante, pensar estrategicamente equipamentos e projetos com tamanha complexidade, não só impõe um discussão alargada com agentes internos e externos, de dentro e de fora do território, nacionais e internacionais, como depende de uma análise dos dossiers, de uma avaliação dos procedimentos e das dinâmicas do quotidiano. Neste sentido é necessário e urgente que as equipas conheçam, profundamente, os territórios e que sejam reconhecidas pelos mesmos e que combine, nessa proximidade territorial, uma visão mundo, ampla e completa nos desafios que a cultura enfrenta no presente e no futuro no sentido de se tornar a fruição cultural como um lugar de encontro e construção coletiva e individual. O discursos difundidos, por exemplo pelos museus e centros de arte contemporânea, que já trabalham a partir de objetos de natureza tão indecifrável, não têm de ser populistas ou redutores, mas podem ser abertos e a curadoria pode contribuir para propostas de leitura que formem espectadores emancipados, os tais de que fala Rancière, sem primeiro repelir ou excluir ou, até, pré-conceitualizar. Os espaços de fruição cultural querem-se de todos e para todos, espaços vividos e cuja formulação deve corresponder aos 4 E’s da experiência museológica de que fala Alexandra Gonçalves, ex-diretora regional de Cultura do Algarve:

• Educação;

• Entretenimento;

• Experimentação;

• Emoção.

A Internet e o digital oferecem-se, em toda esta escala de ação, como uma possibilidade de ampliação dos meios e das estratégias de educação e mediação cultural e o certo é que, depois do dia em que o mundo parou, nada será, nem pode ser, como antes. O tempo pandémico vigente acelerou a revolução tecnológica e fez-nos acordar para uma urgência que ignorávamos: a de que não é possível pensar em programação cultural, seja no âmbito dos equipamentos com funcionamento permanente ou dos eventos e projetos mais efémeros, sem pensar, simultaneamente, na criação e disponibilização de conteúdos para uma experiência presencial e à distância. O digital terá de ser considerado muito para além das suas possibilidades deste publicitar o que aconteceu ou vai acontecer. A pandemia só acelerou um estado transitório para aquilo que se constitui como uma oportunidade de difusão, de conquista e fidelização de públicos através da Internet e das suas ferramentas.

A experiência à distância não substitui, porque nada substitui, a ativação sensorial, emocional e intelectual de assistir a um qualquer tipo de espetáculo ao vivo, de visitar uma exposição e muito menos a de fazer parte de um processo criativo na tanta oferta de projetos com comunidade que há (ou havia). O consumo cultural tem, contudo, múltiplas facetas e importa considerar as conquistas democráticas que podemos proporcionar com uma programação cultural que pensa, em simultâneo, opções para visitantes reais e virtuais. Esta é, também, a grande hipótese da internacionalização, se os conteúdos forem, evidentemente, acessíveis em diferentes idiomas (ainda que grande parte das plataformas já façam traduções automáticas). É possível chegar a todo o mundo e abrir o manancial de escolhas, por exemplo, para o turista que deixa de ficar dependente nas suas escolhas, das sugestões lobistas feitas pelos guias ou por agentes, grossitas e retalhistas, com interesses particulares. Quem melhor comunicar, chega mais longe e a mais públicos e isso trará consequências. E, em muitos casos, não se trata de ter excecionais meios técnicos, mas de imaginação, de criatividade e de encontrar a chave diferenciadora da programação de cada um e de como a difundir adequadamente e originalmente.  O digital dá-nos a oportunidade, não só de preparar o visitante para o que vai encontrar na sua experiência presencial, mas de conseguir proporcionar, nessa visita presencial, experiências mais individualizadas e informadas. Evitar enchentes e permitir o distanciamento físico nos espaços poderão ser lógicas do presente com futuro.

Dentro deste “nada será como antes” existem já estruturas e equipamentos a dar bons exemplos e a apostar bem e certo. Há que os seguir e apoiar.  A cultura já perdeu tanto com este dia em que o mundo parou, não deixemos, pelo menos, que se perca uma oportunidade de chegar mais longe, de diferentes formas.


[1] RANCIÈRE, Jacques – O Espectador Emancipado. Lisboa: Orfeu Negro, 2010.Página 73.

-Sobre Helena Mendes Pereira-

É curadora e investigadora em práticas artísticas e culturais contemporâneas. Amiúde, aventura-se pela dramaturgia e colabora, como produtora, em projetos ligados à música e ao teatro, onde tem muitas das suas raízes profissionais. É licenciada em História da Arte (FLUP); frequentou a especialização em Museologia (FLUP), a pós-graduação em Gestão das Artes (UCP); é mestre em Comunicação, Arte e Cultura (ICS-UMinho) e doutoranda em Ciências da Comunicação, com uma tese sobre a Curadoria enquanto processo de comunicação da Arte Contemporânea. Atualmente, é diretora geral e curadora da zet gallery (Braga) e integra a equipa da Fundação Bienal de Arte de Cerveira como curadora, tendo sido com esta entidade que iniciou o seu percurso profissional no verão de 2007. Integra, desde o ano letivo de 2018/2019 o corpo docente da Universidade do Minho como assistente convidada. É formadora sénior e consultora nas áreas da gestão e programação cultural. Com mais de 12 anos de experiência profissional é autora de mais de 80 projetos de curadoria, tendo já trabalhado com mais de 200 artistas, nacionais e internacionais, onde se incluem nomes como Paula Rego (n.1935), Cruzeiro Seixas (n.1920), José Rodrigues (1936-2016), Jaime Isidoro (1924-2009), Pedro Tudela (n.1962), Miguel d’Alte (1954-2007), Silvestre Pestana (n.1949), Jaime Silva (n.1947), Vhils (n.1987), Joana Vasconcelos (n.1971), Helena Almeida (1934-2018), entre tantos outros. É membro fundados da Astronauta, associação cultural com sede e Guimarães e em 2019 publicou o seu primeiro livro de prosa poética, intitulado “Pequenos Delitos do Coração”.

Texto de Helena Mendes Pereira
Fotografia de Lauren Maganete

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