Em 2017, três das maiores instituições europeias – a Comissão Europeia, o Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu – firmaram, na cidade sueca de Gotemburgo, um compromisso verdadeiramente histórico: o Pilar Europeu dos Direitos Sociais (PEDS). Este diploma – que emerge por entre os resquícios da Crise da Zona Euro e do Brexit – consubstancia uma declaração de princípios que, ao transpor o domínio meramente normativo (e atendendo às circunstâncias da época), traduzem uma mensagem política poderosa.
De facto, os avanços decorrentes da política social europeia adotada ao longo dos últimos anos foram múltiplos – sobretudo no contexto pós-pandémico. Todavia, importa questionar: poderá esta evolução traduzir-se na confirmação de um caminho de convergência e na garantia mútua de que estamos preparados para, coletivamente, respondermos aos desafios e crises futuras com respostas sociais?
Num contexto onde os partidos eurocéticos e de extrema-direita protagonizam uma ascensão sem precedentes no palco europeu, é muito provável que, com as eleições europeias que se avizinham, a direita reforce a sua hegemonia no Parlamento Europeu. Para além disso, as sondagens apontam para a eventualidade de a família de extrema-direita europeia – o Identidade e Democracia (ID) – se afirmar como a terceira maior força política. Dependendo da sua dimensão, esta viragem acentuada à direita poderá vir a replicar certas tendências das últimas décadas, como a propensão da direita tradicional para se alinhar com a direita populista e iliberal. Tais circunstâncias poderão, naturalmente, impactar negativamente a trajetória das várias políticas europeias em matéria social.
A tarefa de estruturar e conduzir a complexa interação entre os desafios económicos, as transformações demográficas, as alterações climáticas e as expectativas dos cidadãos (numa arena política instável, sublinhe-se) requer, com efeito, uma abordagem holística e com visão de futuro.
Requer, por exemplo, uma transição verde e digital justa. Note-se que os instrumentos de política social inerentes ao Pacto Ecológico Europeu (2019-2024) referem-se ao PEDS como um guia para a implementação do diploma, mas não estabelecem qualquer vínculo, por exemplo, com a Carta dos Direitos Fundamentais da UE (2000), a Carta Social Europeia (1961), ou as principais Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Para mitigar o impacto negativo da transição digital e ecológica sobre os trabalhadores e as comunidades, é necessário reivindicar políticas com maiores efeitos redistributivos e de proteção social. Isto passa, por exemplo, pela supressão das lacunas existentes na diretiva relativa a salários mínimos adequados na União Europeia, pela implementação de medidas de proteção dos trabalhadores das plataformas digitais (sobretudo os de países terceiros) e por um enquadramento legal do direito a desligar, a nível europeu.
De acordo com uma recente pesquisa do Eurobarómetro, 88% dos cidadãos europeus considera importante, para si mesmos, uma Europa social. Do mesmo modo, cerca de 60% dos inquiridos conhece pelo menos uma iniciativa recente da UE para melhorar as condições de vida e de trabalho.
Efetivamente, muito foi alcançado na última legislatura: especialmente considerando o âmbito e a escala das crises enfrentadas durante este período. Todavia, subsistem lacunas na legislação por colmatar. O desafio de implementar as várias iniciativas legislativas permanece moroso e complexo, e os atuais progressos na concretização dos objetivos estabelecidos no PEDS têm-se revelado insuficientes.
Os esforços políticos deverão, portanto, redobrar-se na próxima legislatura: para que o modelo social europeu se possa autossuperar e, assim, responder aos desafios sociais emergentes.
- Sobre a Ana Madureira -
Licenciada em Música pela Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo e mestranda em Ensino da Música na Universidade do Minho. Professora de piano no Ensino Artístico Especializado. Apaixonada por literatura, revelando fortes indícios de bibliomania. Assumidamente democrata, europeísta e de esquerda, faz política nos tempos livres.