Trends do Tik Tok, eu, e uma série da Netflix - Colin em Preto e Branco. Estes três elementos poderiam não ter nada a ver uns com os outros, se a pauta da (des)padronização de beleza não os atravessasse em simultâneo.
Trabalho com a internet há 10 anos e há mais de 15 anos que consumo conteúdos nas redes sociais. E posso dizer sem medo que nunca presenciei uma celebração tão audível e tão bonita das culturas africanas. Pelo Tik Tok fora, são várias as trends criadas por jovens que não só evidenciam as músicas maravilhosas (antigas e recentes) que se produzem em vários países do continente africano como a República Democrática do Congo, África do Sul, Gana, Nigéria; bem como vários outros elementos culturais - a comida, os lugares característicos, situações típicas, a língua… ah, a língua!
No meio disto tudo, fascina-me ainda mais que este movimento tenha influenciado os PALOP. Sou suspeita para falar, pois foi com esta comunidade que eu cresci. E sentir esta transição de “vamos anular as nossas identidades para sermos mais agradáveis ao palato padrão branco” VS “vamos enaltecer as nossas raízes porque não há nada mais valioso do que isso” abraça-me o coração e descansa a minha mente. E não posso deixar de comentar o quão vaidosa fico ao sentir que finalmente as pessoas enxergam a Guiné Bissau. Sinto que, para além do que já falei, temos demonstrado a nossa excelência em tanto. Na música, no desporto, no empreendedorismo… os guineenses são de uma valentia, inteligência e potência enormes. E somos lindos. A nossa pele caracteristicamente retinta é tão bonita. O nosso crioulo é lindíssimo e cheio de personalidade.
No meu tempo de escola, havia um ranking de popularidade entre os PALOP. Nesse ranking, os cabo-verdianos e os angolanos disputavam o primeiro lugar. De seguida, vinham os moçambicanos e os santomenses. No final do ranking, estávamos nós, os guineenses. Isto porque éramos considerados os mais feios - éramos os mais escuros, o nosso cabelo era o mais rijo, o nosso crioulo o mais esquisito. Estávamos todos muito embebidos na narrativa do colorismo e era assim que achávamos que as coisas tinham que ser.
Isto influenciou bastante a minha autoestima e a minha relação com o meu background cultural, que não foi nada feliz. Foram necessários anos para mudar esta percepção. Vivi demasiados anos a detestar a minha pele preta escura.
“Preta azulada.”
Costumo dizer que no verão fico “preta azul”, de tão bonita e brilhosa que a pele fica nesta altura do ano. Ouvi esta expressão de forma pejorativa pela primeira vez na série que estou agora a acompanhar - “Colin em Preto e Branco”. Um dos episódios da série centra-se em Colin (um rapaz birracial) e o seu interesse amoroso, Cristy, uma menina negra que é hostilizada pelos amigos e pelos pais adotivos de Colin (que são brancos). Hostilizada porquê? Porque Cristy, uma menina negra e periférica jamais poderia ser um bom partido para Colin, aos olhos de uma sociedade racista. Este episódio deixou-me particularmente desconfortável, porque apesar de ser ficção, retrata a realidade de forma muito honesta. Mais uma vez, o negro a ser questionado - ora é a sua inteligência, ora é a sua índole, ora é a sua beleza.
Séries como estas são necessárias porque denunciam o que está mal e o que precisa de mudança. E a luta de um movimento pode acontecer de várias formas. Quando eu vejo jovens negros tão comprometidos a fazer diferente, sinto que há esperança. Está a construir-se uma geração de miúdos e miúdas negras orgulhosas, munidas de muito amor próprio e amor às suas identidades.
-Sobre Sandra Baldé-
Escritora, DJ, e empreendedora digital, começou o seu percurso no digital em 2013 com o blog Diário de uma Africana, uma plataforma voltada para discussões raciais & de género e para autocuidado de pessoas negras. Em 2021 autopublicou o seu primeiro livro intitulado "Para Que Fique Bem Escurecido" cujo enredo gira em torno dos desafios da mulher negra num país maioritariamente branco.