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O que há de humano no exercício do jornalismo?

Estava no primeiro ano do curso de jornalismo, há não muito tempo, quando me foi…

Texto de Carolina Franco

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Estava no primeiro ano do curso de jornalismo, há não muito tempo, quando me foi dada a conhecer a história do «arrastão» em Carcavelos. Em 2005, quando as aberturas do telejornal nos diferentes canais portugueses diziam que «um grupo de cerca de 500 jovens, entre os 12 e os 20 anos, invadiu o areal ao início da tarde, roubando os banhistas» e que se instalou uma «tarde de terror e pânico em Carcavelos», eu teria apenas 8 anos e vivia no Marco de Canaveses. Apesar de provavelmente ter visto uma dessas notícias ao jantar, não sabia onde era Carcavelos, nem tão-pouco entendia por que razão 500 pessoas iam invadir uma praia. Telefonei ao meu pai, perguntei do que se lembrava da história: «Lembro-me de haver um arrastão, com jovens sobretudo negros, que roubaram uma data de pessoas.» Foi o que lhe ficou das notícias que ouviu, na altura. «A versão mais contada foi essa», disse-me.

Nesse dia em que soube do «arrastão» pela primeira vez de forma consciente, 10 anos depois, tive acesso à história num outro ângulo. Era uma vez um arrastão, um documentário que a professora decidiu mostrar à turma. Falava de um crime que nunca aconteceu, que viveu da especulação e que demonstrava quão enraizado estava o racismo nas instituições. Mostrava também a confirmação de uma nova era para o jornalismo, na qual a pressão de noticiar primeiro, de reagir aos acontecimentos, de não questionar vinha para ficar. Foi nessa aula que conheci Diana Andringa.

Era uma vez um arrastão surge na sequência de um alerta de Mamadou Ba, dirigente do SOS Racismo que, na altura, recebia telefonemas ameaçadores em reação à reportagem, e junta o próprio Mamadou, Diana Andringa, Bruno Cabral, Jorge Costa, Joana Lucas e Pedro Rodrigues. Juntos, uniram as pontas soltas, os ditos e desditos. O «arrastão» tinha, afinal, coincidido com o último dia de aulas e com uma grande afluência de jovens, entre os quais jovens negros. As pessoas que se viam a fugir nas imagens passadas nos telejornais e impressas nas capas de jornais estavam apenas a fugir da confusão com os seus próprios pertences, não iam roubar ninguém.

Sobrepor a verdade à mentira, depois da dimensão que a história do «arrastão» atingiu e do pânico ter sido instalado, não era fácil. Nunca é fácil conseguir chegar à massa de espectado- res que teve contacto com a primeira versão da história e mostrar-lhes que afinal não era assim. Mas Diana Andringa fê-lo num registo intemporal, que ainda hoje pode ser visto pela primeira vez por pessoas que, 16 anos depois, ainda possam não ter contacto com esse outro lado – o da verdade. Esta demanda da procura pela verdade, por mostrar o que está na sombra, por contar as histórias que alguns teimam em silen- ciar é uma das características mais definidoras do trabalho de Diana. O que a diferencia, em qualquer trabalho que faça, seja num registo jornalístico, documentarista ou académico, é a sensibilidade e o cuidado com «o outro».

Quando telefonei à Diana, depois de lhe contar que escreveria um perfil sobre si, falei-lhe da primeira vez que a vi, no 4º Congresso de Jornalistas, e na inocência de uma estudante de jornalismo virei-me para uma colega e disse: «Está ali a Diana Andringa!» A Diana riu-se, claro. O que a Diana não sabe é quão impactante foi perceber que a pessoa de que tinha ouvido falar na aula, estava ali, à minha frente. Depois de sair de uma mesa redonda, ouvi-a dar uma breve entrevista em que dizia que «a precariedade não é uma questão laboral, apenas, quando afeta jornalistas; é uma questão de liberdade de imprensa». E se até então eu não sabia o que era camaradagem, ali percebi, encostada a uma parede do Cinema São Jorge, a ouvi-la ao longe, que a profissão a que me queria dedicar era, sobretudo, um exercício de escuta e atenção às necessidades d’«o outro». Mesmo que o outro seja o meu colega do lado.

Resistência e inconformismo

A Diana nasceu no Dundo, Lunda Norte, em 1947, onde viveu apenas até 1958. «Apenas», porque, se olharmos para o seu percurso enquanto jornalista e documentarista, percebemos que nunca deixou para trás o país onde nasceu. A situação mais determinante para percebemos que Angola e a sua libertação estariam sempre na sua vida – quase que em jeito de presságio – aconteceu quando Diana tinha apenas 23 anos, no começo da década de 70. Foi condenada a 20 meses de prisão pela PIDE, por «apoio à causa da independência de Angola». Não fazia muito tempo desde que tinha iniciado o seu percurso no jornalismo, no «boletim» da Pró-Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa, em 65, que a levaria a perceber que, afinal, o percurso em medicina seria curto, mas serviria para lhe indicar o seu caminho.

Integrou o «boletim» como reação à prisão de jovens estudantes «por defenderem uma linha política hostil ao regime vigente», como acaba por explicar décadas mais tarde na sua tese de doutoramento. Fez parte «da geração que, nos anos 60 do século passado, chegou aos media por via da anterior militância nas associações de estudantes e na imprensa estudantil» (Andringa, 2013)1 e que tinha, desde o começo, a vontade pró-ativa de encontrar a verdade e lutar pela democracia. «Funcionários da verdade» acabou por ser o nome que deu à sua tese de doutoramento em Sociologia da Comunicação, no ISCTE – espelho das muitas lutas que travou por si e pelos seus camaradas ao longo das últimas décadas, mas, acima de tudo, pela verdade. A verdade, sempre.

«Responsabilidade social». Trabalhar em prol de um bem maior, de uma sociedade mais justa. Algumas das linhas que atravessam o trabalho de Diana Andringa, desde os anos 60 até hoje, são os motivos que levam alguns jovens estudantes de jornalismo a querer seguir a profissão. No início, talvez acreditem que a profissão pode ser uma via para «mudar o mundo» (e o vocalizem precisamente com estas palavras); mais tarde talvez percebam que não se trata de mudar o mundo, mas de contribuir para que seja um lugar mais justo. Olhar para o trabalho de Diana Andringa é, nesse sentido, essencial para pensarmos, enquanto jornalistas, para onde devemos ir, caminhando em conjunto. Traçar-lhe um perfil seria sempre oportuno, em qualquer altura da sua carreira, mas traçá-lo hoje é lembrar o que há de essencial no exercício do jornalismo. Porque dessa essência Diana nunca se esqueceu, em momento algum.

No dia em que conversei com a Diana ao telefone, disse-me: «Faz hoje 50 anos que fui condenada.» Sabia que o dia estaria próximo, depois de ter lido um texto que escreveu para A Mensagem, mas, ouvi-lo pelas suas palavras, chegou-me como um choque de realidade. Nestes 50 anos que não estão tão distantes assim, estou certa de que vários episódios deste período em que esteve presa em Caxias lhe vieram à memória várias vezes (o texto profundamente detalhado que escreve para A Mensagem traz-me a segurança para o poder afirmar). Diana lembra, ainda hoje, o que ouviu, as pessoas com que se cruzou, os seus atos simbólicos de resistência, e todas as pessoas que lhe devolveram humanidade. Lembra-se, também, das palavras de Daniel Filipe que repetiu para si mesma numa cela onde nem se podia ver a si mesma:

Ó meu amor resiste
Resiste os olhos secos
Sem lágrimas Sem medo Só talhada no sílex da ira.

Neste período de 20 meses de clausura, Diana passou pelo Hospital Júlio de Matos, momento que recorda pela «solidariedade espontânea» dos pacientes e de um médico que não permitiu que os agentes da PIDE assistissem a um eletroencefalograma que lhe seria feito. «São pequenos gestos, mas devolvem-nos a humanidade», escreve Diana no mesmo texto. É curioso como esse devolver de humanidade se perpetua, de si para outros, a cada texto que escreve ou cada peça que produz, até hoje.

Ficha Prisional de Diana Andringa

Já em liberdade, Diana regressa ao jornalismo. Na altura trazia consigo a bagagem dos tempos na Vida Mundial, de onde saiu no âmbito de uma demissão coletiva, o 1º Curso de Jornalismo criado pelo Sindicato dos Jornalistas, que havia frequentado em 68, e a vida. Regressa ao jornalismo no extinto Diário de Lisboa (DL), onde esteve entre 1971 e 1972, e acaba por ser despedida. Vai para França, regressa em 1973, ao voltar, não encontra logo emprego no jornalismo, e arranja trabalho enquanto copywriter. Em 1976, regressa à Vida Mundial, convidada por Natália Correia, e quando a revista é fechada – o que aconteceu, na altura, a todas as publicações da Sociedade Nacional de Tipografia – fica desempregada.

Fernando Balsinha, que tinha sido seu colega em Medicina, convida-a para se juntar à RTP em 1978, enquanto jornalista da Secção de Internacional do Telejornal, e por lá fica até 2001. Paralelamente à RTP, integra de novo a equipa do DL já em 89, desta vez enquanto diretora adjunta. Outros tempos, com outras exigências. Em 1990, demite-se, juntamente com o então diretor Mário Mesquita, por «não disporem de condições para prosseguir o projeto editorial que tinham traçado para o jornal», como lembra um excerto de uma notícia da época, nos arquivos da RTP.

Resistir a pressões, resistir à pressão; resistir. O caminho de Diana Andringa dentro do DL, ainda que não muito longo, dá pistas dos maiores constrangimentos de uma jornalista, ainda para mais mulher, que sempre encarou temas e cargos que comummente eram abordados ou ocupados por homens. Numa entrevista ao projeto Mulheres Arte&Ditadura, recorda uma situação que talvez possa parecer caricata, mas que denota a capacidade que tinha – e tem – de «fazer as piores perguntas com o melhor sorriso» (lema jornalístico que Fernando Pessa tinha junto à sua secretária, na RTP, contou-me Diana) ou, neste caso, dizer a maior verdade com humor:

No DL, fui criticada pelo chefe de redação porque uma vez que fiquei a substituir a Antónia de Sousa, na Página da Mulher, pedi à Regina Louro uma reportagem sobre as mulheres que trabalhavam nas casas de banho do metropolitano. Ela fez uma reportagem notável, mas o chefe explicou-me que não podia pôr um artigo daqueles numa página em que deveria entrar a publicidade a um perfume, salvo erro, Givenchy. Ao que eu respondi que, pelo contrário, era perfeito para combater o cheiro da casa de banho. Infelizmente, ele não achou um bom argumento…

Dentro da RTP, entre 1989 e 2001, seguiu para o Jornal 2, depois para a Grande Reportagem e regressou ao Telejornal. Foi na RTP que fez, entre 1989 e 1992, Geração de 60, uma série documental sobre as vozes dissidentes dos últimos anos de ditadura, em Portugal e na Guiné, com relatos do movimento estudantil que ganhava força com o Maio de 68 e a Crise Académica de Coimbra. No quarto episódio da Geração de 60, João Isidro diz que «continua a ser tabu falar da nossa guerra», depois de ter participado, enquanto estudante, numa manifestação contra a Guerra do Vietname. E por muito que a frase de Isidro se referisse ao período da manifestação em questão, as reações à série de Diana Andringa revelaram que o tabu continuava por cá. Na entrevista a Mulheres Artes&Ditadura, recorda esse período e as questões éticas que surgiram durante o processo:

Quando fiz a Geração de 60, em que havia um episódio específico sobre a Guerra Colonial, disse que gostaria que ninguém visse o episódio todo, porque preferia que começassem a falar sobre a guerra: ‘Pai, tiveste medo?’ ‘Pai, tiveste de matar?’ O episódio passou, houve gente que telefonou para a RTP a pedir que me despedissem, outros a ameaçar-me… E um dia, num centro comercial, houve um senhor mais ou menos da minha idade que veio ter comigo e perguntou: “É a Diana Andringa?” Disse-lhe que sim e pensei que provavelmente me iria agredir. E ele disse: “Só para lhe dizer Obrigado! Pela primeira vez consegui falar com a minha família, a minha mulher, os meus filhos, sobre o que foi fazer a guerra.” Acho que foi um dos maiores elogios que recebi na vida. E ver As duas faces da guerra numa sessão em que havia antigos combatentes do PAIGC e do Exército português e ouvi-los a trocar opiniões e memórias no final também foi reconfortante. Afinal, é para isso que servem os documentários…

Com Geração de 60, como viria mais tarde a fazer com Era uma vez um Arrastão, Diana Andringa tornou evidentes as histórias que ficaram por contar e desmontou as narrativas domi- nantes. E se no arrastão, evento de apenas um dia, é complicado ainda hoje sobrepor a verdade à mentira, na Guerra Colonial o mesmo exercício complica-se. Também por isso Geração de 60 não foi a única vez em que Diana Andringa tocou neste tema – no limite, falar do «arrastão» é falar também do processo colonial. Através de documentários como Guiné Bissau: Da Memória ao Futuro, um registo filmado no ano que mar- cava os 45 anos da independência da Guiné e que explora o legado de Amílcar Cabral, continua e expande uma reflexão que é sempre conjunta. Em todas as peças, maiores ou mais pequenas, sente-se a preocupação de Diana com o(s) outro(s): as pessoas cuja história está a contar, as que irão ouvir essas histórias, os seus camaradas. Porque mesmo que um documentário, isolado, possa não mudar consciências, um trabalho continuado permite uma leitura arrastada no tempo. E é também graças ao trabalho de serviço público de Diana Andringa que questionamos cada vez mais porque é que as coisas são como são.

Questionar a profissão como exercício de camaradagem

Ainda antes da Geração de 60, em 1983, Diana Andringa viajou para diversos países, em diferentes continentes, para visitar refugiados. O resultado foi um conjunto de três reportagens de 50 minutos sobre os Refugiados no Mundo, passando pela América Central, Angola, Japão, Tailândia, Paquistão e Afeganistão. Desta temporada em viagem, trouxe registos de quem se viu obrigado a sair do seu país de origem, mas trouxe também imagens que dificilmente algum dia apagará da sua memória.

Na prática do jornalismo, disse-me uma vez a própria Diana, não se pode «confundir a função de jornalista com a de um juiz ou de um polícia», como dita a carta dos deveres profissionais dos jornalistas franceses; «o seu papel é ter uma posição sobre o que viu» – «o que não significa ter uma opinião e assumi-la». Por procurar a justiça, escreveu sempre sobre assuntos dos quais é difícil desligar-se, a vários níveis, e que podem ter marcado os espectadores que as viram, mas também a marcaram a si. E assume-o. Durante os anos em que presidiu o Sindicato dos Jornalistas, deixou bem claro que se preocupava com os jornalistas e o jornalismo (já que vê os profissionais e a profissão ligados, numa relação de causa-efeito), mas depois de se juntar ao Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, tendo feito entretanto o curso de Psicotraumatologia do Centro de Trauma do CES-Coimbra, tornou-se evidente que, para si, era (é) urgente pensar na dimensão psicológica do jornalismo. No trauma que vem com o que se vê, os assuntos sobre que se fala, as histórias que se ouve.

«Como é que um(a) jornalista se distancia emocionalmente dos assuntos que trata?», perguntei-lhe. «Não se distancia», respondeu-me.

No momento em que venceu o prémio Fernando Pessoa com o artigo «Para isto sobram as palavras», em 1988, diz numa entrevista à RTP que «fazer jornalismo é uma coisa de uma grande insegurança, é uma coisa em que tu todos os dias te estás a pôr em risco, te estás a confrontar não apenas com o público, mas estás a confrontar-te contigo próprio: se cumpriste, se fizeste bem, se foi exatamente claro, se conseguiste dizer aquilo que querias dizer». Esta transparência, a naturalidade com que se questiona e inclui o camarada que a entrevista – dizendo, a certa altura, «tu também já passaste por isso [de concorrer a um prémio]» – é, na verdade, uma das particularidades que distingue, também, Diana. Há ligações profundas e muito claras entre a pessoa e a profissional que é. Sabe-o e assume-o, também, com naturalidade.

Quando Diana Andringa diz, sem pudor, que um jornalista não se distancia dos assuntos que cobre, di-lo com toda a humanidade que pode caber nessa frase. No universo do jornalismo, a ideia reforçada de imparcialidade, rigor e distanciamento podem, por vezes, dar a entender que quem ouve e escreve ou monta uma peça não se pode relacionar com o que escreve; como se um jornalista fosse, ao exercer a sua profissão, um ser desprovido de emoções. Conhecendo os meandros da profissão, sabendo o quão complicado pode ser lidar emocionalmente com imagens que não saem da cabeça, frases que vêm à memória repetidamente, ansiedade por não conseguir sair de um assunto no qual se mergulhou tão fundo para informar o melhor possível, Diana quis agir.

No curso de Psicotraumatologia, de que Luísa Sales era coordenadora, investigadora do Observatório do Trauma, com quem foi aprofundando este tema e com quem criou, no estalar da pandemia, um grupo de apoio psicológico a jornalistas. Diana explicou, na altura, ao Sindicato dos Jornalistas, que esta preocupação surgiu porque «os jornalistas têm, neste período, acrescidas razões de stress, quer porque passam os dias a falar de mortos e infetados e arriscam um contágio, no terreno, mas também por razões laborais, como a ameaça de desemprego, os lay-off e as suspensões de colaboração». Numa conversa telefónica, Luísa Sales disse que sente que «a Diana continua sempre a ser uma jornalista, a viver as alegrias e as angústias dos jornalistas portugueses», e que o grupo de apoio na pandemia surgiu por sua mobilização. «Se a isto juntar um sentimento humano, uma intrínseca solidariedade generalizada da Diana e uma epidérmica noção de justiça, percebe que nas preocupações da Diana estejam sempre os profissionais jornalistas», continuou.

Ao longo da chamada que tive com Luísa Sales para conversarmos sobre a presença de Diana no Centro de Trauma, a investigadora deixou claro que a dinamização da jornalista em torno deste tema não só pretende despertar profissionais da área para a importância de pensar na saúde mental, mas que também «sensibilizou pessoas da área da psicotraumatologia para estas realidades». A transversalidade das áreas em que Diana pensa e atua é uma das características mais men- cionadas por Luísa, que vai deixando notas de profunda admiração pela jornalista:

É esse sentido de solidariedade e sensibilidade académica em relação às questões que ela considera justas e não justas, à forma como ela sente que aqueles que sofrem situações de injustiça são tratados e como se poderiam evitar essas situações. Essa é uma intervenção transversal na postura de vida da Diana: seja a Diana jornalista, seja a Diana interventora em termos de Direitos Humanos, seja a Diana que esteve presa muito jovem, seja a Diana intelectual. Penso que é uma linha de conduta transversal, a noção de solidariedade, a noção de preocupação com os outros, a noção de humildade intelectual. A capacidade de deduzir, de ter um raciocínio lógico e permanentemente construtivo. Penso que esta estadia da Diana no Centro de Trauma, de alguma forma, reflete estas características intrínsecas dela. Ela não se ligaria a um grupo deste tipo se não tivesse esta leitura transversal do conhecimento e da intervenção.

Em quase todos os registos mais recentes de entrevistas feitas à Diana, fala-se de «tempo». O tempo para pensar, para escrever, para refletir e debater parece ser sempre um dos maiores entraves à profissão quando, na verdade, é um efeito de outros entraves maiores. É preciso reivindicá-lo, mas é preciso estar ciente de que nem todos o podem exigir; estar ciente de que nem todas as situações profissionais, sobretudo em momentos de crise, permitem que se reclame tempo e espaço. A precariedade não o permite. É preciso lembrar que estes «entraves maiores» põem jornalistas em situações de pressão e, consequentemente, põem o jornalismo em risco. Não havendo tempo para aprofundar, tem de haver, pelo menos tempo para questionar, disso Diana está certa – «será que estou a fazer bem? se fosse sobre a minha família, publicava isto?» –, e para não ter medo de questionar em conjunto, como tantas vezes se lembra de ter feito, por exemplo, com Jacinto Godinho e outros camaradas (essa palavra que já tão pouco se usa entre as gerações mais novas, mas que relembra que o jornalismo não é uma profissão individual).

Quando, também já na pandemia da covid-19, Diana Andringa assinou uma Carta Aberta às Televisões Generalistas Nacionais, era na saúde mental de todos os intervenientes e elementos do ecossistema jornalístico que pensava. E cada vez que reivindica mais direitos e mais espaço, pode fazê-lo com base na sua experiência, mas será sempre para um bem maior. Afinal, Diana Andringa, Grande Oficial da Ordem da Liberdade é também Diana Andringa, a jornalista, a documentarista, a investigadora; a Diana. A mulher cuja sensibilidade para olhar e enquadrar «o outro», e as suas histórias, nos remete para os valores base do jornalismo. Em tempos que nos convidam, jornalistas, a estar desligados d’«o outro» e uns dos outros, a voz de Diana Andringa, que subliminarmente atravessa todo o seu trabalho, diz-nos: unir-nos-emos.

Este Perfil foi originalmente publicado na Revista Gerador 34, cujo pergunta de partida é "O que é o Jornalismo Lento?". Podes comprá-la aqui, ou na Central Gerador.

Texto de Carolina Franco
Fotografias da cortesia de Diana Andringa

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