Não precisamos de muitas pesquisas para concluir que o mercado da Diversidade e Inclusão e as práticas de ESG nas empresas e instituições em Portugal possui representatividade abaixo do zero quando se trata de profissionais que não sejam mulheres brancas e portuguesas, com vivências extremamente limitadas e “opiniões” questionáveis. Sim, o perigo das “opiniões” parece ser uma constante nos discursos esvaziados pelo senso comum, pelos vieses inconscientes e os pactos narcísicos quando se discute assuntos tão caros para avanços importantes.
Portugal não é muito diferente do que a onda mundial dos privilégios que vem assolando esse mercado D&EI, o de reduzir o amplo leque de problemáticas e exclusões numa inclusão que pensa em gênero e nada além disso. É um mercado ainda bem patriarcal e com vícios coloniais de difícil flexibilidade, levando em consideração que a “inclusão” de mulheres brancas serve muitas vezes para nada a mais do que a manutenção desse mesmo sistema, e frequentemente de forma estratégica e descarada.
Por essas e outras, mulheres muito competentes, qualificadas, com experiência na área, com conhecimento vasto e um campo experiencial muito amplo que possa oferecer mais possibilidades de se pensar práticas reais e com resultados contundentes, acabam por não serem absorvidas no mercado de D&EI pelo fato de não possuírem a cor certa e a nacionalidade certa. Nesse jogo antigo e insistente, empresas e instituições perdem por não integrar em suas equipes a diversidade real que necessitam para mudanças profundas.
São muitas as desculpas: “procuramos mas não achamos”, “não concordo com cotas pois é uma forma de preconceito” (pasmem, sem ter nenhuma experiência com o experimento), “mas homens brancos também sofrem no trabalho”, “eu como mulher branca também sofro preconceito”. Esse blá blá blá que causa até constrangimento para quem realmente leva o trabalho a sério e com conhecimento de causa. Papo de quem está mais perdido do que elétrico fora de rota.
Eu tenho criticado veementemente e confesso que me assusta ao me deparar com um mercado completamente atrasado e despreparado por questões óbvias que devemos nomear: o racismo, a xenofobia, o capacitismo, o etarismo e o mais evidente, a má vontade. Os preconceitos estão a todo o vapor em qualquer área de atuação em Portugal, até onde nem deveria passar na porta. Triste! Em meu trabalho em empresas e instituições enfrento desafios profundos, pois se trata de questionar modos mentais, formas prejudiciais de pensamentos, atitudes adoecedoras e estruturas empobrecidas por velhas lógicas. É como passar mais do que um espanador nos recheios de casa, é preciso jogar fora velhas alegorias e indumentárias. Deixemos as desculpas de lado.
O mercado para mulheres negras e/ou imigrantes na participação nas práticas de ESG em Portugal é quase inexistente, e é uma pena pois em poucas palavras a diferença que faz na equipe ou nas lideranças é imensa. Sabemos que já existem pesquisas que provam o quão benéfico é possuir diversidade em todos os setores de uma empresa não só em nível de lucros mas com real identificação dos consumidores e a responsabilidade social ética.
É por essas e outras que a brasileira Elisângela Souza lançou em 2022 sua startup de Impacto Social, a IDE Social Hub, uma Social Tech sua que visa transformar empresas e indivíduos na promoção de uma inclusão efetiva. Após várias tentativas de entrada no mercado, situações de xenofobia, racismo e um sentimento de impotência, decidiu ousar e criar seu próprio trabalho. A primeira brasileira, negra e imigrante a fundar uma startup nesse segmento, tem como objetivo ampliar a discussão sobre as práticas nas empresas, incluir pessoas de diferentes etnias, imigrantes, com deficiências e pessoas 50+ nas áreas de tecnologia e digital em Portugal.


Para tanto, Elisângela utiliza essa plataforma como um espaço em que profissionais de recursos humanos, lideranças e equipes que atuam em lugares estratégicos possam fazer não só uma interlocução de suas experiências, mas também repensar suas responsabilidades e práticas no dia a dia e finalmente promover formas de contratar colaboradores de grupos excluídos. Para a comemoração do primeiro aniversário da IDE Social Hub, foi realizada em Setembro de 2023 a primeira edição do IDE Insights & Boas Práticas nas Empresas e contou com a presença de lideranças importantes no mercado nacional e internacional.
Vale ressaltar que Elisângela Souza foi selecionada como a única brasileira na lista Top 100 Women Leaders in Social Enterprise pela Euclid Network (EN).
- Sobre a Shenia Karlsson -
Preta, brasileira do Rio de Janeiro, imigrante, mãe do Zack, psicóloga clínica especialista em Diversidade, Pós Graduada em Psicologia Clínica pela PUC-Rio, Mestranda em Estudos Africanos no ISCSP, Diretora do Departamento de Sororidade e Entreajuda no Instituto da Mulher Negra de Portugal, Co fundadora do Papo Preta: Saúde Mental da Mulher Negra, Terapeuta de casais e famílias, Palestrante, Consultora de projetos em Diversidade e Inclusão para empresas, instituições, mentoria de jovens e projetos acadêmicos, fornece aconselhamento para casais e famílias inter racias e famílias brancas que adotam crianças negras.