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Objeção de Consciência

Nas Gargantas Soltas de hoje, Leonor Rosas debate a questão do Serviço Militar obrigatório, da hegemonização da NATO e do clima militarista que vivemos.

Opinião de Leonor Rosas

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O 25 de Abril de 1974 terminou com treze anos de brutal Guerra Colonial que, em três fronts, mobilizou a juventude portuguesa para combater contra a autodeterminação e liberdade dos povos africanos que haviam sido colonizados. Cerca de dez mil jovens portugueses morreram, ao que acrescem perto de vinte mil inválidos, cujas vidas ficaram para sempre condicionadas pelo teatro de guerra. Tantos outros milhares viveram vidas de agonia, atormentados permanentemente pelo stress pós-traumático. Nas antigas colónias, a guerra deixou um rasto terrível de cerca de cem mil civis mortos. A exaustão com esta guerra que rumava contra a corrente da História, somou-se às debilidades da ditadura já decrépita e contribuiu de forma fundamental para o derrube do fascismo em Portugal. Os jovens não queriam mais ir morrer para a guerra, as famílias não aceitavam mais ver partir os filhos para regressarem em caixões e mais nenhum pai ou mãe aguentava a tristeza de, ao ver nascer um bebé rapaz, saber que este acabaria com uma arma na mão. A guerra era assim. Assim é a guerra. Nunca serviu a mais ninguém - a não ser aos mesmos de sempre. Às ditaduras que não abdicam da força com que oprimem os muitos, à grande indústria que vende armas para matar e morrer, aos impérios que se querem estender e estender e aos poderosos que nunca vão parar à frente da guerra. 

Hoje, vinte anos volvidos do fim oficial do Serviço Militar Obrigatório em Portugal, voltamos a deparar-nos com títulos de jornais que agitam a possibilidade do seu sinistro regresso. Jovens - desta vez, homens e mulheres - seriam obrigados a despender de quase um ano das suas vidas, normalmente na altura em que muitos começariam os estudos na Universidade ou as suas vidas profissionais, para servir as forças armadas. Se é verdade que esta proposta representa mais um contratempo absurdo na vida de uma geração para quem o futuro já se parece tão nebuloso, a discussão é mais profunda que essa. 

Há pouco mais de dois anos, a Rússia invadiu a Ucrânia: quase sete milhões de pessoas já tiveram de se refugiar fora do seu país, milhares já morreram e dezenas de cidades foram reduzidas a ruínas. Com esta invasão criminosa, Putin serviu de bandeja às potências ocidentais a oportunidade de reforçar a hegemonia da NATO. Dito e feito. Finlândia e Suécia tornaram-se parte da aliança militar. A hegemonia militarista e o consenso em torno da naturalidade do estado de guerra adensou-se, como provavelmente não víamos desde a infame War on Terror. A NATO apresenta-se, a cada dia, pelos telejornais e notícias, como uma força natural de defesa de supostos valores democrático, como bastião civilizacional e cultural ocidental, face à ideia de uma ameaça do oriente russo e chinês. Nós contra eles, sem compromisso, sem possibilidade de paz ou entendimento. Naturaliza-se o clima de guerra, o medo, a iminência do confronto. De repente, fazem-nos crer que a aliança militar que contribuiu desastrosamente para os conflitos na ex Jugoslávia e no Afeganistão e acolheu como fundador o Portugal de Salazar representa o bom-senso internacional. 

Enquanto isso acontece, assistimos em direto ao genocídio do povo palestiniano. Assassinado, privado de comida, água e cuidados médicos, com o seu território aniquilado. Em Gaza, desde outubro de 2023, mais de 33 mil palestinianos já foram mortos. Não morreram. Foram mortos. Uma diferença verbal que parece faltar a grande parte dos órgãos de comunicação social ocidentais. Já morreram mais crianças em Gaza nestes meses do que em todas as guerras no mundo entre 2019 e 2022. Todos os dias, comentadores, jornalistas e líderes políticos se contorcem em direto nas mais arriscadas posições para justificar o belicismo israelita. Todos os dias ouvimos na televisão: guerra, guerra, guerra. Já não parece significar nada. Líderes europeus como Macron e Tusk apressam-se para insistir nestas seis letras. Jamais as três letras da paz.

Não temos de aceitar o fervor militarista que nos impõem. Em Portugal, não temos de aceitar acriticamente o contágio deste terror que pretende hegemonizar a guerra como constante inevitável. Não abdicamos das nossas vidas para servir, não as colocaremos em pausa para baixar a cabeça, obedecer, fazer continência e aprender o nosso lugar numa hierarquia fictícia sem a questionar. A objeção de consciência é mais do que apenas sobre uma guerra concreta. Ao invés, é a profunda rejeição da disciplina hierárquica que manda morrer, da ideia de povos a digladiarem-se em campo de batalha em nome de impérios, nações e lucros. O imperialismo mata - é essa a história de todos eles. Não obedeceremos a nenhum. Não combateremos por nenhum. Face à ideia de que a guerra é um estado natural, a única resposta é a objeção de consciência à obediência acrítica, à hierarquia, à destruição, à morte. Serviço Militar Obrigatório? Cá estaremos para lhe desobedecer. 

-Sobre Leonor Rosas-

É doutoranda em Antropologia no ICS onde estuda colonialismo, memória e cidade. É licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais na NOVA-FCSH. Fez um mestrado em Antropologia na mesma faculdade. É deputada na AM de Lisboa pelo Bloco de Esquerda. Marxista e feminista.

Texto de Leonor Rosas
As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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