O filme Alma Viva, de Cristèle Alves Meira, que vai representar Portugal nos Óscares, a longa-metragem Fogo Fátuo, de João Pedro Rodrigues, e a obra Mato Seco em Chamas, de Joana Pimenta e Aderley Queirós, premiada no Festival de Cinema do Rio de Janeiro, são alguns dos destaques da 28.ª edição do festival Caminhos. Entre maio e o final do mês de julho, a equipa recebeu cerca de 730 filmes para apreciação. O diretor do Caminhos, Tiago Santos, acredita que o número demonstra “a atratividade do evento e a confiança depositada pelos cineastas portugueses e pela vasta comunidade da lusofonia no festival”.
O comité de seleção é constituído por cinco pessoas e João R. Pais é responsável pela Seleção Caminhos, a mais antiga e a que dá o nome ao festival conimbricense. Ao Gerador, o diretor da programação explica que durante o processo de análise, a equipa tenta descobrir uma “linguagem curatorial” que una os filmes. “Apesar dos realizadores não se conhecerem, parece que de forma inconsciente falam uns com os outros”, sustenta Pais, “todos os anos recebemos filmes com temáticas semelhantes, em que as camadas de fundo das obras quase parecem dialogar entre si”.
Este ano, João R. Pais reconhece que o programa evidencia uma “tentativa de harmonização geracional” entre artistas. “Temos inúmeros títulos que falam não só sobre as gerações, mas também de gerações de criadores”, explica, “há uma série de filmes que trazem arquivos antigos e colocam-nos a serem lidados com a nossa noção do que é correto ou incorreto, em 2022”. Sobre os critérios utilizados para a escolha dos filmes exibidos, Tiago Santos destaca a diversidade de géneros fílmicos e o mérito artístico das obras.
Animação, Ficção e Documentário são as principais categorias que compõem as três secções competitivas do festival. A Seleção Caminhos é uma secção generalista dedicada a “toda a cinematografia nacional de produção e co-produção profissionais”, lê-se no regulamento. João R. Pais explica que a equipa procura “mostrar o máximo de diversidade possível” nesta seleção, através da filmografia que se destacou ao longo do ano. “Não queremos, de modo geral, que seja um cinema meramente comercial, nem meramente de autor”, atesta, “a ideia é haver cinema para todos os gostos, para todo o tipo de cinéfilo e de curioso”.
Entre os dias 12 e 18 de novembro, as sessões da Seleção Caminhos vão partilhar o palco do Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV) com os filmes da Seleção Ensaios, secção competitiva dedicada a “filmes produzidos em contexto académico ou de formação técnica e profissional”, como se lê no regulamento. João R. Pais explica que a junção das duas secções competitivas no TAGV é feita com o objetivo de destacar o “casamento geracional entre o passado e o futuro do cinema português” e possibilitar a “convergência e a partilha entre quem está a acabar um curso de cinema e quem já está a trabalhar na área há muito tempo”.
É a primeira vez que a Seleção Ensaios vai ocupar o maior palco do festival e Tiago Santos declara que a direção considera “muito importante” valorizar as obras produzidas em contexto académico por representarem o “futuro da expressão do cinema”. Ao Gerador, o diretor do festival conta que a secção tem vindo a mostrar-se “cada vez mais atrativa e exigente”, tendo em conta o número crescente de inscrições registadas, a nível nacional e internacional. Este ano, a seleção conta com 53 filmes, 22 dos quais com nacionalidade portuguesa.
A Seleção Outros Olhares constitui a última secção competitiva do festival e é descrita no regulamento como um “espaço reservado a outros olhares sobre a prática e o exercício cinematográfico, promovendo o derrube do cânone e a procura de novas linguagens”. Os documentários Cesária Évora, de Ana Sofia Fonseca, Um Corpo Que Dança, de Marco Martins, e Onde fica Esta Rua? ou Sem Antes nem Depois, de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, são os destaques apontados pela organização. A secção competitiva tem exibições entre 6 a 11 de novembro, na Casa do Cinema de Coimbra (CCC).
A abertura da 28.ª edição do festival Caminhos está marcada para o dia 5 de novembro, com a estreia mundial de Histórias Selvagens (1978), de António Campos, obra que foi restaurada pela Cinemateca Portuguesa, no âmbito do projeto FILMar. Tiago Santos explica que o filme foi escolhido, em simultâneo, para celebrar o centenário do nascimento do cineasta português e dar destaque à “representação da região Centro como destino de produção cinematográfica”.
O programa conta também com a exibição de outras obras restauradas pela Cinemateca Portuguesa e com a Secção Filmes da Lusofonia, dedicada aos 200 anos da independência do Brasil, com exibições na CCC e no Auditório Salgado Zenha. Já a Secção Filmes do Mundo, a Secção Juniores e a Secção Turno da Noite contam com exibições na CCC.


A evolução do Caminhos e a descentralização da oferta cultural
O festival Caminhos do Cinema Português nasceu em 1988 e as suas três primeiras edições foram uma mostra temática de cinema português. Só com a 4.ª edição, em 1997, surgiram os moldes competitivos do evento que, ao longo dos anos, também tem sofrido alterações.
O diretor da programação, João R. Pais, integra a equipa organizadora do evento há cerca de 12 anos e, tal como Tiago Santos, membro da direção desde 2007, salienta que o festival Caminhos se tem reinventado de forma contínua. “Repensamos todos os anos, em reuniões constantes, o que é que é preciso mostrar e falar, e essa consciência está cada vez mais presente em todas as escolhas que fazemos”, começa por explicar Pais, “ não queremos que o festival seja estanque, estamos sempre a reinventar”.
Em relação a anos anteriores, uma das alterações implementadas está relacionada com o número de filmes exibidos na Seleção Caminhos. A secção competitiva tinha uma média de 60 sessões, mas nesta edição vão apenas ser exibidos 34 filmes. O diretor da programação explica que, no pós-pandemia, a equipa apercebeu-se de que as pessoas “parecem ter menos paciência para estar numa sala de cinema tantas horas”. Pais esclarece ainda que a direção decidiu que “queria dar mais tempo para os filmes respirarem” entre sessões e permitir assim conversas mais longas com os realizadores, com mais tempo para “uma maior reflexão e ponderação”.
De acordo com a organização, o festival teve, nos últimos cinco anos, uma média de 15 mil pessoas a participar nas diversas atividades e sessões. João R. Pais reconhece que, apesar de lento, o reconhecimento do festival está a crescer, sobretudo entre o público mais jovem. “Temos visto que nos últimos anos, não sei se por consciência artística ou social, têm vindo cada vez mais [pessoas] e mais novas”, confessa.
O diretor da programação acredita que sem o festival, a maioria dos filmes exibidos “nunca iriam passar por Coimbra” e que os “realizadores nunca iriam ser conhecidos pessoalmente” pelos conimbricenses. “Esta possibilidade que o festival traz [à cidade] contribui para a descentralização e um maior acesso à cultura”, atesta. Também o diretor do festival acredita que o Caminhos contribui para a descentralização da cultura ao conferir destaque à região Centro e ao exibir “títulos que não chegam às salas comerciais”.
Fazer com que o festival se torne um ponto de encontro entre criadores e espectadores, promover hábitos de usufruto cultural junto dos mais jovens e mudar a percepção geral sobre o que é o cinema português junto do grande público são as principais expectativas de Tiago Santos para a 28.ª edição do Caminhos do Cinema Português. Já João R. Pais espera que, durante duas semanas, Coimbra "respire cinema”.
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