Já muitos devem calcular a importância das pequenas estruturas independentes que mantêm autonomia sobre a criação artística do seu núcleo, não sujeitando portanto o seu trabalho ao escrutínio da máquina da indústria, neste caso, musical, cujo objetivo se prende quase única e exclusivamente com a oportunidade comercial que a música proporciona aos seus cofres. Raramente a indústria tem como prioridade a música em si mesma.
No caso particular de Portugal, estas pequenas estruturas oferecem a todos a oportunidade de conhecer o que se faz e quem faz para além dos tentáculos da indústria, dando a cada ouvinte a possibilidade de decidir se gosta ou não.
São inúmeras micro plataformas que vivem de idealistas que insistem em criar bolhas de ar num mar de água muito saturada.
Refiro-me a muitas propostas estéticas diferentes mas que, ainda assim, se encaixam num “tipo de música” que raramente passará nas estações de rádio mais ouvidas ou na televisão em primetime, nem tão pouco nos grandes festivais, não por ser desprovido de imensa qualidade, nem certamente por não ter quem por ele se interesse, mas porque não se submete...
Como músico, tenho traçado uma rota com mais ou menos obstáculos, com contornos mais ou menos convencionais, maior ou menor unanimidade mas na qual consigo perseverar à custa de um idealismo muito grande, que por vezes é a única luz que me alumia: liberdade artística.
Temo que esta liberdade de que falo possa ser confundida com sobranceria, soberba, um certo idealismo que só pode condenar um artista justamente à miséria.
Darei um exemplo que talvez ajude a entender este dilema, fazendo um paralelismo:
ninguém recomendará a um médico-cirurgião que este se dedique só à cirurgia estética, por isso ser um garante de fortuna, nem tão pouco o julgará como um idealista romântico se este se quiser dedicar a queimados ou reconstruções, implantes ou próteses, antes pelo contrário, todos verão nobreza nessa sua escolha. Ninguém dirá a um investigador que este está louco, caso se dedique a estudar o comportamento das mitocôndrias, nem a um futebolista lhe dirão o quão inútil é correr atrás de uma bola. Todos conseguem entender o valor destas atividades e a sua necessidade de aperfeiçoamento, dedicação, espírito inventivo, todos entendem o papel que cada um delas tem na estrutura da sociedade.
Cada um fará o que entende das suas escolhas. Se há algo que aprendi com a vida é a saber respeitar e admirar as escolhas de cada um, em particular as dos artistas, porque ser artista é, por si só, um ato revolucionário, um ato de resistência, um apelo incessante à liberdade.
Talvez ser famoso seja uma profissão por si só que, segundo os parâmetros desta indústria, deva confundir-se com ser músico ou artista no geral. São vários os programas que alimentam na audiência esta falsa e confusa ideia, há toda uma máquina que cobre as várias frentes para garantir que quem decide do que gosta não seja efetivamente o público.
“Ser artista não significa calcular e contar, mas sim amadurecer como a árvore que não apressa a sua seiva e enfrenta tranquila as tempestades da primavera, sem medo de que depois dela não venha nenhum verão. O verão há de vir. Mas virá só para os pacientes, que aguardam num grande silêncio intrépido, como se diante deles estivesse a eternidade” *
Escolhi o caminho da música por inevitabilidade absoluta: como viver sem fazer desta a minha escolha, a forma como me posiciono perante a sociedade, como reflito, como sinto, como imagino, como experimento, como comunico? Não me pareceu haver escolha, era o que tinha de ser porque só assim me sentia eu mesma, livre.
RODA Independent Music Label é a pequena editora que escolhi fundar juntamente com mais dois sonhadores: Luís Figueiredo e Mário Franco. Esta editora é a nossa nave, aquela que construímos à medida dos nossos desejos, que se expande para além de nós para chegar até cada um de vocês, com um sonho de liberdade.
*Rainer Maria Rilke in Cartas a um Jovem Poeta
-Sobre Rita Maria-
Rita Maria começou a estudar música aos oito anos e desde os catorze a cantar jazz. Estudou canto lírico no Conservatório Nacional de Música de Lisboa, Jazz na Escola de Jazz do Barreiro, ESMAE (Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo), no Porto, e também na Berklee College of Music em Boston como aluna bolseira. Passou parte da sua vida adulta entre Portugal, Estados Unidos e Equador. Deambula entre a improvisação do Jazz e a nostalgia do Fado, o Experimentalismo, a fusão com world music e o rock, já tenho partilhado o palco com diferentes músicos e integrando variadas orquestras. É cantora da Banda Stockholm Lisboa Project, lançou, em novembro de 2016, com o guitarrista e compositor Afonso Pais o disco “Além das Horas” e é cantora da banda Saga Cega. Recebeu o Prémio de Artista do Ano, Prémios RTP/Festa do Jazz 2018. Neste momento, está a desenvolver o seu trabalho artístico com o pianista e compositor Filipe Raposo com quem já lançou o primeiro disco “Live in Oslo”, em 2018, e lançará, em finais de 2020, “The Art of Song vol.1: When Baroque Meets Jazz”. Círculo é o mais recente trio colaborativo do qual faz parte e que se estreou em disco a janeiro de 2020 com os músicos Mário Franco e Luís Figueiredo.