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Nãm: Quando das borras do café nascem cogumelos, e uma educação para a economia circular

E se do café que bebemos diariamente, nascessem cogumelos pleurotos? Há quatro anos, Natan Jacquemin…

Texto de Patrícia Nogueira

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E se do café que bebemos diariamente, nascessem cogumelos pleurotos? Há quatro anos, Natan Jacquemin começou a pensar nesta ideia. Hoje, recebe borras de café Delta e leva cogumelos frescos às mesas dos restaurantes lisboetas – “from waste to taste”.

Portugal é conhecido pelas várias formas de servir café e também por ser um dos países onde o café é mais apreciado. De acordo com a Associação Industrial e Comercial do Café, cada português consome, anualmente, mais de cindo quilos de café. A questão que se levanta é: para onde vai a borra que não é utilizada?

Natan encontrou no desperdício uma forma de florescer cogumelos, valorizando aquilo que, à partida, vai acabar no lixo. Formado em Gestão, apaixonou-se por Portugal e pela forma de produzir sem prejudicar o planeta. Encontrou um espaço no largo do Intendente, em Lisboa, e construiu uma pequena quinta urbana no coração da cidade. De restaurante em restaurante, fazia a recolha das borras de café que todos os meses davam origem a cerca de 100 kg de cogumelos. Até ao dia em que um dos seus professores de universidade gostou da ideia e apresentou-o ao CEO da Delta, Rui Miguel Nabeiro. A recolha das borras de café passou a ser feita pela Delta, e a Nãm viu a matéria-prima aumentar assim como a produção, e a quinta mudou-se para uma antiga oficina da Rua Amorim, em Marvila.

O processo é simples e assente naquilo em que Natan acredita: uma economia circular com base no upcycle. A Delta traz a borra, já analisada, mistura-a com palha, água e micélio, a bactéria que dá ao plaerotus a possibilidade de crescer. Quando toda esta mistura é pasteurizada, é posta em sacos, durante um período de três semanas, num espaço de incubação. Após esse período, o saco é cortado para que o cogumelo possa começar a espreitar. Quando isso acontece, os sacos são transferidos para os contentores que simulam um ambiente de floresta para aquilo a que chamam frutificação. Cada saco tem 10 kg, dos quais saem cerca de 2 kg de cogumelos. Mas não fica por aqui. Depois dos cogumelos serem recolhidos, o conteúdo do saco é reutilizado como fertilizante nas hortas comunitárias.

Atualmente, quem visita a quinta pode comprar cogumelos ou as ferramentas para os fazer crescer em casa. No futuro, Natan espera ser capaz de produzir mais espécies de cogumelos, e replicar a sua quinta noutros sítios da cidade, para que Lisboa tenha uma comunidade de agricultores urbanos de economia circular.

Em entrevista ao Gerador, Natan contou-nos como foi o processo até chegar à Delta, falou-nos sobre a importância das sinergias entre empresas, como o upcycle pode valorizar aquilo que consideramos desperdício, e como a educação pode mudar a consciência do mundo.

Gerador (G.) – Como surgiu a ideia de fazer florescer cogumelos a partir de borras de café?

Natan (N.) – Foi um caminho, não foi uma ideia. Quando tinha, mais ou menos, 21 anos, comecei a preocupar-me mais com o ambiente, comecei a ler muito, e a perceber que o oceano, as florestas e o mundo não estava no caminho certo. Sempre pensei em criar o meu negócio, mas a pouco e pouco esta questão começou a ser mais importante para mim, queria que fosse algo que fosse ao encontro dos meus ideais, não queria fazer qualquer coisa. Queria um modelo de negócio em que conseguisse equilibrar as coisas, porque o negócio é uma coisa, mas o dinheiro que ganhas com ele é só a gasolina que vai alimentar o carro que te leva onde queres ir, quer seja ajudar as pessoas, ou o ambiente, o negócio é só uma desculpa para isso. Desde o início quero que a Nãm seja essa mudança. E acredito que os negócios de amanhã são assim.

G. – Em pouco tempo conseguiram criar um impacto na comunidade, não só pela ideia, mas pelo que tem surgido…

N. – A nossa visão é criar uma comunidade de agricultores urbanos. Queremos ter vários contentores pela cidade, onde cada pessoa que quer ser um agricultor urbano de economia circular, ou seja, aproveitar o desperdício de borra de café, pode fazê-lo. Por exemplo, agora estamos a aumentar a produção para conseguirmos reciclar mais borra. Aqui fazemos upcycle, reciclar é don’t cycle.

G. – Podes explicar-nos a diferença entre os dois?

N. – Upcycle é encontrar um desperdício e fazer algo que tenha mais valor do que o produto inicial. A borra de café não tem grande valor na economia, mas se a transformares em cogumelos ou fertilizante, crias mais valor. O nosso objetivo a longo prazo é criar uma unidade para upcycle de mais borra de café e, a partir desta unidade, fornecer substrato a diferentes pontos da cidade, onde podes cultivar cogumelos.

G. – A Nãm é um projeto inovador e a primeira quinta urbana da cidade. Como foi o processo, foi mais difícil começar?

N. – Nunca pensei bem nisso. Sempre quis fazer, por isso nunca me perguntei se seria a altura, no entanto ser o primeiro tem vantagens e desvantagens, claro. A vantagem é que, quando algo é novo, é mais fácil ter atenção, por outro lado, não tens ninguém para te dar dicas e ajudar, não existem estruturas já feitas, não há mercado e, como és o primeiro a fazer, tens de justificar porque o estás a fazer.

G. – Como é o processo desde o momento em que bebemos um café, até ao momento em que já estamos a comer um cogumelo?

N. – Existem três coisas muito boas no café que ninguém vê. Primeiro, a borra do café é gratuita, porque é considerado desperdício – mas espero que no futuro mude, porque é sinal de que as pessoas vão vê-la como um recurso e significa que estamos a mudar o paradigma sobre o que é o desperdício. Segundo, o café é feito com água quente, o que significa que esteriliza a borra e o café vem limpo. Terceiro, como no café aproveitamos apenas o sabor, não aproveitamos todos os nutrientes, ainda ficam muitos nutrientes que vão ser aproveitados. Então, bebemos o café e depois fazemos a recolha da borra. Esse é um grande problema porque, apesar da borra estar localmente disponível, a logística de ir buscar a borra a todos os restaurantes e cafés, é muito pesada e complexa. Nesse sentido, a Delta tem uma grande operação de máquinas de venda que nos tem ajudado porque estas máquinas que estão nos escritórios e universidades, estão fechadas e não recebem lixo. Por outro lado, a Delta faz a manutenção, então aproveitámos esta logística para aproveitar a borra. Quando a Delta nos traz a borra, cerca de 200 kg por dia, três toneladas por mês, misturamos a borra com palha, água e micélio e seis semanas depois temos cogumelos no centro da cidade. No dia em que fazemos a recolha dos cogumelos, também os entregamos nos restaurantes com quem trabalhamos. Como tudo acontece no centro da cidade, entregamos até 15 quilómetros daqui, porque queremos ser o mais local possível, pela questão da pegada carbónica, frescura dos cogumelos e qualidade. Depois disso, o que sobra, ou seja, a borra e a palha, são ricas em nutrientes e por isso damos ou vendemos às hortas comunitárias.

G. – Têm a Delta como parceiros, achas que o futuro das grandes empresas passa por se associarem a pequenos negócios?

N. – Faz parte de todas as empresas olhar para os pequenos negócios para ir buscar inovação e flexibilidade, mas mais importante do que isso, o mundo económico funciona em comunidade, trabalhamos todos juntos, e é importante encontrar sinergias entre pequenas e grandes empresas. É importante não só trabalhar com pequenas, mas também perceber como podemos trabalhar em conjunto para criar o máximo de valor possível, seja ele económico, ambiental ou social.

G. – Mas existe uma maior consciência sobre sustentabilidade…

N. – A mudança já se iniciou há algum tempo, sinto que cada vez há mais existem mais pessoas, mas não sei se mais preocupadas. É uma mudança que vai demorar tempo e precisamos sempre de mais pessoa preocupadas e prontas a participar. Nem que seja com uma pequena compra. Quando compras uma garrafa de plástico, estás a pedir que a fábrica produza mais. Se comprares cogumelos, estás a pedir-me que eu produza mais. A vertente económica é a mais difícil, porque tudo o que é bom para o ambiente é caro, e o que é mau é barato. Os modelos de negócio ainda não estão ajustados, para que tudo o que é bom para o planeta seja barato. Nunca vamos conseguir ter um impacto grande se não chegarmos ao consumidor do dia a dia. Por isso, mais do que estarmos no supermercado e ter um grande volume de negócio, o que é importante para a Nãm é construir uma comunidade de pessoas que acreditam que a economia circular tem um impacto positivo.

G. – Quais são os próximos passos?

N. – Temos uma unidade para aumentar a produção, ao lado da unidade de venda, onde vamos buscar a borra do café, para aproveitar melhor a borra e em maior quantidade. A partir daí, a estratégia vai ser replicar as quintas urbanas noutros sítios da cidade, perto de pontos de fácil acesso à borra do café. Estamos também a tentar abrir um café dentro da nossa quinta, para receber toda a gente, para descobrirem o mundo dos cogumelos de forma relaxada. E esta parte ajuda a outra parte do projeto, a educação, uma das nossas preocupações.

Texto por Patrícia Nogueira
Fotografias de Carolina Marta

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