Uma pessoa pergunta-se: porque razão Portugal continua tão atrasado, sobretudo pensando que desde 1986 recebeu, a fundo perdido, perto de 200 mil milhões de euros da Europa? É certo que muita coisa foi feita, autoestradas, hospitais, pontes, formação, etc. Passámos do rural para o cosmopolita, tendo acertado o passo com o século 21 nalguma indústria, administração, tecnologias e comportamentos. Mas um quinto da população continua a viver na pobreza extrema, sendo que metade dos portugueses são pobres.
Acrescente-se que nos últimos 30 anos a taxa de pobreza reduziu apenas 1%. O que é manifestamente chocante. Ou seja, dos milhares de milhões injetados na democracia, praticamente nada chegou aos que mais necessitam.
Existem muitas teses, que vão das conjunturais às estruturais, mas a perplexidade mantém-se sobre as razões deste tremendo fracasso. Afinal, somos apenas 10 milhões, num território e numa geografia mais do que suficiente para garantir uma vida digna a todos. Não temos petróleo, mas temos turismo que não é menos lucrativo. E, até, de uma forma mais interessante, porque o lucro é disseminado e não concentrado nas grandes empresas.
É difícil aceitar que este atraso se trate apenas de uma questão identitária. Os portugueses seriam preguiçosos, boçais, primevos. Uma caricatura que, como sabemos, circula nos países do norte da Europa que mais tem contribuído para Portugal. Aliás, integramos os PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha), grupo de países tidos por corruptos, gestão pública medíocre e fraco desenvolvimento.
Enfim, não seremos tanto um país de suicidas, como dizia Unamuno, mas um país suicida, pela declarada incapacidade em evoluir.
É verdade que a maioria dos portugueses não têm ambição, nem foco, contenta-se com pouco, umas batatas e um peixe seco a que chamamos bacalhau. Mas, quem conhece outros povos sabe que o primitivismo é corrente. Recordo os holandeses, também comedores de batatas, como ilustrou Van Gogh, que a seguir à Segunda Guerra passaram de camponeses embrutecidos para um dos povos mais avançados da Europa. Dir-se-á, foi graças ao plano Marshall, os milhões que os americanos injetaram para combater o comunismo. Mas o que são 200 mil milhões senão o novo plano Marshall da Europa em Portugal? Porque é que esta “pipa de massa” não fez os portugueses saírem da miséria?
Não sou populista, nem de direita. Aliás, não tenho partido, embora me pareça que o Partido Socialista é o mais bem preparado. Mas, sendo objetivo, é evidente que o problema está na classe política que tem gerido os fundos e definido as políticas desde 1974.
Sendo a miséria o grande problema de Portugal. Porque implica que os nossos principais recursos, as pessoas, não são valorizados, nenhum governo se empenhou seriamente em a erradicar. Aliás, como disse, o facto de a pobreza só ter reduzido 1% nos últimos 30 anos é mais do que demonstrativo dessa falta de interesse em resolver o assunto.
É evidente que o sistema capitalista, em que vivemos, também não ajuda. Ainda menos ajuda quando o novo capitalismo tem desenvolvido tecnologias e práticas que aumentam bastante os lucros dos investidores diminuindo a contrapartida social. Ou seja, paga-se o mínimo possível aos trabalhadores para conseguir o máximo de lucro. Sistema aliás bem evidente em muitos setores da atividade, desde o turismo, a agricultura, a construção, muita indústria. Mas não é desculpa.
Em conclusão. Portugal precisa de um programa sério, mais técnico do que político, para diminuir radicalmente a pobreza que nos impede de avançar para outros assuntos mais interessantes. Como seja a inovação de que tanto se fala.
-Sobre Leonel Moura-
Leonel Moura é pioneiro na aplicação da Robótica e da Inteligência Artificial à arte. Desde o princípio do século criou vários robôs pintores. As primeiras pinturas realizadas em 2002 com um braço robótico foram capa da revista do MIT dedicada à Vida Artificial. RAP, Robotic Action Painter, foi criado em 2006 para o Museu de História Natural de Nova Iorque onde se encontra na exposição permanente. Outras obras incluem instalações interativas, pinturas e esculturas de “enxame”, a peça RUR de Karel Capek, estreada em São Paulo em 2010, esculturas em impressão 3D e Realidade Aumentada. É autor de vários textos e livros de reflexão, artística e filosófica, sobre a relação Arte e Ciência e as implicações, culturais e sociais, da Inteligência Artificial. Recentemente, esteve presente nas exposições “Artistes & Robots”, Astana, Cazaquistão, 2017, no Grand Palais, Paris, 2018, na exposição “Cérebro” na Gulbenkian, 2019 e no Museu UCCA de Pequim, 2020. Em 2009 foi nomeado Embaixador Europeu da Criatividade e Inovação pela Comissão Europeia.