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O novo jornalismo

©Paulo Alexandrino

As palavras jornalismo e crise andam de mãos dadas há muito tempo - em parte quando os jornalistas relatam as crises que observam, em parte quando os jornalistas estão a viver eles próprios os efeitos da crise nas empresas onde trabalham. Há 40 anos, a expressão novo jornalismo aplicava-se a uma nova forma de escrever; agora aplica-se a uma nova forma de estabelecer o que interessa aos leitores.

Desde que comecei a trabalhar em comunicação, nos anos 80 do século passado, ouço falar da crise da imprensa e das dificuldades de sobrevivência económica dos mídia. O fenómeno não é novo, nem desta década, nem nasceu com o desenvolvimento da internet e da disponibilização de notícias online acessíveis a toda a gente. Muito mudou ao longo, sobretudo, dos últimos 25 anos, mas uma coisa continua a ser válida: as pessoas continuam a querer ler notícias, saber o que se passa e, sobretudo, adoram a essência do jornalismo, que é contar histórias - ou fazer dos factos da vida e do dia-a-dia a matéria prima para as histórias que as pessoas querem conhecer. E isto aplica-se tanto a frivolidades, como aos bastidores da actual crise política, à situação internacional, à vida dos clubes desportivos ou aos problemas da economia e das empresas. A questão está em saber como isto se pode fazer, garantindo leitores e obtendo receitas. 

O escritor e argumentista norte-americano Michael Crichton escreveu em 1993, para a revista “Wired” que havia sido lançada em Janeiro daquele ano, um artigo intitulado “Mediasaurus” no qual fazia previsões sobre o futuro digital dos mídia e das notícias. “Creio que aquilo que hoje conhecemos como mass media terá desaparecido daqui a dez anos. Acabado, sem deixar rasto” - escrevia ele nesse artigo. Vamos colocar as coisas um pouco em perspectiva: em 1993 a World Wide Web estava a dar os primeiros passos, os motores de busca e browsers eram coisas rudimentares, Crichton não imaginava sequer a pioneira revista digital Slate (criada em 1996), nem a blogosfera, nem o YouTube, muito menos os podcasts ou os canais de notícias em streaming.

O produto da indústria de mídia é informação e, durante décadas, as pessoas habituaram-se a pagar por essa informação sob diversas formas. Mas, sobretudo desde o início deste século, passaram a dispor de grande parte da informação de forma gratuita na net e isso veio alterar completamente todo o modelo de negócio desta indústria que era composto, no caso dos jornais, por duas vertentes: as receitas de venda e as receitas de publicidade. Se as vendas baixam, o número de leitores das edições impressas baixa, e o custo de contacto de um anunciante aumenta, o que torna menos atraente a colocação de publicidade na imprensa. É isto que, em grande parte, leva a reestruturações, redução de redacções, despedimentos. E, acessoriamente, a redacções menos experientes, a uma diminuição da remuneração dos jornalistas e outros profissionais do sector. Tudo junto é a receita perfeita para que as coisas entrem numa rampa descendente de qualidade, eficácia de comunicação e ligação aos leitores.

Toda a gente procura um modelo de negócio mais equilibrado nesta era digital, mas que tem de passar pelo velho paradigma de que muitas pessoas se afastaram: levar os leitores a pagar os conteúdos que querem ver, sejam em que plataforma for. Assim nasceram as paywall, os conteúdos exclusivos para assinantes e, claro, o desenvolvimento da publicidade online. Se o processo de angariação de assinantes tem sido lento e, em muitos casos, com fracos resultados, já a publicidade avançou mais depressa. O digital veio permitir escolher alvos de comunicação muito precisos, e através de soluções tecnológicas avançadas que têm sido aperfeiçoadas, permitindo levar uma determinada mensagem comercial a um potencial cliente que tem afinidade garantida com o produto.

Muitas vezes é difícil conseguir equilibrar os dois lados desta equação: garantir qualidade dos conteúdos informativos, proporcionar reportagens - histórias - exclusivas e apelativas e, ao mesmo tempo, conseguir quem queira pagar por elas e adicionar a isto as receitas publicitárias. O New York Times é, até agora, quem melhor conseguiu trilhar este caminho - tem uma base crescente e sólida de assinantes digitais, a sua edição impressa vende menos mas ainda tem valores altos e a publicidade nas suas páginas em papel ou digital continua a ser procurada. Mas, mesmo sendo um êxito, no fim de cada ano as contas andam ainda tremidas.

A terminar uma pequena história: quando Jeff Bezos comprou o prestigiado Washington Post não fez nenhuma alteração significativa na direcção do jornal nem na redacção. Mas colocou uma equipa de engenheiros da Amazon a estudar a melhor forma de canalizar notícias e reportagens para os leitores em função dos seus hábitos de leitura e perfil. E todos ficaram rapidamente a saber quais os conteúdos que eram mais procurados e por quem. É uma nova forma de fazer jornalismo, mas é o ponto em que estamos.

*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico

-Sobre Manuel Falcão-

Manuel Falcão iniciou-se no jornalismo pela fotografia e, ao longo de duas décadas, desenvolveu a sua carreira como repórter e redactor. Foi fundador do Blitz e de O Independente, trabalhou nas Agências Notícias de Portugal e Lusa, no Expresso, no Se7e e na Visão, entre outros. Realizou vários programas de rádio. Dirigiu as áreas de produção de TV e de novas edições da Valentim de Carvalho e foi diretor do canal 2 da RTP. Foi também Presidente do Instituto Português de Cinema, Diretor do Centro de Espectáculos do CCB e administrador da EGEAC. Durante 15 anos, foi Director-Geral da agência de meios Nova Expressão. Em 2013 fundou a editora Amieira Livros, dedicada à fotografia e, em 2020, criou a SF Media onde desenvolve os seus projetos pessoais.

Texto de Manuel Falcão
Fotografia de Paulo Alexandrino
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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