fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Opinião de Boris Nelepo e Justin Jaeckle

Boris Nelepo é crítico e programador e membro do comité de selecção do Doclisboa desde 2021. Foi curador das retrospectivas de Želimir Žilnik, Peter von Bagh, John M. Stahl, Marlen Khutsiev, Pierre Léon, Věra Chytilová, Raquel Chalfi, Ulrike Ottinger e Anastasia Lapsui & Markku Lehmuskallio, entre outras. Já escreveu para diferentes publicações, incluindo Trafic (França), MUBI (EUA), Cinema Scope (Canadá) e Cahiers du Cinéma (França). Justin Jaeckle é curador, escritor e editor, trabalhando entre a imagem em movimento, a cultura contemporânea e a arte. É programador associado do Doclisboa e membro do comité de selecção desde 2016. Em 2023, assinou a curadoria da retrospectiva O Documentário em Marcha - Conturbados Anos 30 na América do New Deal.

O México de Paul Leduc e arte polémica de “exergue – on documenta 14” no Doclisboa

Nas Gargantas Soltas de hoje, Boris Nelepo e Justin Jaeckle contextualizam dois dos momentos da programação do Doclisboa 2024.

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

O Doclisboa e a Cinemateca Portuguesa trazem a Lisboa a mais extensa retrospectiva do realizador mexicano Paul Leduc (1942-2020). O seu nome ainda não é conhecido em Portugal e essa é uma das razões pelas quais estes programas são importantes. Não existe uma “história do cinema” em concreto; é sempre um trabalho em curso, constantemente complementado com a chegada de novos conhecimentos de diferentes culturas e continentes. De facto, esta troca constante entre as culturas (incluindo as indígenas) é um dos motivos-chave do pensamento de Leduc.  

Os seus dois filmes mais famosos e acessíveis são as ficções Reed: México insurgente (1970) e Frida, naturaleza viva (1983). Ambos os filmes experimentam com o género biográfico, mas nunca o limitam às biografias convencionais. Pelo contrário, Leduc está interessado, ao abordar as figuras do jornalista americano John Reed no turbilhão da Revolução Mexicana e da frágil pintora Kahlo, respectivamente, em encontrar a forma de mostrar as contradições da sociedade e as batalhas de ideias, que não são menos importantes do que as das espingardas. Em retratos não lineares destas duas figuras emblemáticas do século XX, o realizador mostra como as ideias, os pensamentos e as palavras definem a História e os destinos humanos particulares. 

Paul Leduc realizou dois documentários excepcionais — Etnocidio: Notas sobre El Mezquital (1976) e Historias prohibidas de Pulgarcito (1980) — que pertencem às crónicas-chave da História do Cinema latino-americano. Etnocidio é um estudo analítico do extermínio sistemático do povo indígena — ou melhor, original — Otomi, no México. Os antecedentes, a história, as condições económicas, laborais e culturais e o problema da terra são destacados nesta obra. Historias prohibidas de Pulgarcito, concebido como um diálogo com um poeta salvadorenho assassinado, Roque Dalton, retrata o início da Guerra Civil de El Salvador, que durou demasiado tempo e custou demasiadas vidas...

Todos estes filmes, apesar de terem sido realizados há muitas décadas, falam da actualidade e da lógica irresistível da História. Paul Leduc, que chegou ao cinema depois de ter estudado teatro e arquitectura, nunca escondeu o seu forte empenho político e duvidou, desde os seus primeiros trabalhos, da objectividade do cinema. Ao mesmo tempo, é difícil limitar o seu cinema à categoria de “militante”, pois Leduc soube sempre que a nova imaginação (política) exige novas formas de arte e uma nova linguagem, que procurava na sua própria cultura, bem como nas tradições europeias. Especialmente a de Brecht, como comentou uma vez: “Sempre me interessei muito por Brecht. E quando as pessoas vêem, por exemplo, Frida, têm de pensar. Há apenas o público e o ecrã e isso obriga-nos a pensar. E é isso que é fundamental em Brecht. Por isso, o silêncio é por vezes muito útil”.

Outro atractivo da programação do Doclisboa 2024 é exergue — on documenta 14. A relevância do filme de 14 horas de Dimitris Athiridis, realizado durante quase 10 anos, vai muito para além de se tratar de um filme vital para qualquer pessoa que tenha proximidade com o mundo da arte e as instituições culturais.

Seguindo de perto o director artístico Adam Szymczyk e a sua equipa de curadores à medida que desenvolvem a sua proposta radical e controversa para a edição de 2017 da mais proeminente exposição de arte do mundo, exergue oferece um drama do lugar, do emaranhado e da função da arte no e com o mundo, para captar a complexa relação entre a produção cultural, valor e política, numa paisagem global em inexorável mudança.

A proposta curatorial de Szymczyk poria a exposição quinquenal a realizar-se, pela primeira vez, em duas cidades: Kassel, na Alemanha (onde a exposição nasceu em 1955, no meio do trauma do pós-guerra), e Atenas, na Grécia — o centro da crise financeira da Europa na altura. Cheio de paradoxos intencionais desde o início, este gesto curatorial ganhou níveis de complexidade cada vez maiores ao longo dos anos do seu planeamento (2013-17), durante os quais o mundo se tornou ainda mais conturbado.

Uma exposição financiada pela Alemanha, que propunha “Aprender com Atenas”, assumiria um significado diferente, depois de o governo grego ter rejeitado os resultados do seu referendo de 2015 sobre as condições do seu resgate pelos mais poderosos da Europa. Desde os ataques no Bataclan em Paris, ao Brexit na Grã-Bretanha, às eleições de Trump e Erdoğan, ao aprofundamento da guerra na Síria e à crise dos refugiados, os factos de um mundo em mudança funcionam como pontuação ao longo deste retrato do processo de criação de uma grande exposição em tempo real, enquanto o impacto real e simbólico de tais factos coloriria igualmente os meios de pensamento da própria exposição.

A Documenta 14 dividiu a crítica quanto ao carácter radicalmente progressista ou didático da sua proposta artística, reflectindo ou instrumentalizando questões politicamente urgentes, ao mesmo tempo que propunha uma crítica vital às próprias dependências de uma instituição de arte. No final, uma exposição que procurava simbólica e fisicamente descentrar-se e combater o demónio neoliberal, levaria a sua estrutura organizadora alemã à beira da falência e a um grande escândalo mediático, subsumindo as suas obras de arte nas mesmas crises que procurava simbolicamente abordar. A questão de como, e se, o Ocidente pode ser mudado a partir do interior das suas próprias estruturas está no centro deste filme e do projecto que documenta. 

Por diversas vezes, ao reflectirem sobre o passado recente do mundo e do mundo da arte, os protagonistas de exergue afirmam que “a festa acabou”. Através da lente de uma grande exposição artística, de um acesso extraordinariamente íntimo e de uma construção delicada, o próprio filme de Athiridis mostra o fim de uma era cultural, o início da seguinte e a porta de entrada para um futuro incerto, através de um filme de observação de uma acuidade notável.

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

31 Outubro 2025

Tempos livres. Iniciativas culturais pelo país que vale a pena espreitar

29 Outubro 2025

Catarina e a beleza de criar desconforto

27 Outubro 2025

Inseminação caseira: engravidar fora do sistema

24 Outubro 2025

Tempos livres. Iniciativas culturais pelo país que vale a pena espreitar

22 Outubro 2025

O que tem a imigração de tão extraordinário?

17 Outubro 2025

Tempos livres. Iniciativas culturais pelo país que vale a pena espreitar

16 Outubro 2025

Documentário ambiental “Até à última gota” conquista reconhecimento internacional

15 Outubro 2025

Proximidade e política

13 Outubro 2025

Jornalista afegã pede ajuda a Portugal para escapar ao terror talibã

10 Outubro 2025

Tempos livres. Iniciativas culturais pelo país que vale a pena espreitar

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Financiamento de Estruturas e Projetos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo Literário: Do poder dos factos à beleza narrativa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Criação e Manutenção de Associações Culturais

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

27 outubro 2025

Inseminação caseira: engravidar fora do sistema

Perante as falhas do serviço público e os preços altos do privado, procuram-se alternativas. Com kits comprados pela Internet, a inseminação caseira é feita de forma improvisada e longe de qualquer vigilância médica. Redes sociais facilitam o encontro de dadores e tentantes, gerando um ambiente complexo, onde o risco convive com a boa vontade. Entidades de saúde alertam para o perigo de transmissão de doenças, lesões e até problemas legais de uma prática sem regulação.

29 SETEMBRO 2025

A Idade da incerteza: ser jovem é cada vez mais lidar com instabilidade futura

Ser jovem hoje é substancialmente diferente do que era há algumas décadas. O conceito de juventude não é estanque e está ligado à própria dinâmica social e cultural envolvente. Aspetos como a demografia, a geografia, a educação e o contexto familiar influenciam a vida atual e futura. Esta última tem vindo a ser cada vez mais condicionada pela crise da habitação e precariedade laboral, agravando as desigualdades, o que preocupa os especialistas.

Carrinho de compras0
There are no products in the cart!
Continuar na loja
0