“Conheci um homem, agora estou nervosa porque não sei como vou dizer a ele que tomo medicamentos controlados. Melhor calar para não causar má impressão. Só minha mãe sabe, nem aos meus amigos contei. Não gosto de falar de problemas pessoais, as pessoas julgam, prefiro que pensem que tudo está bem, é melhor assim. Quando fico triste choro sozinha, ninguém sabe, ninguém imagina. As pessoas não querem saber de problemas, ninguém se importa. Algumas vezes tentei verbalizar, mas ouvi: vai dar tudo certo, não fique triste. Ah, sei lá, parece que incomoda falar de tristeza.”
M, 28 anos, mulher, cisgénero, negra, brasileira.
Caros leitores, pessoas têm sido tomadas por energias transcendentais e criaram uma cultura de mentalização positiva e estado de felicidade plena em que o bem-estar transformou-se na única realidade possível. Certamente o excesso de otimismo aniquila a possibilidade de expressar o que temos de mais humano em nós, nossas emoções, sejam elas quais forem.
Cercados de mensagens positivistas, criamos uma realidade paralela, uma bolha generalizada produtora de relações superficiais. Nesse sentido, percebe-se assim uma imensa resistência em demonstrar fragilidades, visto que estas assumiram conotações negativas e são encaradas como fracasso pessoal. O resultante é milhares de pessoas impedidas de falarem sobre tristeza, dor, frustração, raiva, sentimentos esses tão legítimos quanto a felicidade. E nem pretendo abordar a hipermedicalização da vida, esse é um assunto para outro artigo.
Caso não saibam, os gabinetes de psicologia estão lotados de indivíduos que procuram um espaço para simplesmente conversar, falar e ser ouvido, ser acolhido. Muitas dessas pessoas envergonham-se por não ter experiências sensacionais para compartilhar, elas sentem-se excluídas desse social absurdamente exigente e consumista de histórias de superação e sucesso, mantenedor de idealizações e estados motivacionais permanentes.
A positividade tóxica é uma forma de evitar ou negar o sofrimento e as emoções vistas como negativas, de fugir de eventuais fracassos ou falhas e erradicar o pessimismo do campo do pensamento. A crença é que tudo está na mente, herança de correntes psicológicas positivistas responsáveis pelos estudos das cognições que impactam os comportamentos. Parece-me que houve uma subversão neste ponto, pois a Psicologia Positiva em momento algum sugeriu a negação de certas emoções em detrimento de outras e, sim, a nossa capacidade em valorizar emoções positivas.
As frases de efeitos “vai dar tudo certo”, “vamos pensar positivo” parecem ser os mantras atuais estilo ser humano evoluído namastê. Decerto é unanimidade que pensar positivo auxilia em muitos aspetos da vida, esse não é o problema e sim os extremos. Há que se ter bom senso! Então, quais seriam os reais prejuízos da positividade tóxica?
As emoções e os estados motivacionais são importantes termômetros de nosso mundo interno e o contato com nossa realidade interior é sempre uma oportunidade de desenvolver resiliência e enfrentar as vicissitudes da vida. Ao negarmos estes fatores nos alienamos de nós mesmos, perdemos a capacidade em lidar com a nossa verdadeira natureza.
A pergunta é, como combater a positividade tóxica e achar a medida certa?
“Fui tomado por uma tristeza profunda, uma frustração abismal, estou tão dececionado, tão desolado. Não esperava ser tão invisibilizado pela minha família como tenho sido desde que cheguei cá. Peço desculpas, doutora, tive que ligar-lhe. Ora veja, estou eu aqui na estação de comboios e de repente comecei a chorar desesperadamente, eu, um homem negro, a chorar. Sabes o que se passou? Uma jovem aproximou-se e perguntou: posso te dar um abraço? Me fez tão bem, era mesmo tudo que eu precisava”.
C, homem, 39 anos, negro, cisgénero.
Primeiramente devemos aceitar o fato que a vida não é estática, é dinâmica, assim como nossas emoções. Tudo há de ter dois lados, inclusive é a lógica da natureza, sendo assim as emoções positivas e negativas tem suas funções, ambas são importantes. É totalmente cabível promover estados de bem-estar e positividade na medida certa sem ignorar emoções ditas como negativas, é preciso acolhê-las do contrário tornam-se sintomas. Como se diz “ o que a boca cala, o corpo fala”, o sintoma sempre encontra um meio de expressar-se, acreditem. O positivismo exacerbado nos condena a uma realidade paralela e pode acarretar perturbações psicológicas e psiquiátricas, então, evite. Sobre as interações sociais, o ideal é acolher em vez de proferir frases motivacionais prontas, muitas vezes o outro quer somente ser ouvido, treine a escuta atenta e empática, pode fazer uma enorme diferença na vida de uma pessoa. E finalmente é fundamental não ter a obrigatoriedade de estar bem a todo o momento, nossas imperfeições e vulnerabilidades fazem parte de nossa subjetividade.
- Sobre a Shenia Karlsson -
Preta, brasileira do Rio de Janeiro, imigrante, mãe do Zack, psicóloga clínica especialista em Diversidade, Pós Graduada em Psicologia Clínica pela PUC-Rio, Mestranda em Estudos Africanos no ISCSP, Diretora do Departamento de Sororidade e Entreajuda no Instituto da Mulher Negra de Portugal, Co fundadora do Papo Preta: Saúde Mental da Mulher Negra, Terapeuta de casais e famílias, Palestrante, Consultora de projetos em Diversidade e Inclusão para empresas, instituições, mentoria de jovens e projetos acadêmicos, fornece aconselhamento para casais e famílias inter racias e famílias brancas que adotam crianças negras.