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Numa terra esquecida, um Conselheiro

Mondim de Basto, distrito de Vila Real, Palacete do Conselheiro, 2020. Em tempos, uma casa…

Texto de Patricia Silva

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Mondim de Basto, distrito de Vila Real, Palacete do Conselheiro, 2020. Em tempos, uma casa de ornamentos sombrios, quase esquecida, deu lugar à erudição, à música, à troca de ideias e ao convívio daqueles que acompanharam os últimos séculos do poder político português. O conselheiro de que todos falavam na época era Joaquim Augusto Alves Ferreira.

Hoje, o Palacete do Conselheiro, é uma guesthouse que recebe pessoas das mais diversas zonas do país e de todo o mundo, na qual a cultura e o conhecimento se acomodam subtilmente.

De vistas formosas, janelas e varandas que permitem um campo de observação para o jardim romântico do princípio do século XX, composto por hibiscos e cameleiras de Basto que, no centro erguem um dos monumentos aos mortos da grande guerra, entrar neste local permite uma viagem sensorial até ao século passado.

Um Palacete, uma família, uma comunidade

Adelaide Soares e Luís Baptista, atuais gerentes da propriedade e diretores da Resgata Memórias, inicialmente abraçaram o Palacete como um projeto empresarial, no entanto, rapidamente perceberam que aquela seria a sua casa, não só pela sua génese como o envolvimento que depositavam na mesma. Cada particularidade, cada descoberta histórica e pessoal, despertava aquilo que já há algum tempo pensavam alcançar: um seio familiar.

O casal, agora trio, com a pequena Ana Maria, que veio complementar a “equipa perfeita” com quase um ano de vida, não estava a par de toda a história da casa pois não residiam em Mondim de Basto e não conheciam bem a cidade.

Gerência da casa Palacete do Conselheiro

As dificuldades na integração fizeram-se ouvir numa fase inicial. O conceito de comunidade e vivências passadas que se perderam na zona, fizeram com que a chegada ao negócio da região não fosse propriamente fácil para o casal. De cidades diferentes, com características culturais peculiares, a tendência durante alguns meses foi bebida um pouco na exclusão destes recém-chegados perante a comunidade.

Tal como afirmam “Passámos por situações menos boas; o processo de integração de dois jovens que chegam de fora, por entre diversos exemplos que te poderíamos dar, foi algo difícil de dirigir aqui. A autarquia não estava propriamente recetiva. (…) Apesar das boas avaliações que tínhamos, tal como em qualquer lugar, as relações entre negócios e conhecimentos já residentes na própria cidade não estavam adaptadas para nos receber. O próprio apoio da terra influenciava muito para quem chegava de fora.  Por exemplo, as esplanadas da vila estavam cheias há uns tempos. A nossa era a única vazia.”, relatam.    

Positivamente, o impacto que o Palacete tem em Mondim de Basto é grande. Tal como Luís conta, “se a pessoa fica alojada aqui, o valor das refeições, as atividades que pode fazer em toda a cidade e os minimercados recebem uma maior procura local. Isto é, sai do Palacete para consumir nas lojas dos residentes. Somos o 2º ou 3º alojamento com mais hóspedes e poder de compra em Mondim de Basto, o que certamente influencia”.  

A integração foi um passo difícil, mas aconteceu. O tempo foi fazendo as apresentações devidas e, atualmente, o “bom-dia” já se ouve entre todos. Chamar o Luís e a Adelaide já é quase instintivo para os moradores da zona, e até mesmo o resgate da memória quando é preciso recibos com fatura já acontece. Adelaide partilha ainda que este acompanhamento foi bastante sentido principalmente no nascimento da pequena Ana Maria.        
“O Palacete é agora visto como um ícone, o que não acontecia há cerca de um ano atrás”, reconheceu o casal.

Guesthouse: o Palacete que sabe acolher

Parte lateral do Palacete do Conselheiro

Com o conceito de pandemia aliado ao dia-a-dia, o Palacete dedica-se também a ajudar a comunidade. O Luís conta que se integraram em iniciativas como “receber os profissionais de saúde de forma gratuita”, entre outras.

A evolução do Palacete como Hotel para Guesthouse deu-se de forma gradual, no entanto, começou por destacar uma dinâmica com os hóspedes, que também marca a relação entre os jovens e os clientes que chegam e que se inserem numa realidade mais familiar, “Os próprios clientes apercebem-se. Estamos aqui e é como se uma família estivesse a tomar conta deles. Depois veem a pequenita ou o Luís no jardim e acham muita piada.”, afirma Adelaide.

Acreditando que foi também uma evolução do próprio casal, tentando adaptar-se à comunidade, a relação “dar-receber” tornou-se um contexto íntimo e informal do qual gostam bastante, “Quando passámos a viver verdadeiramente cá, passámos a estar disponíveis para receber os nossos hóspedes e, em contrapartida, vivem aquilo genuinamente. (…) tivemos clientes, um casal de americanos com os filhos, que se juntaram a nós a jantar e a conviver. Depois ainda temos outros que deixam quase de ser clientes e criam uma relação ainda mais forte. Ficámos amigos.”, completa o Luís.

Com seio intimista, de tranquilidade, os jovens admitem ainda que se torna muito natural receber famílias completas, para passarem tempo juntos no Palacete. A identidade caraterística da zona e do próprio casal desperta também a curiosidade dos que chegam de outras cidades e países.

De uma casa sombria ao Palacete do Conselheiro

Apresentações feitas com os gerentes do Palacete, chegou a vez do proprietário.
Foi amor à primeira vista. António Pereira, mais conhecido por Engenheiro Pereira, é o proprietário do Palacete do Conselheiro. Seduzido pela terra, pelas pessoas e paisagens decidiu momentaneamente que queria restaurar um edifício, para se deslocar ao mesmo em tempo de férias ou visita.

A relação entre o engenheiro e o Palacete não foi tão recetiva quanto a sua relação com a cidade. “Vi este edifício (Palacete) e estava muito degradado, feio com um aspeto terrível. Era tão sombrio e frio!”, afirma.        
Ainda assim, com um olhar cuja bagagem profissional o alimenta, assim como o gosto pela arte, rapidamente percebeu o que poderia fazer para melhorar aquele edifício. Com um tamanho superior ao que esperava adquirir, a ocupação turística seria a condição ideal para um espaço como aquele, valorizando o centro histórico de Mondim de Basto.

Interior do Palacete do Conselheiro

Com um processo de restauro e recuperação que durou cerca de sete meses, foi com “muito esforço”, “resiliência” e “detalhe” que conseguiu garantir um vasto número de quartos e condições, não modificando a infraestrutura de origem.   

Com pinturas do século XIX, o proprietário conseguiu manter as mesmas com toda a “sua originalidade”. Contando com a participação de alguns alunos da escola de Belas Artes e ainda uma pintora, conhecida por “Jú” , a quem perdeu o rasto nos últimos tempos, que pintou todas
as paredes do edifício à mão - restauradas com o acompanhamento e orientação do engenheiro.

Paredes pintadas à mão, Palacete do Conselheiro

Acompanhado de diferentes profissionais como estucadores, carpinteiros e técnicos de infraestruturas deu o encanto que se tinha perdido no tempo ao Palacete do Conselheiro.

Um dos tetos originais restaurados do Palacete do Concelheiro

Na parte inferior do Palacete, as adegas e lagares foram também adaptados e reconstruídos para um restaurante que, atualmente, se encontra encerrado.

Mondim de Basto, distrito de Vila Real, a Casa do Conselheiro, 1912

No século XIX as praças, os largos e os jardins daquela pequena terra faziam com que o viajado juiz Joaquim Augusto Alves Ferreira - que passava a maior parte do seu tempo em Lisboa ou distribuindo-se pelas suas diferentes funções - decidisse voltar aos ares onde nasceu - o bom filho a casa tornou.

A Casa do Conselheiro foi construída no ano de 1912. Tal como o historiador Luís Oliveira nos conta, a casa situava-se no término do “Largo do Rego”, próxima da Capela de Santa Quitéria e do Pelourinho de Mondim de Basto, “Mais tarde foi implantada, no referido Largo, a Praça 9 de Abril e o Jardim Municipal para homenagear os combatentes Mondinenses tombados durante a primeira grande Guerra Mundial. A capela foi transladada para o Largo Conde de Vila Real e o pelourinho foi desmontado”, afirma.

Viajando no tempo até aos dias de hoje, é possível encontrar na esquina sul da casa a “Via Cova”. O investigador partilha ainda que é neste “arruamento, com uma curiosa sonoridade romana que significa rua com covas, ou subterrâneos, onde, presumivelmente, se escondem tesouros antigos.”

Mondim de Basto, distrito de Vila Real, 1859 – uma viagem no tempo         

Oriundo de uma terra em tempos esquecida, Joaquim Augusto Alves Ferreira, responsável das vivências registadas atualmente no Palacete, ficou nas entre linhas da história de Portugal.

O Juiz Conselheiro chegou à magistratura judicial aos 33 anos, sendo nomeado juiz de Direito a 21 de abril de 1892. Tão” solenemente” conhecido pelo trabalho desempenhado nos processos do “Regicídio”, no governo de D. Carlos, o seu trabalho e contributo não ficou por aqui.
Passou pelos tribunais nas diferentes ilhas, foi governador civil de Vila Real, “regedor e trauliteiro” de Mondim de Basto e chegou à segunda instância a 18 de junho de 1919, sendo nomeado inspetor judicial com distinção.    

Desempenhou este cargo durante dez anos, mas a sua participação nos caminhos que percorrem o poder judicial estava longe de terminar. Em novembro de 1925 foi nomeado juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça com o objetivo de “investigar os casos anormais ocorridos com o Banco Angola e Metrópole”, que levaram à prisão de Alves Reis.

Documento do Diário do Governo (1926), do Arquivo Casa Comum e Diploma de Funções Públicas presente na casa do juiz

Luís, o historiador residente em Mondim de Basto, conta-nos que o Juiz Conselheiro Joaquim, não se dedicava somente ao trabalho, “Era costume receber em sua casa as distintas famílias da região em animados serões musicais em que exibia os seus dotes de instrumentista, devidamente acompanhado por executantes convidados”.

Fotografia antiga do Pórtico da Capella da Universidade Coimbra, 20 de Outubro de 1917. Verifica-se o Juiz Conselheiro (escada inferior, zona central) com um conjunto de magistrados)

É, desta forma, que chegamos à Casa do Conselheiro, atualmente, Palacete do Conselheiro.

Questionados sobre o que é o Palacete do Conselheiro, Luís e Adelaide trocaram um olhar e sorriram. Depois disso, responderam: “O Palacete é uma família que explora um negócio com história.”

Texto de Patrícia Silva
Fotografias e vídeo de Daniel Filipe

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