Com origem em 2020, a associação juvenil empresta o nome pelo qual era conhecida a família materna de Joana Faria, a responsável pela gestão dos projetos da Casa. Foi da técnica da juventude, de 25 anos, que partiu a ideia de ir viver para o meio rural – como já era de sua vontade há muito, confessa –, depois de uma experiência inusitada durante o primeiro confinamento da pandemia de covid-19.
Nali Sáenz, psicólogo e escritor, Camille Girouard, empresária e mestre em Sociologia, e o designer João Costa completam os quatro “pilares”, como se definem, da Casa d’Abóbora. Os três estavam entre os amigos convidados por Joana para uma viagem de fim de semana à terra na qual passou tantas férias enquanto criança. No início de março, o que era para ser breve estendeu-se por duas semanas devido às medidas de segurança impostas pelo Governo.
Entre as aulas e reuniões de trabalho à distância num local com rede instável, o grupo aproveitou para explorar Aldeia e ser apresentado, ainda sem saber, àquela que viria a ser a sua nova morada. Alguns meses depois, não foi difícil de convencê-los a aceitar o desafio e aproveitar a oportunidade de renovar e de se mudarem para a primeira casa da família – não habitada desde os anos 60.


Preservar o património sociocultural
De acordo com Joana, a Casa d’Abóbora é o reflexo do interesse em viver em comunidade e mais perto da natureza. Numa aldeia com cerca de 30 residentes, a maioria com pelo menos 60 anos, a relação de proximidade que rapidamente criaram com os seus vizinhos ajudou-os a perceber a relevância das memórias e do conhecimento local, o que os fez pensar em formas de preservar esse saber.
Às cabeças fervilhantes de ideias dos recém-chegados das grandes e movimentadas cidades, uniram-se as experiências que guardavam em diferentes áreas, criando, segundo Camille, um organismo funcional e um espaço fértil para os seus planos. Foi então que a necessidade de apoios e financiamentos para as iniciativas que tinham em mente serviu de pontapé inicial para o registo formal do grupo.
P. S. Aldeia é o primeiro projeto que põem em prática, ainda em 2020, através do levantamento, feito de casa em casa, dos provérbios populares da terra referentes aos meses do ano. Com a ajuda de artistas convidados, nasce uma coleção de postais ilustrados que acompanham os ditos recolhidos. “Foi uma forma de entrar em contacto [com a comunidade] como associação e mostrar que não estávamos aqui só para trazer concertos de pessoas que eles não conhecem”, afirma Camille.


As fundadoras assinalam ainda o marco social que foi a chegada da Casa, um espaço neutro e confortável em Aldeia, onde as desavenças e estranhezas escalam rapidamente. “O mundo deles é isto, tudo é muito forte. É sempre a cena de ‘não vou ali porque é o terreno daquele ou não vou acolá porque vai estar aquele’”, explicam, relembrando os primeiros meses de adaptação, enquanto se enturmavam com os locais e reuniam em convívio, despretensiosamente, com quem passava pela porta da frente.
Contra a romantização da vida rural e do turismo baseado apenas nas paisagens, Camille manifesta que “não compensa ter uma bela fotografia, mas um povo que se sente esquecido”. Com isso em mente, os “abóboras” idealizaram a IMAGINALDEIA, uma exposição fotográfica por Teresa Magina para levantar a temática do êxodo rural e da descentralização. No evento de inauguração do projeto, que teve lugar na sede da associação, o número de visitantes esteve próximo do triplo de moradores da aldeia.


É na cultura local que encontram o início de uma solução para o problema. “Eles virem para o pé da minha casa foi uma alegria”, relata Dona Donzília, vizinha de porta da Casa, num evento de apresentação do trabalho final de estagiárias do coletivo artístico Pele (Porto). Joana Coimbra e Luciana Bastos criaram o livro As flores da terra com a ajuda dos utentes do centro de dia da região, que têm as suas histórias acompanhadas dos seus rostos ilustrados. “É bom [ter atividades] que os põem a fazer coisas e pensar que não está tudo acabado”, diz um casal que chega do Porto para a festa.
Uma nova geração de abóboras
Entre os 25 e os 31 anos, os fundadores da “Casinha”, como carinhosamente apelidam o seu lar e sede, também estão atentos aos desafios da vida rural e dispostos a lidar de forma saudável com o confronto de mentalidades que um encontro de gerações distantes proporciona.
Quanto aos incentivos para ir viver para o interior, Joana reconhece que existem vários apoios, mas lamenta que a informação esteja difusa. “É difícil perceber como funcionam”, afirma, referindo-se às dificuldades burocráticas e aos pequenos detalhes, como já ter a morada definida na zona desejada, que podem impedir o suporte. A jovem mestranda em Mediação Intercultural e Intervenção Social apoia a produção de um guia conciso, com orientações que cubram todos os casos e questões de quem queira mudar para as vilas e aldeias.
A rutura de estereótipos que os jovens naturalmente levaram a uma comunidade criada dentro de outros modelos de educação é outra complexidade que enfrentam. Sem “bater de frente”, diz Camille, a fundadora também da empresa Tempo de Hermes considera que esses momentos servem igualmente para a conexão com os habitantes, que estranham, com humor, a diferente dinâmica doméstica do grupo, por exemplo, fora dos tradicionais papéis de género. “A mediação é o maior desafio, mas faz-se através do espaço público”, acrescenta Joana sobre a importância dos frequentes convívios que organizam e que se tornam ambientes onde trocam ideias.


A associação tem o seu grupo de sócios, os “aboborinhas”, que podem contribuir, mesmo que à distância, para os seus objetivos. Integrada nos programas Erasmus, a Casa d’Abóbora também está, devido ao mundo globalizado, sempre a “pensar um pouco além” para alcançar o propósito de pôr Aldeia no mapa e procura enviar jovens cinfanenses aos projetos europeus dos quais são parceiros.
É local, no entanto, a aposta principal dos seus “pilares” consiste na criação da Casa das Artes d’Aldeia, a começar pela reforma de uma grande casa da aldeia – hoje desocupada e pertencente à Santa Casa da Misericórdia de Cinfães – com o intuito de a transformar numa residência artística, num sítio de encontro para a comunidade e numa sede para voluntariados internacionais. A iniciativa, ainda sem autorização dos proprietários do edifício, já conta com o apoio de entidades estatais como a Direção Regional de Cultura do Norte e a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte, além das Secretárias de Estado da Valorização do Interior e do Turismo e uma série de organizações culturais e juvenis do país.
Centrados naquilo que os moradores de Aldeia conseguem ver e ter acesso, a Casa d’Abóbora acredita que “a solução vai sair dos lugares pequenos”.