fbpx
Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

“Osmarina Pernambuco não consegue esquecer”, de Keli Freitas

“Osmarina Pernambuco não consegue esquecer”, de Keli Freitas, actriz, dramaturga e encenadora brasileira, está em…

Texto de Raquel Rodrigues

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

“Osmarina Pernambuco não consegue esquecer”, de Keli Freitas, actriz, dramaturga e encenadora brasileira, está em cena no Teatro D.Maria II, de 21 de Novembro a 1 de Dezembro.

O que é digno de ser registado, de ficar na memória? O que é importante não esquecer? Quem o deve dizer? Esta peça vem abrir estas questões, fazê-las tremer. Osmarina é uma mulher anónima que, durante toda a sua vida, escreveu diários de forma indiscriminada, pois está viva “e a vida é tudo”, diz a personagem que parece não deixar nada de fora. Disciplinada e comprometida, tanto anotava as laranjas que precisava de comprar, o estado do tempo, o almoço, como reflexões acerca da existência. “Comprei peixe” e “Eu estou pensando em minha vida. Estou com 35 anos. Gostaria de amar e ser amada, que alguém se lembrasse de mim com ternura” são exemplos de aparentes desvios. No seu diário tudo tem lugar, porque o seu olhar não tem filtro. Esta escrita é uma espécie fluxo do pensamento, intersectando frases soltas como camadas fílmicas entrecortadas, que vão passando no quotidiano de qualquer um.

"Preciso comprar laranjas. Preciso comprar bananas. Preciso comprar laranjas e bananas", Osmarina Pernambuco.

Trata-se de um projecto antigo de Keli Freitas. É a primeira peça que quis escrever. “Quando era muito nova e estava numa companhia de teatro, um actor que admirava muito, Alexandre Pinheiro, era sempre aquele que passava lá atrás e fazia uma cena de três segundos. Eu dizia sempre “eu adoro aquele cara”. Anos passaram e eu disse-lhe “queria fazer uma peça só com você””, conta. Durante o processo de pesquisa, descobriu a Síndrome de Memória Autobiográfica Superior e o caso de Jill Price, uma mulher com uma memória perfeita, capaz de, por exemplo, responder detalhadamente quando interrogada sobre o que fez numa data lançada de forma aleatória. Ficou conhecida como “a mulher que não consegue esquecer”. Quando partilhou com Alexandre Ribeiro que desejava explorar o tema da memória na peça que ia escrever para ele representar sob a forma de monólogo, este revela-lhe que a sua avó, Maria Leopoldina Félix, escreveu diários durante toda a vida.

Keli teve acesso a cinco diários, estando os outros espalhados por um grande número de herdeiros. A ideia foi sendo alterada ao longo do tempo. Em 2016, surgiu a primeira versão do texto. Nesse ano, veio para Portugal e concorreu com este projecto no Laboratório de Escrita para Teatro do D. Maria II. O projecto inicial é repensado e redesenhado para ser Keli a interpretá-lo. Nesse sentido, surgiram algumas dificuldades, que residiam na ocupação de outro lugar, que não seria o do neto. “Queria descolar a peça de ser feita por mim e Alex. Queria que fosse um texto. Só consegui com quando a botei em primeira pessoa, a Keli, alguém decidido a não esquecer a Osmarina Pernambuco. Quando entendi que esse era um lugar que eu podia fazer com Alex ou qualquer actor ou actriz, a coisa começou a sair. Não era eu, mas também não estava escrevendo na boca do Alex. São tentativas muito antigas que se cruzaram, eliminaram e sobreviveram”, explica. O que nos é apresentado não se resume ao texto dos diários, mas com ele dialoga, introduzindo detalhes da biografia de Keli, que passa pela sua profissão de actriz, que vive, também, da memória, bem como explorando algumas técnicas mnemónicas, como o Palácio da Memória, que parte das relações espaciais.

No título colocou Osmarina, “uma mulher completamente esquecível”, com a descrição de Jill Price, “uma mulher muito fácil de não esquecer”. Keli quis inverter a lógica, trazendo para cena quem está fora dela, o esquecimento para a memória. “Essas pessoas desperecem em silêncio e essa mulher registou o silencio”, reflecte. Descreve o seu trabalho como “uma espécie de arqueologia das memórias alheias, que nos conta muito sobre o mundo que vivemos e sobre as coisas que nos andamos esquecendo”.

"2 de abril, de 1955 – 22 horas: As crianças estão dormindo. Eu estou fazendo costura de mão nas roupas das crianças. Numa noite muito silenciosa como esta, eu me ponho a pensar. Mas eu estou viva. E a vida é tudo.", Osmarina Pernambuco.

Dentro do inútil, do banal, a peça sinaliza um brilho, expresso na interrogação: “Como é que uma mulher, há 70 anos atrás, se sentou para escrever? Eu acho mesmo algo extraordinário. Muitos dos meus amigos, ao longos desses anos, me foram dizendo “não sei o que tanto vê nesses diários”. Mas vocês não acham fascinante que uma mulher se sentasse no meio daquela vida para dizer “hoje preparei arroz”?”.

“Acho que é uma beleza que ela nos deixa, que não havia se ela não se sentasse anos numa cadeira para nos dizer se era feliz”, conclui.

 

Se quiseres saber mais informações, datas, horários e preços, clica aqui.

 

Este artigo não segue o Novo Acordo Ortográfico.

 

Texto de Raquel Botelho Rodrigues
Fotografia  de Filipe Ferreira

Se queres ler mais notícias sobre a cultura em Portugal, clica aqui.

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

16 Abril 2024

‘Psiquiatria Lenta’: Crónicas de João G. Pereira no Gerador editadas em livro

9 Abril 2024

Fernando Dacosta: “Baixou-se o nível das coisas que fomenta a infantilização das pessoas”

3 Abril 2024

Festival Bons Sons convida o público a viver a aldeia em toda a sua diversidade

2 Abril 2024

Mariana Vieira da Silva: Marcelo “será visto como alguém que contribuiu para a instabilidade”

26 Março 2024

Diana Andringa: “o jornalismo está a colaborar na criação de sociedades antidemocráticas”

19 Março 2024

Leonor Chicó: “no nosso quintal já se sentem os efeitos da crise climática” 

16 Março 2024

José Pacheco Pereira atribuiu nota 7 à probabilidade de uma guerra na Europa

12 Março 2024

A Open Food Facts quer empoderar os consumidores através da informação

5 Março 2024

Bolsa Amélia Rey Colaço abre candidaturas para 7ª edição

29 Fevereiro 2024

50 Abris: diferentes retratos da liberdade precisam de apoio para sair em livro

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

O Parlamento Europeu: funções, composição e desafios [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online ou presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online e presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Produção de Eventos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Pensamento Crítico [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Comunicação Digital: da estratégia à execução [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Práticas de Escrita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação à Língua Gestual Portuguesa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Narrativas animadas – iniciação à animação de personagens [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Soluções Criativas para Gestão de Organizações e Projetos [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

22 ABRIL 2024

A Madrinha: a correspondente que “marchou” na retaguarda da guerra

Ao longo de 15 anos, a troca de cartas integrava uma estratégia muito clara: legitimar a guerra. Mais conhecidas por madrinhas, alimentaram um programa oficioso, que partiu de um conceito apropriado pelo Estado Novo: mulheres a integrar o esforço nacional ao se corresponderem com militares na frente de combate.

1 ABRIL 2024

Abuso de poder no ensino superior em Portugal

As práticas de assédio moral e sexual são uma realidade conhecida dos estudantes, investigadores, docentes e quadros técnicos do ensino superior. Nos próximos meses lançamos a investigação Abuso de Poder no Ensino Superior, um trabalho jornalístico onde procuramos compreender as múltiplas dimensões de um problema estrutural.

A tua lista de compras0
O teu carrinho está vazio.
0