Sete meses após o chumbo histórico, a proposta de orçamento do Estado para 2022 recebeu “luz verde” do Parlamento, com os votos favoráveis do PS, a abstenção do PAN, Livre e três deputados do PSD/Madeira. Para os artistas, o documento que sairá agora da Assembleia da República rumo a Belém para promulgação fica “muito abaixo das expectativas”, sobretudo num momento em que a cultura ainda está a sentir algum impacto da crise pandémica.
“O papel do Estado é fundamental na recuperação da crise que a pandemia provocou. Não vemos neste orçamento do Estado nenhuma medida específica relacionada com isto. Parece que a pandemia já passou”, sublinha Amarílis Felizes, da Plateia, associação que agrega 300 profissionais e 100 estruturas das áreas da dança e do teatro. Segundo a responsável, o setor dos espetáculos ao vivo, por exemplo, continua a sofrer paragens por causa das infeções. “Fomos dos primeiros a parar e continuamos hoje a cancelar espetáculos, porque há pessoas com covid-19. Continuamos a ser afetados”, frisa.
Amarílis Felizes realça, além disso, que este orçamento do Estado não dá as respostas necessárias à precariedade laboral, isto é, seria “muito importante” reforçar o financiamento das instituições para que os rendimentos dos artistas fossem, por consequência, assegurados. Mais, atira a responsável, “está a haver agora um grande esforço de combate ao falso recibo verde, e essa diferença [entre o trabalho independente e o trabalho dependente] tem custos para as instituições”, pelo que teria sido importante reforçar o seu financiamento.
A representante da Plateia faz questão de salientar também que hoje, no que diz respeito às políticas culturais, ainda se considera suficiente “fazer alguns projetos-piloto e atividades”, não existindo, pois, um plano mais global para o acesso à cultura. “O problema é que as instituições não têm meios. Diria que o problema é mesmo o financiamento”, defende.
Quanto ao novo ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, Amarílis Felizes admite que ainda não houve tempo “para se ver muita diferença” face à antecessora, Graça Fonseca, mas enfatiza: “Temos pena de que [o ministro] não tenha conseguido um orçamento mais robusto. Tudo somado, a Plateia considera que o orçamento do Estado para 2022 “fica aquém do que seria necessário”, merecendo nota negativa. “É claramente insuficiente. Percebemos que há um esforço, pouco a pouco, mas é preciso um salto”, exige a responsável.
A mesma perspetiva é partilhada pela Associação de Artistas Visuais de Portugal (AAVP). “Na nossa opinião, o orçamento do Estado continua muito abaixo das necessidades dos artistas”, afirma fonte da referida entidade. E exemplifica: a subida da verba disponível para compras para a coleção do Estado “é uma boa notícia, mas continua a ser um valor baixo”.
A AAVP entende, além disso, que “tem de ser dado o apoio às artes visuais através de bolsas de criação artística e tem de ser discutida a irrelevância do atual modelo criado com o estatuto de trabalhador da cultura, que não serve os artistas visuais.” A propósito deste último ponto, esta associação considera que é preciso criar, antes, um estatuto particular para a criação artística e literária. O objetivo? Acabar com a precariedade e fomentar a relação com as empresas e o investimento público e privado, “tal como é feito noutras áreas”, explica fonte da Associação de Artistas Visuais de Portugal.
Mas, afinal, o que consta do orçamento do Estado?
Aprovado no final de maio, o orçamento do Estado para 2022 prevê uma despesa total consolidada de 365,4 milhões de euros para a cultura, mais do que em 2021.
Entre as medidas enumeradas neste âmbito está, por exemplo, a transferência de até dois milhões de euros para o Fundo Especial de Segurança Social dos Profissionais da Área da Cultura, bem como a entrada gratuita em museus e monumentos nacionais para alguns estudantes do ensino profissional e superior.
Quanto à arte contemporânea, e como referiu a AAVP, a dotação para a compra de obras para a Coleção de Arte Contemporânea do Estado sobe 150 mil euros, face a 2021, para 800 mil euros.
Já na especialidade, o PS viabilizou uma proposta do Bloco de Esquerda, que visa criar um programa de promoção do estatuto dos profissionais da área da cultura junto do tecido empresarial e das entidades não-comerciais do setor cultural e artístico.
Tudo somado, e segundo o ministro Pedro Adão e Silva, “institucionalizar, modernizar e democratizar serão os eixos estratégicos da governação na área da cultura”. Nos quatros anos da corrente legislatura, o Governo diz querer atingir os 2,5 % da despesa discricionária do Estado, tendo em conta “o subfinanciamento histórico” do setor em questão.
O Orçamento do Estado foi promulgado este fim de semana, faltando agora ser publicado em Diário da República para que, depois, entre em vigor e comece, então, a produzir efeitos.