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No 1º de maio também se come…

O que é que o 1º de maio – “May Day” – ou o mês…

Opinião de Manuel Luar

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O que é que o 1º de maio – “May Day” – ou o mês de maio em particular, poderão ter a ver com a gastronomia?

Segue estória que explica o caso.

Esclareço primeiro que o título não se refere a "Mayday" (tudo pegado) que é a corruptela anglo-saxónica do francês "M'Aidez" (Ajudem-me) e que se transformou na sigla universal para um pedido de socorro na terra, mar ou no ar.

Falamos antes das festas de maio nas duas vertentes mais importantes do seu significado, na literatura da antropologia clássica ou na mais recente história da classe operária.

A mais próxima de nós ilustra os tenebrosos acontecimentos do dia 1 de maio de 1886 em Chicago relacionados com a repressão policial das greves. Foram de tal forma impressionantes os resultados dessa repressão que três anos mais tarde, em 1889, a data acabou por ser consagrada como o Dia Internacional do Trabalhador pelo Congresso Operário Internacional reunido em Paris.

 Por outro lado, as festas de maio são antiquíssimas e  de reminiscências celtas aqui em Portugal e na Europa, embora praticamente todas as culturas do planeta as celebrassem com uma ou outra invocação específica que tinha a ver com o ciclo das colheitas .

Sempre estiveram estas celebrações ligadas ao despertar da vida nos campos, à Primavera e ao renascimento associado ao final do ciclo invernal, ao bom presságio do ciclo da abundância que terminaria com as colheitas de setembro e outubro.

Na mitologia céltica e druídica celebra-se nesta altura o dia de "Beltane" - O fogo brilhante - e com ele é adorada a deusa na sua encarnação de donzela (“maiden”). Espetavam-se os “Maypoles” (símbolos fálicos) no solo e as virgens dançavam à sua roda num mimetismo de parada nupcial que tinha por objetivo simbólico "fecundar" a terra e prepará-la para as dádivas das colheitas.

A Igreja Católica recuperou a simbologia do mês de maio para o dedicar à Virgem Maria prosseguindo assim uma tradição milenar de culto matriarcal à terra-mãe (e recordemo-nos que, em Fátima, tudo começou também a 13 de maio).

Colheitas, despertar da capacidade reprodutiva da terra, como se observa já estivemos mais longe da gastronomia…

Mas ainda há mais: por decisão unânime da nossa Assembleia da República em 2016 – com base na proposta da Federação das Confrarias Gastronómicas de Portugal – o último domingo de maio ficou para sempre como o Dia Nacional da Gastronomia Portuguesa.

O que se come em Portugal em maio?

Desde que existem frigoríficos e arcas congeladoras direi que se come quase de tudo…, infelizmente.

Vem isto a propósito de não ser hoje incomum existirem restaurantes que todo o ano apresentam cozido à portuguesa nas cartas. Ou cabrito (enfim, menos preocupante dada a conhecida importação dos antípodas e a utilização das ditas arcas) ou até lacão (pernil de porco fumado e cozido) com grelos (de estufa).

Para já não falar de "perdiz " em julho (obviamente de aviário.  

Manda o cliente, manda o marketing

Se ao cliente lhe apetece o cozidinho, mesmo que feito com lombardo em vez das couves portuguesas, porque é que não o havemos de dar? Ora couve-lombarda é para quem gosta de salsichas frescas guisadas...

Estimo que dentro em pouco vão-nos propor lampreia em agosto e sável em maio.

Mas se voltássemos atrás, aos tempos em que a gastronomia caminhava de mãos dadas com o ritmo das estações do ano?

Então nesta altura do ano era o tempo dos legumes frescos das hortas. Como as favas, as ervilhas, o feijão verde. É a época por excelência das “jardineiras”.

As “favas guisadas” são um destes pratos de Primavera, e sem teimar muito, suponho que lisboeta ou de origem "saloia", aproveitando as favas tenrinhas das hortas em redor de Lisboa.

Faço-o muitas vezes em casa, seguindo mais ou menos esta receita:

É preciso um tacho grande e de boa base, para que aguente o convívio com todos os ingredientes durante o processo de refogar e de cozer.
Corta-se aos pedaços o entrecosto, um chouriço de carne, um chouriço mouro e um bom toucinho magro.
Fazemos uma puxadinha com bom azeite, cebola e alhos picados. Juntamos uma mão meia de sal grosso e salpicamos com pimenta preta moída.
Logo que comece a alourar, juntamos o toucinho  e o entrecosto deixando suar um pouco e mexendo de vez em quando.
Adiciona-se a seguir um meio copo de vinho branco, duas colheres de sopa de uma base de tomate e o chouriço de carne, e voltamos a deixar refogar um pouco.
Depois metemos no tacho  dois copos de água  e deixamos cozer até as carnes estarem a ficar tenras.
Quando o toucinho e o entrecosto estiverem quase cozidos, juntamos as favas, o chouriço mouro, e mais um pouco de água.
Deixamos cozer, retificamos de  sal e pimenta preta. Depois das favas cozidas, retiramos as carnes e deixamos apurar.
Normalmente acompanhamos com salada de alface e cebola ripadas e temperadas, colocando as carnes por cima do tacho e tudo polvilhado com coentros picados.

Um tinto indicado para este prato tradicional deve ser novo, vigoroso e fresco ao palato.  Hoje recomendo um “Coelheiros 2018”, uma colheita da Herdade de Coelheiros (Arraiolos), com uma bonita cor vermelha profunda. E sabor redondo e bem equilibrado. Custará cerca de 11 euros.

-Sobre Manuel Luar-

Manuel Luar é o pseudónimo de alguém que nasceu em Lisboa, a 31 de agosto de 1955, tendo concluído a Licenciatura em Organização e Gestão de Empresas, no ISCTE, em 1976. Foi Professor Auxiliar Convidado do ISCTE em Métodos Quantitativos de Gestão, entre 1977 e 2006. Colaborou em Mestrados, Pós-Graduações e Programas de Doutoramento no ISCTE e no IST. É diretor de Edições (livros) e de Emissões (selos) dos CTT, desde 1991, administrador executivo da Fundação Portuguesa das Comunicações em representação do Instituidor CTT e foi Chairman da Associação Mundial para o Desenvolvimento da Filatelia (ONU) desde 2006 e até 2012. A gastronomia e cozinha tradicional portuguesa são um dos seus interesses.  Editou centenas de selos postais sobre a Gastronomia de Portugal e ainda 11 livros bilingues escritos pelos maiores especialistas nesses assuntos. São mais de 2000 páginas e de 57 000 volumes vendidos, onde se divulgou por todo o mundo a arte da Gastronomia Portuguesa. Publica crónicas de crítica gastronómica e comentários relativos a estes temas no Gerador. Fez parte do corpo de júri da AHRESP – Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal – para selecionar os Prémios do Ano e colabora ativamente com a Federação das Confrarias Gastronómicas de Portugal para a organização do Dia Nacional da Gastronomia Portuguesa, desde a sua criação. É Comendador da Ordem de Mérito da República Italiana.

Texto de Manuel Luar
Ilustração de André Carrilho

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